28 maio, 2005

Aninhas, a tasqueira

Começou a trabalhar no campo com apenas seis anos de idade. Ganhava cinco tostões por dia. Passou muita fome no «tempo da miséria». Ana Barbosa, ou Aninhas como é conhecida em Paranhos, é uma mulher com muitas histórias para contar. A maioria passadas na tasca que gere há 40 anos. Casada, com dois filhos e uma neta, dona Ana orgulha-se de dizer: «passei fome e muito trabalho, mas sempre fui honesta!»

Por: Luis Urbano

Numa destas manhãs, fomos encontrar na tasca “O Escondidinho”, Ana de Fátima da Costa Araújo Barbosa, de 60 anos, natural de Sequiade, Barcelos. No inicio, ficou um pouco inibida e sem saber o que nos contar porque, segundo ela: «o cantar também tem hora». Mas depressa se desinibiu e revelou-nos a sua boa disposição e, à conversa, ficamos a saber mais sobre esta popular personagem de Paranhos.

Pessoasrevista: Há quanto tempo é proprietária desta tasca?
Ana Barbosa: Há quarenta anos, ou seja, desde que casei com o meu marido. Já era dos avós dele, há mais de oitenta anos.

Prev: Que profissão tinha antes de casar?
AB: Era criada de servir na Trofa. Mas comecei a trabalhar muito cedo, ainda em Barcelos. Aos seis anos já trabalhava no campo e fazia recados. Tinha de ser... A minha mãe fazia tochas de palha de centeio para iluminar o caminho, porque acordava muito cedo e os caminhos eram muito perigosos. Eram caminhos de cabras cheios de moitas e silvados.

Prev: Teve uma infância muito dura?
AB: Mesmo muito. Passei muita fome, muita miséria. A fome era tanta que nem podíamos ficar muito tempo na cama a dormir devido às dores de barriga. Então, acordávamos muito cedo para comer as migas e ir trabalhar para ter o que comer à noite. Aos catorze anos fui trabalhar para a Trofa, também para o campo. Ganhava seis escudos por dia. Ganhei várias medalhas de ouro na feira da Trofa. Tinha sempre o gado mais limpo e bem tratado! Só mais tarde fui criada de servir.

Prev: Quando veio para o Porto?
AB: Aos dezoito anos. Vim trabalhar para um senhor que era dono dos terrenos onde agora está a Faculdade de Engenharia e as outras. Tinha de carregar hortaliça de madrugada daí até ao Bolhão. Carregava o mesmo peso que qualquer homem. Eu tinha muita força! Eram sacos com mais de 60 quilos. Às vezes chegavam aos 80! Também ganhava tanto quanto um homem! Oitenta escudos por mês! Iam sempre connosco dois homens para nos ajudar a subir e descer as paredes dos caminhos. Era muito duro. E se chegasse atrasada pagava a mercadoria que levava!

Prev: Até quando trabalhou no campo?
AB: Até aos 20 anos, quando me casei.

Prev: A partir daí a sua vida melhorou?
AB: Sem comparação! Passei por situações de morrer a rir! A vida, aqui na tasca, era muito bonita. Tinha um grupo de clientes muito engraçado. Mas já morreram quase todos e outros já não moram cá.

Prev: Recorda-se de alguma história engraçada que nos queira contar?
AB: UI! Tantas (sorrisos). Esta é uma das mais engraçadas: Tinha dois clientes mancos. Um de cada perna. Eram muito engraçados... Um dia cismaram que tinham de fazer uma corrida. E lá foram. Saíram para a rua, com o resto dos clientes a verem. E começaram a correr pela rua fora. O que era manco da perna direita teve sorte porque ficou com o passeio do lado da perna manca. Então correu com a perna esquerda na estrada e a perna manca em cima do passeio para ficar com vantagem. Claro que ganhou. O outro ficou muito atrás. Mas foi uma paródia com toda a gente a rir na rua!

Prev: Aos sessenta anos, a dona Ana tem muitas experiências e histórias para contar. Que balanço faz à sua vida?
AB: Graças a Deus, tive até agora uma vida muito feliz. Passei muita fome, muito trabalho mas sempre fui honesta! Honesta e trabalhadora! Comi muito pão com bolor. Não me fez mal nenhum! Não é com o bolor que fazem a terramicina? É remédio (gargalhada). Hoje posso dizer com orgulho que ninguém me tem nada a apontar! Nunca enganei nem roubei ninguém. Felizmente as coisas melhoraram a partir dos meus vinte anos. A partir daí tive uma vida muito alegre, muito bonita.

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