01 junho, 2006

Breg: «o Graffiti é a forma que uso para me exprimir»


O Graffiti, também apelidado de arte de rua, tem vindo a ser cada vez mais explorado e inserido na sociedade, fazendo com que uma das suas principais características negativas, a marginalidade, seja posta de lado. É o caso deste nosso entrevistado, natural de Valbom e que assina como ‘Breg’. Em Gondomar, ouvimos confidências deste pintor de rua, que nos deram uma maior perspectiva da realidade que envolve o mundo do Graffiti e toda a sua cultura.
Por: Daniel Faria

Prev: Boa tarde, Breg! Queriamos começar por perguntar o que, para ti, é, o Graffiti?

Breg: Bem, para mim, o Graffiti é a forma que uso para me exprimir, para libertar o stress do dia-a-dia ou da semana: é a melhor forma para estar à vontade comigo mesmo.

Prev: Quantos anos tens e com que idade começaste na arte da pintura urbana?

Breg: Vou fazer 23. Comecei em 1999... já foi há algum tempo.

Prev: Como é que ouviste falar desta corrente e te inseriste no movimento?

Breg: No 10º ano fui para a Escola Soares dos Reis e, na minha turma, havia um rapaz que tinha vindo dos Estados Unidos. Ele já pintava na América e tinha um álbum. Conheci-o e comecei por ver o álbum e acabei a interessar-me por aquilo...!

Mais tarde, fartei-te de chatear a cabeça aos meus amigos para começarmos a pintar. Principiei-me nas linhas de comboio, nem sabia bem que materiais usar ou onde comprar!

Prev: Quais os estilos que mais utilizas?

Breg: O wildstyle e o 3D. Posso fazer algo mais figurativo se estiver a realizar algum trabalho encomendado, mas no meu próprio estilo reúno o lettering, o wildstyle e o 3D.

Prev: Em termos temáticos, existem alguns temas que abordes mais?

Breg: Não costumo funcionar assim, só se for para um trabalho. Normalmente, junto-me com o meu grupo, pintamos um fame e é depois que aparecem ideias. Cada um faz o seu estilo, o seu lettering, a sua peça. Depois, nasce a ideia para o fundo e juntam-se as ideias de todos. Como disse, só costumo trabalhar com temas predefinidos para trabalhos. Por exemplo, se tiver de realizar um workshop para a Câmara de Gondomar, tenho primeiro de analisar as idades dos participantes ou o sítio onde se vai pintar.

Prev: E costumas pintar neste Concelho?

Breg: Só quando comecei e mesmo aí foram poucas coisas. Pinto no Porto, porque a maior parte das pessoas do meu grupo são de lá.

Prev: Mas existem poucos sítios para pintar...

Breg: Existem poucos sítios e também não sinto muita vontade... Não vale a pena trazer o meu grupo do Porto para aqui quando tenho lá muito melhores sítios para pintar! Daí que, mesmo quando comecei, só ter pintado nesta cidade em fábricas abandonadas.

Prev: Existem apoios das Câmaras ou de Gabinetes da Juventude, para o Graffiti?

Breg: Até podem existir poucos Graffitis em Gondomar, ou de pouca qualidade. Mas, a meu ver, a Câmara é das que dá mais apoio: organiza concursos, workshops, oficinas… acabei de fazer uma há relativamente pouco tempo. Quando comecei era impensável que, um dia, iria dar "aulas" desta nova arte de rua!...

Prev: Costumas pintar em locais ilegais?

Breg: Raramente. Acontecia mais no início. Tentamos legalizar paredes e até nos damos ao trabalho de comprar tinta de rolo para que o desenho sobressaia melhor. Hoje em dia, é uma moda que nos entra pela casa dentro, através da televisão. Existe muita arte ilegal e vandalismo que muitos associam ao Graffiti: provavelmente, essas manifestações artísticas são feitas por pessoas que não têm nada a ver isto.

Prev: Quando pintavas em locais ilegais, costumavas utilizar alguma estratégia?

Breg: Convém estudar-se o local onde se vai pintar e as possibilidades de fuga, caso a polícia apareça. Normalmente, pinta-se à noite, apesar de eu já ter chegado a pintar às 09:00 da manhã...!

Prev: Para legalizar paredes fazem um pedido à Câmara?

Breg: Normalmente não falamos com a Câmara. Se gostarmos de uma parede, tentamos conhecer o proprietário para lhe pedir autorização: uns dão, outros não dão, é uma questão de sorte.

Prev: Na tua opinião, quais as dicas para quem se está a iniciar nesta arte?

Breg: Desenhar muito! ...A base está no desenho. É preciso adquirir técnica e ter atenção ao local em que se vai pintar, no início.

Não convém que alguém que se esteja a iniciar comece a pintar em paredes com Graffitis de qualidade. Deve encontrar um sítio mais escondido, onde possa experimentar e aprender, sem ninguém a chatear: foi assim que eu comecei...

Prev: Que processo usas para a construção do Grafffit: fazes algum rascunho antes começar?

Breg: Como disse, o desenho é fundamental. Deve andar-se com um caderno para fazer um estudo antes de pintar. Hoje em dia já não faço isso, porque não tenho tempo: costumo chegar à parede e começar imediatamente a pintar.

Prev: Para finalizar, quais as tuas perspectivas para o futuro das pinturas de rua, em Portugal?

Breg: Há cinco anos atrás, Lisboa estava muito mais evoluída do que o Porto, mas hoje em dia já estão no mesmo patamar. Claro que, em Lisboa, existe muito mais apoio de Câmaras e associações. Mas espero que Portugal continue a evoluir ao mesmo ritmo dos últimos tempos, pois tem dado um salto enorme.

No entanto, os autores das obras continuam a não querer ser facilmente identificados devido a que, muitas vezes, as suas telas estão em locais públicos, ilegalmente. Assim, fazem uso de nomes de código, para evitar serem reconhecidos pelas forças policiais.Graffiti, também apelidado de arte de rua, tem vindo a ser cada vez mais explorado e inserido na sociedade, fazendo com que uma das suas principais características negativas, a marginalidade, seja posta de lado. Graffiti e toda a sua cultura.

Sobrinho Simões: «o que me dá mais prazer é o trabalho em que vou ensinando e aprendendo»

Tem um olhar calmo, sereno e a simplicidade dos grandes homens. Investigador, cientista, médico, académico, Sobrinho Simões, 57 anos, é, actualmente, uma das referências da Ciência e da Investigação que leva Portugal ao estrangeiro, onde também lecciona. Dirige, desde 1989, o IPATIMUP, instituição de excelência nos domínios da investigação científica.

Por: Maria de Fátima Assunção

Pessoas revista: Consegue destacar alguma das actividades que preenchem o seu vasto percurso académico/científico?

