28 maio, 2005

Exame Ad-Hoc: um oásis no deserto da educação superior de adultos

Victor Manuel deambula pelo átrio do Instituto Politécnico do Porto, ignorando os odores convidativos da cafetaria e, com ansiedade, procura a saída. Cá fora, o Inverno que se fez sentir nos últimos meses está a despedir-se com uma chuva intensa.

Por: Paulo Teixeira

«Sinto-me atordoado», confessa o agente imobiliário de Amarante, 35 anos, casado e pai de dois filhos. «Não sei lá muito bem quem é o João Mangueijo»...

Cerca de 3000 adultos, tal como o Victor, tentaram este ano a sua sorte ao submeter a teste o seu nível de conhecimentos e de cultura geral, com o objectivo de ingressar num curso do Ensino Superior.

O exame Ad-Hoc, hoje em dia denominado Exame Extraordinário de Avaliação de Capacidade para Acesso ao Ensino Superior (EEACAES), realiza-se todos os anos por meados de Março e tem como objectivo oferecer a adultos maiores de 25 anos, que não estejam habilitados com um curso do Ensino Secundário, a oportunidade de mostrar possuir os conhecimentos mínimos indispensáveis à frequência de um determinado curso superior.

Desconhecido de muitos, escassamente divulgado e documentado, o processo de admissão EEACAES destaca-se como uma oportunidade única e singular de proporcionar a adultos uma participação mais activa no ensino superior. Está, contudo, muito aquém das necessidades reais de uma camada activa da população que, cada vez mais, sente e reivindica para si a necessidade de acesso mais justo e mais diversificado a cursos superiores.

Embora tenha sido alvo de várias revisões ao longo da sua existência, continua a ser um modelo imperfeito que revela falhas na oferta de cursos e no sistema de colocações. Estatísticas recentes mostram que Portugal sofre de atrasos significativos, relativamente aos seus congéneres europeus, em quase todos os aspectos do seu sistema educativo. No que toca ao ensino de adultos, é particularmente notória a falta de um mecanismo que avalie, valide e reconheça devidamente a experiência adquirida ao longo de uma vida de trabalho, ou até de formação laboral, e a aproxime da esfera das habilitações escolares e, em particular do ensino superior.

A necessidade da institucionalização de uma via de acesso àqueles que, por razões variadas, não puderam prosseguir a escolaridade normal, remonta aos anos 60, quando o Decreto-Lei n.º 47 587, de 10 de Março de 1967, foi introduzido, por despacho ministerial, em regime de experiência pedagógica. No sistema de ensino pós-25 de Abril, as substanciais modificações do regime de acesso ao ensino superior ditaram uma adaptação do processo de admissão ‘ad-hoc’, regulando por portaria as condições de inscrição e realização dos exames.

O processo baseia-se em três partes distintas, das quais o teste da Língua Portuguesa é a primeira. A prova consiste na análise de um texto relacionado com temas contemporâneos, em quase todos os casos de autoria lusófona, e uma composição de duas páginas, com escolha de um tema entre os três propostos. Pretende-se, desta forma, avaliar as capacidades de expressão, interpretação e exposição dos candidatos, bem como o seu nível de cultura geral.

O Victor e os restantes concorrentes debateram-se, este ano, com um excerto do livro da autoria do físico João Mangueijo, Mais Rápido que a Luz, desafiando-os a interpretar e descrever, pelas suas próprias palavras, conceitos tal como o método científico, sentido de frases ou do relevo de Albert Einstein e as suas descobertas para as ciências. Se o candidato for aprovado, segue-se uma entrevista pelo estabelecimento de ensino pretendido pelo aluno e de uma ou mais provas específicas para o curso desejado.

«O ar de alegria com que andava, desde que soube que tinha sido admitido, desapareceu quando o primeiro de nós saiu da entrevista e anunciou que não havia vagas», desabafa João Manuel, 45 anos, natural da Maia... O sistema de vagas é um ponto que demonstra alguma fragilidade. Muitos candidatos confrontam-se com o facto de, em cursos mais desejados, tal como Jornalismo ou Direito, o número de vagas ser diminuto, particularmente nas universidades estatais.

João, um dos oito candidatos, de 2004, ao curso de Jornalismo da Faculdade de Letras na Universidade do Porto, estava consciente do facto de que só existiam quatro vagas e que teria de competir com os seus oito colegas, tanto na entrevista como nas provas específicas, para um lugar. «A entrevistadora explicou que os lugares estavam a ser preenchidos por candidatos de anos anteriores que não tinham conseguido colocação. Ou seja, de nós oito, o que tivesse a melhor nota na prova específica só seria colocado no ano seguinte, e o que tivesse a menor nota positiva esperaria entre dois a quatro anos. Ofereceram-me acesso a um curso de Línguas Germânicas, para o qual todas as vagas estavam disponíveis», recorda.

Caso não queiram esperar, há sempre a oportunidade de mudar para um curso menos frequentado ou para uma outra instituição. «Mudei para a Universidade do Minho, em Braga, e concorri a um dos dois lugares disponíveis para um curso similar. Soube, mais tarde, que já existiam dois candidatos antes de mim e, até eu aparecer, ambos davam por certo ter um lugar ao sol», explica o João. As instituições privadas são uma outra opção, aparentemente determinadas em oferecer melhores condições de ingresso.

Apesar da escassez de colocações obtidas através deste sistema, os candidatos continuam a tentar a sua sorte, todos os anos, pelo país fora. Segundo as estatísticas publicadas no website do Instituto de Formação e Investigação da Língua Portuguesa entre os anos 1999 e 2003, calcula-se que a percentagem de candidatos admitidos por esta via ronda os 30%, incluindo um pequeno número de concorrentes que pediram uma reavaliação.

Para muitos dos participantes, este é, deveras, um teste de elevado grau de dificuldade para o qual pouca ou nenhuma preparação se encontra disponível. Victor lembra-se da pouca informação que teve para se preparar. «O único material de suporte à mão eram umas cópias de testes dos anos anteriores. Resolvi-os com a ajuda de um familiar que está a estudar Jornalismo. Mesmo assim, sinto que fiquei longe de estar devidamente preparado. Acho que a sorte vai ser um factor a determinar se passo ou não», esclarece.

A crescente demanda por parte de adultos para um acesso mais diversificado ao ensino superior está a levar com que técnicos e peritos na área da educação se debrucem no assunto com mais interesse. Algumas propostas vêm nas tecnologias da informática e da Internet uma solução, tal como o e-learning, enquanto outras propõem um corte mais radical com as estruturas tradicionais do ensino, tal como uma renovação do sistema de procura/oferta de vagas ou do reconhecimento de habilitações adquiridas através da formação profissional e da experiência.

Há, contudo, consenso num aspecto: a necessidade, tanto por parte do estado como dos cidadãos, de repensar, tolerar e possivelmente aceitar o impacto a quase todos os níveis da sociedade que acompanhará uma eventual reforma profunda do sistema de ensino português.

Sem comentários: