28 maio, 2005

A presença feminina em áreas de trabalho masculinas

As mulheres têm conseguido, cada vez mais, infiltrar-se em actividades e profissões quase exclusivas dos homens. Resta saber: serão elas tratadas de igual para igual?

Por: Leonora Gonçalves

“Aos homens, os seus direitos, e nada mais; às mulheres, os seus direitos e nada menos”. A frase é de Susan B. Anthony, uma das primeiras feministas da história do século XIX. Hoje, enfrenta-se o terceiro milénio e podemos afirmar que grandes transformações se procederam na sociedade ocidental. As mulheres têm direitos que Susan jamais imaginaria e, contudo, continuam a procurar um estatuto de igualdade ao escolher profissões porque lhes agrada, e não porque são ‘adequadas’ às mulheres.

Apesar da constatação de que a presença da mulher no mercado de trabalho é uma realidade incontornável, muitas das justificativas dos empregadores para não contratarem mulheres ainda se prende a uma classificação estanque dos papéis do Homem e da Mulher. Nos empregos dominados por homens, este preconceito observa-se de forma ainda mais marcante.
De acordo com Lina Coelho, docente da Faculdade de Sociologia de Coimbra, «ainda há uma ideia pré-concebida de que algumas actividades profissionais são para homens e outras para mulheres».

Lina Coelho vai ainda mais longe ao afirmar que há uma concepção generalizada de que «as mulheres irão, eventualmente, abandonar os seus empregos para terem filhos e que, portanto, o emprego deve ser atribuído a um homem porque permanecerá no emprego e dará menos encargos à empresa». A docente diz constatar que «esta é uma realidade que requer uma preocupação adicional nos países latinos, sociedades caracterizadas por uma visão muito tradicionalista da mulher».

Segurança no Feminino

Virgínia Aguiar, oficial de segurança do Instituto de Medicina Legal no Porto, é segurança há 11 anos e diz, no entanto, nunca ter tido problemas com os colegas de trabalho: «no meu emprego anterior só havia homens e senti-me sempre à vontade», afirma. De acordo com Virgínia, «alguns homens ainda têm dificuldade em aceitar as mulheres em posições de autoridade... Quando apanho o autocarro para o emprego, vejo que alguns parecem ter um certo medo e nem se sentam ao meu lado», diz.

No que diz respeito à presença de mulheres na sua profissão de segurança, Virgínia afirma que existem muitas na área da segurança «e, até, como guarda-costas!». Lamenta, no entanto, que um homem consiga emprego na sua área muito mais facilmente que uma mulher: «as empresas ainda pensam que um homem impõe mais respeito do que uma senhora», lamenta.

No que respeito à escolha de uma profissão de algum risco, a funcionária do Instituto de Medicina Legal diz que sua profissão «é tão perigosa como outra qualquer». E acrescenta, irónica: «conduzir nas estradas é de certeza mais perigoso». Virgína confessa ter tido alguma preocupação por parte dos seus familiares quando escolheu ser oficial de segurança: «ficaram com algum receio, mas viram que era o que eu queria fazer e conformaram-se!...», conta.

Mulher ao volante

Emília Silva, taxista há 5 anos, diz ter escolhido a profissão simplesmente porque gosta e não vê nenhuma razão para que uma mulher não deva ser motorista de táxi. «Eu volto todos os dias para casa às 10 horas da noite, não corro perigo e ganho o meu dinheiro: é um emprego como outro qualquer», afirma.

A taxista refere que nunca sentiu nenhum tipo de preconceito por parte dos passageiros. «Eles bem ficam surpreendidos e olham-me com um ar de curiosidade, mas têm respeito», explica. Segundo Emília, o problema, com efeito, centra-se nos colegas de profissão. Os taxistas têm uma atitude antipática com Emília, que não se sente bem-vinda na sua paragem de táxis.

O preconceito no trânsito está presente no dia a dia da taxista, que revela ser alvo constante do nervosismo de alguns condutores. Mas salienta que esta não é uma realidade apenas das taxistas, mas de todas as mulheres que costumam conduzir um carro. E como reagem os taxistas à presença de um membro feminino na frota? «Não conheço nenhuma senhora taxista!...» e não prestaram mais declarações.

Correio!

Ouve-se o som estridente da campainha e, ao atender, o morador ouve uma voz feminina a pedir que abram-lhe a porta. “É o correio!” anuncia, rapidamente, Maria João Ribeiro, funcionária dos CTT do Porto há 8 anos. Para saber perceber melhor o dia-a-dia de uma carteira, a ‘Pessoas revista’ seguiu-a, porque «o correio tem que ser entregue a horas!», informa-nos seriamente.

Para Maria João, há muito poucas mulheres no serviço de entrega, pois preferem trabalhar no atendimento. Quando questionada sobre a possível dificuldade em carregar tanto peso, refere que isso não é problema: «nós temos carrinhos quando a correspondência é muita, não é um esforço muito grande!».

Confrontada com a afirmação corrente de que as mulheres não são tão dedicadas ao trabalho quanto os homens, Maria João rebate enfaticamente: «os homens são muitas vezes mais preguiçosos e querem fazer as coisas a despachar, mas ninguém se importa. Mas se uma mulher fizer qualquer coisa de errado é logo porque é mulher!...»

Subintendente no feminino

Paula Peneda foi notícia, juntamente com a sua colega Madalena Amaral, em quase todos os Meios de Comunicação Social, ambas oficiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), em Lisboa.
O motivo de toda a atenção é indiscutível: foram as primeiras mulheres a serem promovidas a Subintendentes dentro da PSP em Portugal e que irão, agora, frequentar o curso de promoção ao posto de Intendente.

Paula Peneda e Madalena Amaral terão a companhia de mais 40 Subintendentes, todos homens. Para além de comandarem divisões, as oficiais terão responsabilidades de chefia em todo o dispositivo da PSP.

A motivação apontada para a entrada na PSP por Paula Peneda, de 37 anos, é a vocação. Entrou para a PSP em 1985, após terminar o 12º ano. Nessa altura, estava na Escola Superior de Polícia, a começar o 2º curso de formação de oficiais de polícia. «Foi o único caminho que considerei seguir», diz.

A Subintendente diz que, desde que entrou, a PSP mudou muito quanto às oportunidades para as mulheres. «As diferenças são, essencialmente, de comportamento. Hoje, a PSP está mais receptiva às senhoras. Já somos muitas mais do que éramos quando entrei», constata.

Quando questionada sobre a possível discriminação das mulheres no seio da PSP, Paula Peneda pondera: «as coisas vão mudando com o passar do tempo e tudo está bastante diferente do que encontrei quando iniciei a minha carreira, há 19 anos. Penso que os colegas já se conformaram que têm que conviver connosco». Em relação ao futuro, a Subintendente mostra uma grande confiança. Se for aprovada em todos os cursos, poderá chegar a Superintendente Chefe aos 45 anos.

Sra. Presidente

O cargo político de Presidente da Junta de Freguesia em Portugal é, inegavelmente, ‘território masculino’. Ana Maria Silva Pereira é a presidente da Junta de Miragaia.

Dos 48 presidentes de junta do concelho do Porto é a única senhora. «Os eleitores não estão habituados a ver mulheres neste tipo de cargos. É uma questão de tempo até que haja muito mais mulheres a concorrer e serem eleitas para Presidente da Junta», esclarece.

A presidente diz existir uma enorme hipocrisia para com mulheres em cargos de responsabilidade política e salienta que o preconceito continua a existir na política, embora de forma disfarçada. «Os adversários sabem que não é politicamente correcto criticar uma mulher recorrendo à argumentos machistas. Ao invés, encontram formas de a acusar de incompetência e deixam o preconceito alheio fazer o resto», confessa.

Combatente no fogo

Andreia Carvalho, de 27 anos, é membro do Corpo de Bombeiros Voluntários do Porto. Para si, a escolha da profissão de bombeiro era inevitável. «Sempre quis... não consigo imaginar-me em nenhum outra carreira», confessa.

Quanto ao risco inerente à profissão, Andreia diz que «é uma opção de vida» e que todos os oficiais têm a percepção do perigo. «O treino a que somos sujeitos destina-se especificamente a diminuir as probabilidades de algo correr mal, nesse aspecto, as mulheres correm tanto risco quanto os homens», observa.

Andreia afirma ainda que a relação com os colegas é muito saudável, mas que têm uma tendência para a superprotecção das mulheres: «Numa situação de incêndio, eles estão sempre atentos onde nós estamos e se estamos a proceder de forma segura», diz. «Penso que é muito difícil para os homens entender que não precisamos de ser mais protegidas que todos», acrescenta.

Carreira estruturada

Engenheira civil da Edifer, um grupo empresarial da área da construção civil, Júlia Serra não tem dúvidas de que a mulher tem grandes possibilidades de ter sucesso em profissões maioritariamente masculinas. Na sua opinião criou-se um mito da inadequação da mulher à profissões das áreas ligadas à Tecnologia. «As mulheres não têm nenhum tipo de obrigação em seguir áreas ligadas às Ciências Humanas», refere.

Para Júlia Serra, é importante observar a evolução do papel da mulher na sua profissão: «quando obtive a minha licenciatura, era uma raridade encontrar senhoras formadas em Engenharia Civil. Hoje já observo um número razoável de mulheres nas empresas de construção civil, embora a predominância masculina seja inegável», esclarece.

Quanto questionada sobre como são as visitas aos empreendimentos em construção por parte de uma mulher, a engenheira destaca que não enfrenta qualquer problema. «Os operários fazem uma certa cerimónia comigo, mas o trabalho decorre da melhor forma possível», esclarece.

Júlia Serra discorda completamente da atribuição de falta de feminilidade às mulheres engenheiras. «De todas as engenheiras que conheço, nenhuma se encaixa no estereótipo masculinizado», afirma. E acrescenta: «pelo contrário, penso que é exactamente por ser uma profissão tão caracterizadamente masculina que procuramos usar roupas femininas, obviamente adequadas ao ambiente de trabalho».

A mulher no mercado de trabalho

Lê-se no Artigo 22º do Código do Trabalho vigente em Portugal que “todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabaho”. Este direito à igualdade é também assegurado na Constituição Portuguesa, assim como na Carta das Nações Unidas.

Estes diplomas vêm mostrar que, na actualidade, quase não existem vazios legais no que diz respeito aos direitos da Mulher no mercado de trabalho mas, infelizmente, ainda há um claro abismo entre a realidade jurídica e realidade prática. Constatam-se, de facto, claras diferenciações entre o estatuto feminino e o masculino nos postos de trabalho.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), num inquérito ao emprego em 2001, as mulheres continuam a ter salários mais baixos e apresentam uma taxa de desemprego mais elevada. O ganho médio mensal por actividade de uma mulher em 2001 era de cerca de 550 euros, valor claramente inferior ao masculino: cerca de 610 euros.

A título de curiosidade, informamo-nos sobre a presença de mulheres em algumas das grandes empresas portuguesas, ao que constatámos um quadro preocupante. Na Energias de Portugal (EDP), todos os 13 membros da estrutura de apoio ao Conselho de Administração são homens. Na Portugal Telecom (PT) os números são ainda mais impressionantes: em 23 directores administrativos não há, sequer, uma mulher. O porquê dessa exclusividade masculina nos órgãos de direcção não foi esclarecido pelas empresas referidas.

Os empregos não-tradicionais

Nos Estados Unidos da América, há uma organização denominada “Work4Women”(Trabalho para Mulheres), que disponibiliza informação e estratégias para ajudar a aumentar a integração feminina em empregos considerados não-tradicionais para o sexo feminino.

Ao contrário do que acontece em Portugal, nos EUA essa classificação - emprego não-tradicional - tem uma definição bem clara. O Departamento do Trabalho Norte-Americano define empregos não-tradicionais como aqueles em que as mulheres constituem até 25% da força de trabalho. Em Portugal não há uma denominação tão específica, mas é possível determinar algumas profissões como paradigmas da baixa inserção feminina.

Ao analisarmos dados do INE, observamos que, em 2001, 95% dos membros das Forças Armadas, assim como 76% dos operadores de instalações de máquinas e trabalhadores na área de montagem eram do sexo masculino. Por outro lado, cerca de 65% dos trabalhos administrativos eram realizados por mulheres.

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