Sobrinho Simões: Consigo. Consigo distinguir como mais recompensadoras aquelas em que considero contribuir para que as pessoas aprendam alguma coisa, sejam médicos ou investigadores.

O que me dá mais prazer é o trabalho em que vou ensinando e aprendendo alguma coisa. Por outro lado, faço Medicina, diagnóstico de Cancro, todos os dias. Sou investigador. Agora, a actividade que me dá mais prestígio internacional é a função científica, sem dúvida.

Prev: Na sua essência, o que é o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto – IPATIMUP, quais as suas funções e objectivos, quais os seus sucessos efectivos?

SS: O IPATIMUP é uma Instituição que procurou juntar, professores universitários e investigadores de muitas faculdades. Tentou juntá-los tendo como objectivo estudar doenças humanas e, sobretudo, o Cancro.

Tínhamos gente que vinha das Faculdades e do mundo da Ciência, da Patologia Humana e da Genética. E fizemos uma Instituição que, na área do cancro da tiróide, do cancro do estômago, cancro da mama, está, na verdade, entre as melhores do Mundo. O que se prova não só pelas publicações. Fiz consulta para cancro da tiróide para dezanove países diferentes É assustador! Temos estes pequenos sucessos porque juntamos muita gente, de muitas faculdades.

A Fundação Luso-Americana pagou-nos, desde o primeiro ano, a vinda de avaliadores estrangeiros e concentramos as nossas sinergias em três ou quatro assuntos. Pela mentalidade portuguesa, teríamos não um, mas catorze pequenos IPATIMUPS e, no seu pequeno mundo cada um era o melhor de Portugal...!

Prev: Quais as consequências reais que o IPATIMUP tem para o Governo português, na perspectiva do investimento e da investigação, tendo em conta a sua projecção internacional?

SS: O Governo tem que consolidar Instituições. Não é dar dinheiro aos bocadinhos. Deve escolher as que lhe mereçam confiança e estabelecer com elas contratos-programa. No fundo, deve avaliar e recompensar. Tem de garantir as regras do jogo.

O Estado tem de introduzir no seu Orçamento Geral o financiamento-base das instituições e, depois, estimulá-las para que ganhem projectos europeus.Agora, não é criar mais função pública. É criar instituições sólidas, com um financiamento de base e, depois, trazer pessoas de fora para uma avaliação isenta.

Seria importantíssimo que o Governo também fizesse, no sistema universitário, o que tem feito no sistema científico: introduzir avaliação e prestação de contas. Deve introduzir-se isso, na Universidade.

Prev: Não considera, então, que o IPATIMUP tem sido subavaliado pelo Governo português...

SS: Não. Não temos nenhuma discriminação O que tem havido é algumas dificuldades nalgumas instituições do Centro e do Norte do país. Temos alguma dificuldade em competir com as instituições de Lisboa e Vale do Tejo que, geralmente, são protegidas.

Há, em Portugal, alguma tendência macrocéfala. Existem quinze laboratórios associados que estão espalhados pelo país, mas só três laboratórios de Estado foram criados na década de 50/ 60 e em Lisboa. Isto é um factor de assimetria assustador.

A capacidade de atrair miúdos para a investigação é muito diferente se se estiver numa região de laboratórios, ou não. No entanto, o meu laboratório tem sido muito bem tratado, dentro desta coisa de não ser lisboeta.

Prev: Que passos deveriam ser dados para fazer regressar a Portugal os investigadores que estão a desenvolver trabalho no estrangeiro?

SS: Criar as condições necessárias. Nós não pagamos mal: é uma questão de ambiente e massa critica e é, sobretudo, um problema institucional...

Não conseguimos criar em Portugal instituições sólidas, quer nas universidades quer nos institutos. Somos muito individualistas. Há um problema minifundiário.

Devíamos criar sinergias para podermos ser competitivos ao nível internacional. Somos competitivos nalgumas pequenas áreas de excelência, mas ganhamos poucos projectos europeus. Intelectualmente, não somos piores do que os outros competidores, o que não temos é nem organização, nem dimensão.

Prev: Tendo em conta a força que Portugal já esteve no Mundo, qual a sua opinião sobre o país de hoje, o que faltou e onde estaríamos?

SS: Hoje em dia, a globalização diminuiu muito a afirmação dos países. Portugal vai continuar a desempenhar o papel que conseguir, sobretudo, se alcançar a optimização das coisas em que somos bons e também as relações com o mundo que fala português e que é latino. Temos que privilegiar a nossa relação com o Brasil e com a África que fala português, até para resolver alguns dos nossos problemas de emprego...

Vamos ter, a curto prazo, um excesso de médicos e de técnicos. Um dos sítios onde devíamos ter uma colaboração muito eficiente e vontade mútua, era na área da Saúde, com o Brasil e com a África que fala português. A Medicina, as Ciências da Saúde, são instrumentos poderosíssimos de articulação entre os povos.

Prev: ...por questões de afinidade linguística!

SS: Não tenho dúvida nenhuma. Se for para os EUA, por exemplo, posso ter sucesso ou não: é um problema individual. Não posso articular uma estratégia com os EUA no domínio da investigação científica ou da Saúde, mas posso ter uma estratégia com o Estado brasileiro ou com um país africano!

Prev: A sua experiência profissional foi-lhe alterando ou enriquecendo a sua definição de Vida e de Morte?

SS: Foi, indiscutivelmente. Sobretudo, durante muito tempo, enriqueceu-me a ideia de Vida. A nossa investigação é, em vida, querer perceber a vida e como se organiza a vida. Com a morte do meu pai e com o nascimento da minha neta, do ponto de vista afectivo, estou muito mais atento ao problema da Morte, da minha morte.

Vamos vendo pessoas morrer, percebendo melhor os problemas do aumento da idade. Depois, há acontecimentos que são muito clarificadores: a morte dos pais (de qualquer um dos pais), é uma pancada. A morte de um irmão é outra, de grande violência, mas é exterior a nós... Percebi que ia morrer quando nasceu a minha neta.

Prev: Considera que o "modus vivendi" das sociedades ocidentais as torna mais vulneráveis às doenças do foro oncológico?

SS: Não, é só porque envelhecem. A não ser o tabaco que é, indiscutivelmente, um poderosíssimo causador de Cancro e os cancros de actividade profissional. Em termos de sociedades ocidentais, temos o tabaco e temos a velhice.

O cancro é uma doença da idade avançada e, por isso, vai continuar a aumentar, mas o número de pessoas que morrem desta doença está a diminuir. Há mais cancros, sobretudo porque, em Portugal, aumentou a esperança de vida o que fez aumentar a probabilidade de prevalência da doença e que é o que já está a acontecer nos países evoluídos.

Prev: E em Portugal há estatísticas fiáveis?

SS: Nós, em Portugal, não temos um registo de cancro nacional com dados actualizados: temos acesso aos dados das nossas Instituições. Por exemplo, eu sei o que se passa no Hospital de S. João. Porque é um grande hospital, posso usá-lo para comparar as tendências. Assim, sei que estamos a ter mais casos de cancro em todos os países do mundo ocidental, mas que não estamos a morrer mais dessa doença.

Prev: Vinte e seis anos após o seu pós-doutoramento, parece-lhe que as novas gerações podem ter esperança que o cancro poderá ter cura?

SS: Mais de metade dos cancros são, hoje, perfeitamente controláveis. A palavra Cancro, é uma palavra perigosa... No pulmão, estômago e pâncreas não estamos a lidar bem com ele. Por outro lado, no cólon, mama, próstata e intestino temos bons resultados.

As leucemias das crianças e os cancros da tiróide e do testículo curamos mais de noventa por cento. Este é um cancro muito frequente nos adultos jovens e está a aumentar, aparentemente, por causa da poluição das águas residuais, com todas as substâncias que parecem hormonas: os plásticos, os pesticidas, as pílulas femininas, etc.

Prev: É da opinião que não se deve esconder o estado do doente, como acontece, por exemplo nos EUA, ou considera preferível não dizer a uma pessoa que sofre desta doença, que não lhe resta muito tempo de vida?

SS: Isso é muito interessante. Nunca falei com um doente com cancro, enquanto seu médico. Sou contactado por um cirurgião, por um internista ou por um oncologista que me diz: "estude este caso e diga o que é que acha"...

A minha comunicação é com esse internista ou com esse cirurgião. Não tenho nenhuma experiência de comunicar aos doentes como profissional.

Como pessoa que anda metida nisto, tenho que arranjar um compromisso. Nunca podemos mentir aos doentes: temos é que se perceber muito bem como é que se diz a verdade.

A experiência que eu tenho, através de colegas com quem falo diz que quando um médico conhece o doente e vice-versa, o doente advinha pela expressão facial do médico, pela tristeza, que ele não tem boas notícias. Ora, se o médico demonstrar respeito, ternura, o doente sente-se mais à vontade para fazer algumas perguntas que são cruciais. E o próprio doente descobre a verdade. Tem que se ser muito cuidadoso…

Há outra coisa que é muito importante: é uma burrice dizer a uma pessoa que tem um tempo limitado de vida. O que se pode dizer é que: "Com a doença que o senhor tem, nesse estadio, pode durar muito, mas pode durar pouco. Se tem algum problema a resolver, resolva..."

Outra coisa que é preciso dizer aos doentes, é que, hoje em dia, há respostas terapêuticas inesperadas. Não vou dizer que o vou curar. Não vou mentir-lhe!... mas dizer-lhe que, se fizer a terapia indicada, há casos que têm muito boa resposta. Há que introduzir no doente alguma esperança, que não seja mentirosa, mas que seja reconfortante.

um dia ideal é «chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana»...

Com uma forte ligação à família, que considera o seu porto de abrigo, para Sobrinho Simões, um dia ideal é «chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana»...

Pessoas revista: Professor, tem hobbies?

Sobrinho Simões: Se tiver de identificar a minha obsessão maior, é o ler, porque foi o que perdi em relação à vida que levo. Para a lém disso, gosto de desportos colectivos e de andar junto do mar e da serra.

Por outro lado, como um terço dos meus fins-de-semana não são passados em Portugal, quando estou cá, vou para Arouca e para Vila Praia de Âncora, e aí ando de bicicleta. Também gosto muito de viajar e voltar aos sítios onde já estive.

Prev: ...e que temas gosta de ler?

SS: Gosto de ler tudo, com o disse, é de longe, a minha actividade favorita. Também sou um leitor obsessivo de jornais. Gosto de informação através do suporte físico.

Prev: Como é, para si, um dia ideal?

SS: Levantar-me com tempo para tomar o pequeno-almoço e ler os jornais. Num dia ideal, consigo ter tempo para ir almoçar com amigos ou a casa da minha mãe e poder "escapar", chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana. Ler e ver um filme, também faz parte de um dia ideal.

Prev: Que papel tem a família na sua vida?

SS: Venho de uma família numerosa. Fui educado de uma forma patriarcal e matriarcal. Só aguento a vida que levo porque tenho uma família que me dá todo o apoio. A família é a única coisa que me liga de forma segura ao Mundo, é a grande instituição onde tenho a minha âncora.

Prev: Tem uma palavra para se definir?...

SS: "Professor"! ...porque é aquilo que gosto de ser, de ensinar e aprender.

Prev: Tem um lema para a vida?

SS: Trabalhar! Tiro muito prazer do trabalho. No limite, penso que ganhávamos em passar para as novas gerações que, seja qual for a evolução do mundo, há uma coisa segura: não conseguimos nada sem trabalho.

José Rodrigues: «as pessoas quando são velhas têm muitas histórias»

Foi nos jardins do convento de S. Paio, nas terras de Cerveira que a Pessoas revista encontrou o Mestre José Rodrigues a meditar entre as suas esculturas, que abençoadas pela aura franciscana se transformaram em seres íntimos e divinos. Debruçadas sobre a ilha dos amores e protegidas pelos montes que as cercam, as estátuas trocam com os visitantes deste convento-atelier-museu olhares de silêncio e cumplicidade.

Encontramos no convento a sua colecção de desenhos reunidos numa galeria onde estão expostos exemplares de Vieira da Silva, Augusto Gomes, Poussin, Dordio, Almada Negreiros, Soares dos Reis, entre muitos outros.

A capela barroca acolhe neste momento uma exposição ecuménica, que compreende deuses de várias culturas e séculos. Além destes espaços, existe também uma exposição de barros, à qual este escultor que diz ter mãos, de lavrado, porque são toscas… atribuiu o título de "Modelação".

Por: Rita Homem de Mello

Pessoas revista – Mestre, como caracteriza o seu percurso artístico?
José Rodrigues – Fiz Medalhística, Teatro, muitos desenhos para livros… A Medalha é uma prateleira que tenho mais na minha cabeça, no entanto, devo dizer que tive sorte porque desde muito cedo entrei para o Teatro.

Dediquei muito da minha vida ao Experimental, à Cooperativa Árvore, a Cerveira e Trás-os-Montes. Tenho sido uma espécie de cigano andante...! Onde chego tenho uma tese para semear! Às vezes nascem coisas bonitas, outras vezes… Nem sempre tudo corre bem, sobretudo quando se fazem propostas fora do tempo. E eu fiz uma proposta fora do tempo, em Cerveira, quando avancei com a Escola Superior de Arquitectura.

Ninguém acreditava, achavam que era contra natureza fazer uma Escola Superior aqui. Eu disse ao Ministro Valente de Oliveira que era aqui que eu queria fazer a Escola. Achava que era aqui havia condições.

Não era um capricho meu, porque aqui bem perto descia a Galiza e, antigamente, a Galiza não tinha nada...

Prev – Mas foi um dos fundadores da Cooperativa Árvore... Hoje, como descreve a situação do ensino das artes em Portugal?

JR – Sim, criei, no Porto, a primeira Cooperativa de Ensino do país - a Árvore 3 - porque existe também a Escola de Artes e Ofícios, em Cerveira e no Porto, e há a Árvore - Casa Mãe, que deu origem a tudo isto. Hoje, já são outros directores.

Neste momento, a Árvore – Casa Mãe, atravessa um período muito grave. Grave, mas não mete medo... As pessoas quando são velhas têm muitas histórias. Boas e más.

Eu tive uma história logo ao 25 de Abril e essa sim foi terrível. Foi quando puseram a grande bomba nos edifícios culturais e a minha casa recebeu a maior bomba do país, tivemos essa honra… Destruiu a casa completamente, mas ao mesmo tempo, o Porto respondeu com muita afectividade. As pessoas diziam-me «coragem Zé, coragem!» e, de repente, houve uma solidariedade que eu não sabia que existia.

Não sabia que nós éramos tão conhecidos e amados pelo Porto! Foi um momento lindo e, em pouco tempo, a Árvore estava-se a pôr de pé. Os subsídios vinham de todo o lado.

Hoje, a crise é outra. Uma crise tem a ver com tudo, porque nada é isolado. E esta é uma crise económica... A Árvore tem-se tentado adaptar aos tempos, mas nós ainda não nos conseguimos adaptar ao tempo que está a acontecer neste momento. Há grandes modificações, as vendas são outras, os públicos a atingir também…

As grandes superfícies dão cabo dos pequenos mercados. Vendíamos muita pintura. Hoje, a pintura não se vende. No meio de tudo isto temos de descobrir novos produtos, o múltiplo, coisas mais pequenas… temos de inventar!

Prev – De tantos, qual é o material com que prefere trabalhar?

JR – Eu trabalho com tudo. Não tenho preferência. Tudo é nobre, desde o barro do homem da caverna, ao metal mais precioso! Não tenho preconceitos contra nada. Cada material tem as suas características. Em bronze faço determinadas coisas que não posso fazer em madeira, em madeira faço outras que não posso fazer em gesso, em gesso faço o que não posso fazer em areia...! Enfim, exploro conforme os materiais. Não há materiais novos. O Homem quer obra!

Prev – E gosta muito de enquadrar as suas obras com jogos de água...

JR – A água, o fogo, são coisas muito antigas. A água nasceu connosco, no ventre da mãe e é elemento de grande importância. É, ao mesmo tempo, o sítio onde tudo se vai depositar. As minhas emoções, as minhas experiências, as minhas frustrações vão para um grande poço onde se vai depositando o que é sujo e, passados uns anos, a água acaba por sair cristalina.
Para mim, a água é o cristalino. Ajuda a revelar-se. Às vezes utilizo a água e também uma coisa que é irmã da água, o espelho, que me ajuda a revelar-me e a revelar outros.

Prev – Os temas mitológicos são muito fortes nas suas obras. Qual a razão deste fascínio?

JR – Como bom transmontano que sou (porque sou meio transmontano, meio africano), a mitologia faz parte de mim. Eu sou um contador de histórias e conto-as desenhando, modelando, fazendo teatro.

Estou sempre a contar histórias...! Os transmontanos gostam muito de falar... a oralidade é o principal meio que escolheram para comunicar e como também sou judaico-cristão, desde sempre fui muito marcado pela Igreja. Desde pequenino fui educado a rezar o terço com as minhas tias, por isso, todo esse caminhar foi importante para mim.

Prev – Considera que ainda há lugar para os jovens talentos, em Portugal?

JR – Há muito espaço para os jovens. Não quero ser paternalista, mas os jovens têm de dar a mão ao passado e caminhar em frente!

Prev – Continua ligado à Bienal de Cerveira?

JR – Eu pertenço à Bienal. Eu fico sempre ligado às coisas que faço.

Júlio Resende: «as cores, às vezes, não têm nome»

Eram 10.00h da manhã quando chegámos ao Lugar do Desenho. Tínhamos ido ao encontro do Mestre Júlio Resende. O espaço é inigualável, as flores tranquilizam o ar e as paredes são nuas, para que as cores dos jardins se destaquem e a imaginação não se prenda. Entretanto chegou. Só a sua figura sente o peso das quase nove décadas de vida porque a sua mente tem o tamanho do Mundo sobre todas as formas e expressões pois…

Por: Rita Homem de Mello

Prev- Antigamente, os artistas mantinham fortes laços de cumplicidades, que, hoje, são invisíveis. De que forma viveu essa época?

JR- Era um tempo em que não havia regras, mas conceitos e não havia quem contrariasse os nossos, no campo das artes. Havia escritores que teriam um lado mais filosófico, contudo a Pintura estava mais cingida à realidade… não estávamos muito avançados.

Antes, eu via o mundo de outra maneira. Eu vinha de um meio cultural que derivava de um romantismo, que ainda se mantinha. Então, pensava que a Pintura seria o resultado do mundo exterior e que seria vista a partir do sensível de cada um… A Pintura era o resultado de um estado sensível e não de um estado espiritual…

Prev- Fale-nos um pouco da sua relação com Pedro Homem de Mello e Eugénio de Andrade.

JR- O Pedro e eu tínhamos uma diferença de idades e ele era um homem das letras enquanto eu, das plásticas. Eu era muito jovem quando tive um programa de rádio com os meus irmãos e para o qual resolvemos convidá-lo. Ele, com a sua magnífica voz e com um timbre que reflectia uma sensibilidade extraordinária, era o homem que via a poesia nos gestos das pessoas. Via o mundo com outra perspectiva. Convidámo-lo para porque nos interessava a sua poesia pura... há muitas maneiras de ver a poesia.

Quanto ao Eugénio, ele era possuidor de uma coisa muito dele. O Pedro e o Eugénio eram pessoas muito diferentes, com feitios muito distintos. Dei-me com os dois, mas nunca foi em simultâneo. Primeiro, privei com o seu avô, ele era professor, também como eu, e tínhamos espaços semelhantes.

Prev- Como descreve este afastamento entre os artistas de hoje...?

JR- Estamos a atravessar um momento em que o afastamento não é como alguém que limpa um espaço e varre tudo. Amanhã, a História vai ser vista de modo diferente. Há factos que vão ser procurados e a História vai saber como é.

Nos anos 30/40 ninguém falava de Arte Contemporânea. Claro que havia Arte, mas não tinha nome! Hoje, ninguém se apercebe porque ninguém toma atenção. O artista tem a preocupação (que não é lícita), de mostrar que está tudo mal. Mas, amanhã, vamos ver que a Arte são duas coisas em simultâneo: é a perspectiva de um futuro e é o não acabar com a harmonia, porque Arte sem harmonia não interessa ao Homem.

A Arte é algo vital, que resulta de um embate de ideias. É a perspectiva de algo que não se sabe o que é… A obra sai do coração e, só depois, a razão a encontra e lhe dá justificação.

Prev- Ensinou décadas na Faculdade de Belas Artes do Porto. De facto, a Arte ensina-se?

JR- Dava aulas de Desenho Geométrico e de Desenho à Vista... não era muito desligado do que queria ser, porém, nunca na minha vida quis dar conceitos irrecusáveis.

Penso que a cabeça é para reflectir. Eu prefiro duvidar. Disse no Ministério da Educação que a Arte não se pode ensinar, o que foi um escândalo! Não se pode ensinar porque não se domina por conceitos, senão todos pintavam de igual modo. A Pintura é uma pessoa a andar, a respirar…tal como a Poesia.

Prev- O que é, para si, o Lugar do Desenho?

JR- Lugar do Desenho é o resultado de um plano que tive toda a vida. Um plano a pensar numa finalidade comum. O Lugar do Desenho é um lugar simples de paredes nuas e com um jardim bem tratado. Eu gosto muito das flores e acredito que o Mundo se pode apreciar num palmo de terra…

Quis, com este lugar, abrir perspectivas para que as pessoas sintam, dentro de si, a Arte. Aqui não há visitas guiadas, mas acompanhadas. As pessoas têm que perceber por si e é no diálogo que se entendem. Isto não é para fazer artistas: é para evitar que uns entendam e outros não percebam nada. Pôr as pessoas a ver para lá do olhar, porque o olhar é diferente do ver.

Prev- A sua obra pode ser dividida em fases?

JR- Catalogar é só para arrumar as coisas nas suas gavetas. O público não tem nada a ver com o que vi em Goa ou no Brasil! Para o artista, o que é importante é sentir que o seu trabalho foi altamente solicitado, por questões novas.

A Pintura é uma estrutura que compreende cores, gestos e valores. O quadro é sempre uma arquitectura. Se o pintor vai ao Brasil, vê como se está a sentir e quando vai desenhar, o resultado desse sentir é diferente da visão que tem da Europa. Para mim, a Europa tem regras muito rígidas. Quando cheguei à América do Sul vi que as regras não fazem sentido e que os espaços são natureza geo-humana que determina o modo do pintor estruturar o seu quadro.

Prev- Tem uma cor preferida?

JR- Não gosto de nenhuma cor ou gosto de todas...! Pode haver um quadro de uma só cor ou de todas! As cores não se podem medir porque, às vezes, não têm nome…

Editora de Arte e de Sonhos

Ricardo e Adriana iniciaram há cinco anos um sonho: em Vila Nova de Gaia, deram os primeiros passos na criação da Corpos editora, à qual eles chamam

Por: Rita Homem de Mello

Completou cinco anos em Maio de 2005 e já lançou cerca de 150 artistas. Ricardo de Pinho Teixeira e Adriana Pereira são a alma desta editora que apela à renovação, ao livro aberto para todos.

A postura vanguardista da Corpos respeita o clássico, mas acredita que a Cultura pode ser desmistificada para chegar ao maior número de pessoas. A criatividade e o espectáculo são, para este casal, a maneira ideal de fazer com que a poesia alargue o seu horizonte de leitores.
É por acreditarem que conseguem encorajar mais pessoas a entrar no êxtase da leitura, que Ricardo e Adriana se esforçam por libertar o livro, aliando-o outras expressões artísticas à sua apresentação: «Queremos mostrar diversas vertentes ao mesmo tempo», diz Adriana com a intenção de conquistar um público que, à partida, seria difícil.

Na sua essência, a Corpos quer mostrar que a Arte é acessível para todos e «se a desmistificarmos podemos acabar com o feudalismo intelectual que ainda vigora no nosso país», comenta Ricardo com certa revolta.

A provar esse pensamento estão os "maços de poemas" concebidos pela Corpos. «A ideia é transformar objectos vulgares, como maço de cigarros ou tubos de ensaio, em palavras mágicas que alimentam o vício dos mais curiosos», explicam enquanto apresentam as suas inovações.
«Ousadia e determinação, inspiração e transpiração» são armas que Ricardo e Adriana afirmam na luta do universo livreiro. Isto porque «é difícil introduzir um novo autor num país onde não se lê», mas a Corpos acredita e, por isso, preferem a qualidade à quantidade.

Até hoje já tiraram da sombra 150 corpos literários que até há cinco anos eram desconhecidos das estantes de muitas livrarias e estavam longe da animação das noites literárias do Púcaros, Pinguim, Guarani e outros.

Até ao livro sair, tudo fica a cargo da editora, a primeira edição, a estética da apresentação, a parte gráfica e a distribuição que é selectiva porque nem todas as livrarias aceitam apostar em novos talentos. O preço dos livros é acessível, andando à volta dos quinze euros cada.

Os lançamentos são feitos, geralmente, na noite citadina. Ricardo e Adriana são da opinião que a noite se adequa melhor ao espírito da Corpos. «Queremos surpreender, invadir, mostrar algo diferente a pessoas que nunca entram numa livraria...», o que os faz preferir os espaços onde se possa tomar um copo e ao, mesmo tempo, desfrutar de sons e gestos poéticos».

«O lançamento tem que ser o rosto do autor e é importante fazermos com que o artista acredite em si próprio!», afirma Adriana. O facto de ser uma editora pequena, facilita a parte humana e sensível que se estabelece na relação entre a Corpos e o seu público-autor.

Na Corpos encontramos desde a prosa à poesia; dos contos às histórias infantis; da fotografia, à pintura e também diferentes idades e perfis de autores.

«Já editámos pessoas com convicções mais comuns até professores catedráticos… Há várias formas de ilustrar a literatura, de a declamar, encenar, até porque é nos lançamentos que os artistas se dão a conhecer ao público e, por isso, é importante marcar a diferença» esclarem os editores.

Ricardo frisa a ideia de que, hoje em dia, tudo está ligado ao Marketing e à Publicidade e, por isso, para a Corpos, a ideia de inovar é um conceito fundamental «até para o Estado que obriga a editora a oferecer onze exemplares por edição enquanto que, por exemplo nos Estados Unidos, o Estado é obrigado a comprar 15 por edição! …Talvez se se começasse por aqui, muitos dos problemas nacionais acabariam, particularmente o da subsídio-dependência…»

Voluntariado: altruísmo em tempo livre

São jovens, estudam, trabalham, têm inúmeros projectos por realizar, mas o voluntariado tem sempre lugar nas suas vidas.

Por: Fátima Pereira

Todos os anos, em Janeiro, as portas do Instituto Português de Oncologia (IPO), do Porto abrem-se para novos voluntários. Maria Helena Quinta, directora deste serviço, acolhe estes jovens e ajuda-os a integrarem-se num dos dezasseis serviços que a Liga Portuguesa Contra o Cancro tem. «Fazemos uma formação geral por ano. Depois, os responsáveis de cada serviço levam os voluntários e ensinam-lhes o modo como se fala com um doente», explica Maria Helena.

O serviço preferido é o de Pediatria. «No último curso, vinte dos cinquenta voluntários foram para Pediatria e os outros departamentos ficaram com pouca gente», desabafa a directora do voluntariado.

Voluntariado forçado

A palavra ‘voluntariado’ torna-se cada vez mais comum graças à Internet ou, mesmo, pela indicação de um amigo, mas existem outros motivos.

«Há muitos universitários interessados e, até, jovens recém-formados. Aqui, aparece gente de todas as áreas...», refere Maria Quinta mas, tal como refere a enfermeira Sónia Castro: «há cada vez mais a ideia de que fazer voluntariado é enriquecedor, em termos de curriculum. Existem empresas que valorizam este aspecto, ao contratarem alguém. Só que corremos o risco das pessoas só o colocarem no curriculum e, depois, não exercerem».

O voluntariado nem sempre é feito por iniciativa própria, mas o caso agrava-se quando o voluntário passa a ser o próprio paciente. «Infelizmente, há algumas pessoas que vêm para aqui porque os psiquiatras o sugerem! ...Eles acham que os pacientes estão cá para ocupar o tempo dos voluntários, mas as pessoas que tem depressão não devem ser voluntárias, enquanto não estiverem curadas», explica Sónia.

Momentos bons e momentos maus

O dia-a-dia de um voluntário nem sempre é fácil, mas a convicção geral é de que os momentos difíceis nunca são motivo para desistir. Sónia Castro explica que «por exemplo, quando se perde um paciente implica, por vezes, mudar de serviço ou mesmo afastar-se, mas nada mais...»
Joana Fernandes, uma das voluntárias, corrobora: «todos tendem a pensar que, perante certos casos, o mais natural seria desanimar, mas pelo contrário: toda esta experiência ajuda a relativizar aquilo que a vida tem de menos bom».

Mariana Dias, de 24 anos, faz parte do grupo dos que sempre fizeram um esforço para conciliar a sua vida pessoal com o voluntariado: «quando estamos mais absorvidos pelos nossos assuntos pessoais, mais sentimos que aquelas horas de voluntariado são um desperdício, mas não há nada melhor do que dedicar um pouco dos nosso tempo aos outros. A ideia de desistir não dura mais de alguns segundos...!»

Voluntariado como vocação

O voluntariado, para alguns jovens, chega a ser algo que ultrapassa a boa-vontade e ruma para outro plano superior, o da vocação.

Um jovem voluntário explica-nos que ser voluntário não se limita a actuar dentro de quatro paredes: «é imensurável a quantidade de coisas que podemos fazer pelos outros, e o significado que podem ter na vida das pessoas que ajudamos. Não é necessário ser voluntário numa instituição, basta no nosso dia-a-dia estarmos disponíveis para os outros e não entrarmos na rotina egoísta de pensarmos só no que nos convém».

Aprender português

Portugal foi, durante séculos, um país de emigrantes que se espalharam um pouco por todo o mundo. Contudo, no início deste novo milénio, verificamos que somos também um país de imigrantes que representam, actualmente, cerca de 5% da população portuguesa. Razões de natureza económica estão na base deste fenómeno.

Por: Maria de Fátima Assunção

A AMI é organização não governamental, sem fins lucrativos, desenvolve um trabalho humanitário que tem como principal objectivo lutar contra a pobreza e a exclusão social, intervindo em situações de crise e emergência. O ensino do português integra-se nesta preocupação.

Cristina Andrade (coordenadora do projecto ‘Porta Amiga’), tem dedicado os últimos anos da sua vida ao que, inicialmente, visava ajudar os sem abrigo. Porém, no dias de hoje, tem um papel mais abrangente: «neste momento, a população alvo é os "sem": sem documentação, sem amigos, sem saúde» diz-nos, com naturalidade.

As dificuldades

A frágil situação económica vivida nos países de origem da maior parte dos que emigram, leva-os a procurar melhores condições de vida noutras paragens. A barreira da língua, o desconhecimento da cultura e dos hábitos, dificulta a integração. A maior parte não encontra trabalho na sua área de formação. Mão-de-obra não qualificada e trabalhos de limpeza, são, na melhor das hipóteses, as actividades que lhes permitem sobreviver.

Jurista na sua terra natal, Vitória, 23 anos, russa, há dois anos no nosso país, veio até Portugal para se encontrar com a mãe que já cá vivia. Tem olhos azuis, transparentes, que nos olham de frente, sem medo.

A televisão, como complemento das aulas, tem ajudado na aprendizagem da nossa língua. Encontrou trabalhos esporádicos em fábricas, mas deseja regressar à Rússia no próximo Verão: «Tenho saudades do resto da família e quero continuar a estudar. Portugal é um país muito bonito mas quero ir embora» afirma sorridente.

Há experiências de vida nestes percursos migratórios bem sucedidas, outras nem tanto, como é o caso de Igor, ucraniano, 34 anos, motorista de pesados, há cinco anos a viver em Portugal. Trabalhou na construção civil, mas está desempregado. Vive do que recebe do Fundo de Desemprego. «Neste momento, não consigo trabalho. Gostava de voltar a ser motorista… mas é difícil» No entanto, em Igor nota-se a tristeza de quem saiu do seu país «para tentar uma vida melhor», desabafa num fôlego.

Chegou há três anos a Portugal através do Circo Cardinalli. Originário da Mongólia, Buren, 31 anos, decidiu deixar o seu pequeno comércio para emigrar. Contudo, o destino pregou-lhe uma dolorosa partida: enquanto trabalhava, adoeceu repentinamente e o diagnóstico foi ‘Insuficiência Renal’. Esta doença leva-o a fazer hemodiálise três vezes por semana, o que o impossibilita de executar trabalhos pesados. «Tenho que fazer trabalhos levezinhos» diz. Gosta do nosso país, onde sempre se sentiu aceite, dando preferência aos nortenhos: «são mais simpáticos do que os do Sul».

A Língua Portuguesa

Os poucos exemplos acima descritos acabam por representar muitas vozes que, em comum, têm a vontade de aprender a nossa língua. Fazem-no com mais ou menos dificuldade, mas com muito empenho. A socialização também se faz através da Escola, que desempenha um papel insubstituível na integração destas pessoas.

Foi com o fado de Amália, "Povo que lavas no rio" que Ana Luísa Cardoso, docente de Português em regime de voluntariado, iniciou a sua aula: «Considero-nos mais como um grupo de amigos. Os temas que escolho não são só a língua, mas, principalmente, a cultura portuguesa» adiantou-nos. Sente-se entre alunos e docente laços de amizade e solidariedade: «Aprendo mais com eles do que eles comigo», acrescentou.

Razões do coração

A Escola Secundária Garcia da Orta também tem um papel relevante no ensino do português para imigrantes. A coordenadora deste projecto é Joana Vasconcellos, que, entre as múltiplas actividades desempenhadas ao longo da vida, destaca as funções que exerceu como Leitora de Português do Instituto Camões durante quinze anos, um pouco por todo o mundo. Tailândia, Irlanda, Bélgica, foram países que lhe deixaram gratas recordações e lhe proporcionaram uma experiência de vida, enriquecendo-a humana e intelectualmente.

Daí a vontade de proporcionar aos imigrantes a possibilidade de aprenderem português: «Um dos grandes problemas que eles têm é o desconhecimento da nossa língua e o processo burocrático que têm de seguir até à legalização».

Mas, se uma grande parte dos imigrantes chega ao nosso país por motivos económicos – basta lembrarmo-nos que a Europa tem dezoito milhões de desempregados – outros há que, nos sentimentos, encontraram motivos para deixar tudo e encetarem a grande viagem.

É o caso de Patrícia, 32 anos, dois filhos, contabilista, originária de Guadalupe, ilha de águas quentes do Mar das Caraíbas. Conheceu o namorado em Guadalupe e, quando ele decidiu voltar para casa, decidiu seguir o coração. Porém, o frio, a língua e os costumes aos quais não se habituou, fazem-na querer regressar: «Não quero ficar, quero voltar. A família está longe. Se ganhar a lotaria, vou-me embora…» diz, com uma sonora gargalhada.

Também Imelda, espanhola da Andaluzia, Gestora de Conta, 35 anos e casada com um portuense há seis meses, veio para o nosso país para seguir o seu marido. Sente-se bem e integrada, embora note diferenças nestes dois povos vizinhos: «Sinto-me bem cá. Acho os portugueses muito agradáveis mas muito fechados. Parecem-se com os catalães», referiu-nos.

Geocaching

Nas serras do Alvão e do Marão escondem-se, em buracos cobertos por pedras e giestas, pequenos tesouros cobiçados mundialmente. Como qualquer tesouro que se preze, estes são alvo de lendas e histórias fantásticas daqueles que, munidos da mais alta tecnologia, se aventuraram por caminhos pouco frequentados para adicionar o seu nome à lista dos mais corajosos. Aliás, para os mais curiosos e potenciais caçadores de tesouros, a informação acerca da sua exacta localização e as histórias dos que os procuram estão disponíveis na Internet.

Por: Paulo Teixeira

Uma actividade relativamente moderna que desafia uma classificação tipológica - o Geocaching - está a espalhar-se rapidamente pelo mundo e é possível graças às capacidades do Global Positioning System (GPS).

O seu objectivo geral é o de localizar o que se denomina uma cache, escondida das mais diversas maneiras, no mais diferentes lugares e praticamente por todo o mundo.

A actividade gira em torno de um website central, aonde se disponibiliza toda a informação necessária para poder participar. Embora existam vários sitios na Internet que oferecem esta funcionalidade, é em www.geocaching.com que se encontra a mais vasta cobertura de todos os aspectos da modalidade.

Através de um registo grátis, o novo membro tem acesso à informação pertinente e pode começar, imediatamente, a pesquisar e a planear a sua visita aos vários locais.

Como funciona então o Geocaching?

As caches não são mais do que pequenos contentores herméticos de plástico, do estilo tupperware, muito comum nas cozinhas. No seu interior encontram-se, em regra, uma caneta ou lápis, acompanhados de um pequeno livro de visitas e de um "tesouro" constituido desde pequenos brinquedos, caixas de fósforos, moedas estrangeiras, selos, entre tantas outras coisas.

A sua localização não segue regras específicas, mas todas se baseiam no princípio geral de não serem facilmente encontradas pelo público em geral. Cabe à imaginação de quem as coloca determinar o grau de dificuldade de localização, tanto em termos de trabalho intelectual como físico, sendo para isso muito importante a selecção dos locais.

Cuidadosamente escolhidos de duma vasta gama de ambientes, podem variar desde meio de grandes cidades até aos locais mais remotos do planeta. Em Portugal, os exemplos vão desde o topo de serras, como a do Marão, até ao recinto duma bem conhecida maternidade em Lisboa.

Depois de instalada, a cache é anunciada no site. A informação sobre a sua localização é disponibilizada sob a forma de coordenadas geográficas e de informação adicional, se necessário. É aqui que entra o elemento essencial à actividade: o terminal de GPS. Uma função comum a praticamente todos os terminais de GPS é o de aceitar coordenadas inseridas pela utilizador, denominada waypoints.

A partir destes, o GPS determina a distancia até ao local e a orientação que o utilizador deve seguir. O mostrador pode, inclusivamente e nos modelos mais avançados, mostrar a localização da cache num mapa, completo com informações adicionais, tais como acidentes geográficos.

Contudo, basta uma unidade simples que indique a direcção a tomar, pois uma vez no local, o geocacher terá que usar uma mistura de esforço intelectual e um pouco de sorte para encontrar a cache, algo que nenhum mapa, por mais avançado que seja, pode fazer.Uma vez encontrada a cache, o geocacher anota no livro de registos a data da sua visita e redige uma pequena mensagem.

A prática mais comum em relação ao "tesouro" é a de retirar algo e adicionar outro objecto, contudo não há regras específicas a seguir, para além da prática das da cortesia comum. O mesmo se pode dizer em termos do tipo de objecto, embora seja necessário considerar que a grande maioria das caches são relativamente pequenas. O livro de visitas pode conter informação adicional, muitas vezes sobre particularidades do local onde se encontra.

Porque praticar geocaching?

Ricardo Ribeiro, um webdesigner residente no Algarve, é um do geocachers mais activos em Portugal. Para além de estar em busca quase permanente das cerca de 590 caches estimadas em território nacional, é também o dono de cinco delas.

Para ele «o sucesso do geocaching está na diversidade, pois pode ser praticado tanto pela família como pelo lobo solitário; pode envolver grandes caminhadas e esforço físico... ou praticamente nenhum destes».

O Geocaching é uma actividade que, como dito, desafia a sua classificação, particularmente se é um desporto ou não. Nelson Cortes, geocacher e professor do ensino secundário de Educação Física, em Almada, sublinha que «um desporto envolve actividade regulamentada e competição» enquanto que Ricardo Ribeiro nota que «o xadrez é desporto, mas não é actividade física desportiva», o que demonstra o quanto fugaz é o Geocaching em caber em moldes de classificação tradicionais.

A diversidade que o Geocachig oferece reflecte-se bastante na motivação dos participantes que podem escolher uma razão ou várias para praticar esta actividade. Entre estas contam-se o exercício físico, o desafio da caça e da perseguição e «o roteiro turístico, através do qual se conhecem novos pontos de interesse», este ultimo o motivo de força para Ricardo Ribeiro. «E depois há os que curtem imenso criar caches... é quase o seu principal objectivo», afirma o webdesigner.

Muitas caches instaladas mundialmente estão localizadas em montanhas, florestas e zonas rurais, o que acaba por atrair praticantes com uma veia ambientalista. Algumas das caches instaladas em parques nacionais dos Estados Unidos são disponibilizadas pelas próprias agências federais, que reconhecem na cache um enorme potencial: o de sensibilizar os visitantes pelo respeito à natureza. Por seu lado, o sitio geocaching.com promove, em parceria com vários patrocinadores, o que chama de "Cache In – Trash Out (CITO) days", em que se pede aos geocachers que recolham, em sacos de plástico, o lixo encontrado à volta das caches e que o removam do local.

Assim, e embora seja intricado categorizar como actividade o Geocaching, «é possível reconhecer que se reflecte nela um modo tecno-optimista de estar no mundo» refere Ricardo Ribeiro, que continua: «o cidadão digital põe o computador e o GPS ao serviço não só da busca de prazer, mas ao ponto de reformular conceitos, como o de ‘Turismo’, ‘Ambientalismo’ e de ‘Desporto’».

O táxi digital


Por: José Serra

O sector dos táxis está a evoluir. É José Monteiro, vice-presidente da Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL). «A electrónica e as comunicações evoluíram bastante e o sector está a adaptar-se» – descreve José Monteiro – «neste momento nos táxis e dos táxis é possível fazer e saber tudo!»

No entanto, esta afirmação não se adapta a todo o país. Enquanto que, em Lisboa, a Câmara disponibilizou à ANTRAL apoio financeiro que permitiu às viaturas estarem equipadas com o Geographical Positioning System (GPS), no Porto isso já não acontece. «Estamos a falar de um presidente economista e os economistas o que mais sabem é guardar dinheiro», ironiza o vice-presidente.

A ANTRAL desenvolveu tecnologicamente uma central de segurança de âmbito nacional, que liga as comunicações dos táxis, revela José Monteiro. A sua perspectiva aponta para que se deva «aproveitar os meios que são postos ao dispor da segurança, potenciá-los, nomeadamente no intuito da distribuição de serviços e do pagamento por cartão electrónico».

No banco de passageiros do táxi de Jorge Oliveira, ouvimos este motorista de profissão vaticinar que o multibanco vem de encontro ao modo de vida actual. E acrescenta ainda outra razão para este sistema de pagamento: «assim, andamos com menos dinheiro no carro e já não há um chamariz para o ladrão. Normalmente quem nos assalta são pessoas que precisam de dinheiro rápido», diz.

José Monteiro, ele próprio um antigo motorista de táxi, afirma que o GPS tem de ser complementado com uma outra medida de segurança. «É necessária a vídeo vigilância dentro dos táxis. Todos os clientes têm de ser fotografados». Diz que, desta forma, se previne a impunidade de casos como o dos «taxistas assassinados há uns anos, que foram o motivo por que Santana Lopes, enquanto presidente da Câmara de Lisboa, prometeu dar GPS a todos os táxis», lembra Monteiro.

«Hoje, em Espanha, o sistema digital é banal» desabafa José Monteiro. O vice-presidente da ANTRAL descreve, na primeira pessoa, o que é uma viagem num táxi digital espanhol: «viajei com um táxi em Barcelona, que tinha o Sistema de Navegação por Satélite (SNS). Esse sistema - explica Monteiro – regista informação das entradas e saídas dos táxis, bem como os locais onde aconteceram».

E continua, com um indisfarçável ciúme: «o cliente entra, o taxímetro é accionado, o SNS detecta quando o táxi começa a andar e, quando passa a situação de pagamento, emite automaticamente o valor da viagem. Por isso não é preciso recibo, ao contrário de cá». O membro da ANTRAL revela também que «quando o táxi chega à porta do cliente, existe um telefonema automático enviado pela central dos táxis, que avisa, a mando do taxista, a chegada do táxi».

Segundo José Monteiro, estes serviços já são possíveis em Espanha por existirem apoios concretos: para além da ajuda dada para a implementação dos serviços digitais, Jorge Oliveira revela-nos outro exemplo vindo dos nossos vizinhos: «a Câmara de Madrid comparticipa 40% na gasolina do táxi reduzindo, deste modo, o preço das tarifas».

Já em Portugal, José lembra que as complicações económicas dificultam os subsídios a nível nacional. «Esses apoios fazem muita falta», conta-nos amargurado. A esta voz junta-se à de Jorge Oliveira que, revoltado, exclama: «o táxi devia ser um meio de transporte que, por parte da Câmara, devia ser mais reconhecido e tratado como útil!»

Além disso, o vice-presidente Monteiro revela algo um pouco caricato: «o governo publicou a lei 6/98 (há 8 anos atrás) em que se comprometia a comparticipar até 50% do valor do GPS e, até hoje, zero»! Deste modo, a alternativa consistiu em parcerias: «as autarquias substituíram-se ao governo, em conjunto com a ANTRAL, por exemplo, na constituição da Central de Segurança de Âmbito Nacional», explica Monteiro.

O vice-presidente da ANTRAL, desiludido, acrescenta ainda que «o próprio sector não tem rentabilidade para estes investimentos avultados, pois, para cada táxi, são necessários 5 mil euros para colocar o GPS e, só no Porto, existem 730 táxis», remata. O motorista Oliveira diz mesmo que «a segurança não existe porque é tudo à custa do dono do táxi».

Enquanto aguardamos que algum cliente entre para o banco de trás e interrompa a entrevista, o Jorge, para clarificar, descreve-nos o seu caso «se calhar vou estar hora e meia à espera de um serviço de três euros! Para manutenção, gasóleo… não há capacidade financeira para colocar um GPS», conclui.

«O táxi tem de estar em consonância com o poder de compra das pessoas» responde José Monteiro, quando confrontado com a questão da possível subida dos preços do serviço dos táxis, devido ao necessário retorno do investimento nos GPS.

«Num país em crise, não podemos disparar o preço das bandeiradas por aí acima, senão acabamos por perder!» continua o vice-presidente da ANTRAL. «O povo não teria dinheiro para pagar e os táxis, em vez de trabalharem a 30%, passariam a trabalhar a 10%».

Na opinião de José Monteiro, neste momento, os preços praticados nos táxis são muito baixos. «Não há comparação a nível europeu», revela. Monteiro considera isto «paradoxal», pois afirma que apesar de Portugal ter «o preço dos combustíveis e dos componentes dos carros igual ao da Europa - e o dos carros se calhar mais caro! - a hora de espera na Dinamarca é de 50 euros e em Portugal é 8 euros».