01 junho, 2006

Sobrinho Simões: «o que me dá mais prazer é o trabalho em que vou ensinando e aprendendo»

Tem um olhar calmo, sereno e a simplicidade dos grandes homens. Investigador, cientista, médico, académico, Sobrinho Simões, 57 anos, é, actualmente, uma das referências da Ciência e da Investigação que leva Portugal ao estrangeiro, onde também lecciona. Dirige, desde 1989, o IPATIMUP, instituição de excelência nos domínios da investigação científica.

Por: Maria de Fátima Assunção

Pessoas revista: Consegue destacar alguma das actividades que preenchem o seu vasto percurso académico/científico?

Sobrinho Simões: Consigo. Consigo distinguir como mais recompensadoras aquelas em que considero contribuir para que as pessoas aprendam alguma coisa, sejam médicos ou investigadores.

O que me dá mais prazer é o trabalho em que vou ensinando e aprendendo alguma coisa. Por outro lado, faço Medicina, diagnóstico de Cancro, todos os dias. Sou investigador. Agora, a actividade que me dá mais prestígio internacional é a função científica, sem dúvida.

Prev: Na sua essência, o que é o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto – IPATIMUP, quais as suas funções e objectivos, quais os seus sucessos efectivos?

SS: O IPATIMUP é uma Instituição que procurou juntar, professores universitários e investigadores de muitas faculdades. Tentou juntá-los tendo como objectivo estudar doenças humanas e, sobretudo, o Cancro.

Tínhamos gente que vinha das Faculdades e do mundo da Ciência, da Patologia Humana e da Genética. E fizemos uma Instituição que, na área do cancro da tiróide, do cancro do estômago, cancro da mama, está, na verdade, entre as melhores do Mundo. O que se prova não só pelas publicações. Fiz consulta para cancro da tiróide para dezanove países diferentes É assustador! Temos estes pequenos sucessos porque juntamos muita gente, de muitas faculdades.

A Fundação Luso-Americana pagou-nos, desde o primeiro ano, a vinda de avaliadores estrangeiros e concentramos as nossas sinergias em três ou quatro assuntos. Pela mentalidade portuguesa, teríamos não um, mas catorze pequenos IPATIMUPS e, no seu pequeno mundo cada um era o melhor de Portugal...!

Prev: Quais as consequências reais que o IPATIMUP tem para o Governo português, na perspectiva do investimento e da investigação, tendo em conta a sua projecção internacional?

SS: O Governo tem que consolidar Instituições. Não é dar dinheiro aos bocadinhos. Deve escolher as que lhe mereçam confiança e estabelecer com elas contratos-programa. No fundo, deve avaliar e recompensar. Tem de garantir as regras do jogo.

O Estado tem de introduzir no seu Orçamento Geral o financiamento-base das instituições e, depois, estimulá-las para que ganhem projectos europeus.Agora, não é criar mais função pública. É criar instituições sólidas, com um financiamento de base e, depois, trazer pessoas de fora para uma avaliação isenta.

Seria importantíssimo que o Governo também fizesse, no sistema universitário, o que tem feito no sistema científico: introduzir avaliação e prestação de contas. Deve introduzir-se isso, na Universidade.

Prev: Não considera, então, que o IPATIMUP tem sido subavaliado pelo Governo português...

SS: Não. Não temos nenhuma discriminação O que tem havido é algumas dificuldades nalgumas instituições do Centro e do Norte do país. Temos alguma dificuldade em competir com as instituições de Lisboa e Vale do Tejo que, geralmente, são protegidas.

Há, em Portugal, alguma tendência macrocéfala. Existem quinze laboratórios associados que estão espalhados pelo país, mas só três laboratórios de Estado foram criados na década de 50/ 60 e em Lisboa. Isto é um factor de assimetria assustador.

A capacidade de atrair miúdos para a investigação é muito diferente se se estiver numa região de laboratórios, ou não. No entanto, o meu laboratório tem sido muito bem tratado, dentro desta coisa de não ser lisboeta.

Prev: Que passos deveriam ser dados para fazer regressar a Portugal os investigadores que estão a desenvolver trabalho no estrangeiro?

SS: Criar as condições necessárias. Nós não pagamos mal: é uma questão de ambiente e massa critica e é, sobretudo, um problema institucional...

Não conseguimos criar em Portugal instituições sólidas, quer nas universidades quer nos institutos. Somos muito individualistas. Há um problema minifundiário.

Devíamos criar sinergias para podermos ser competitivos ao nível internacional. Somos competitivos nalgumas pequenas áreas de excelência, mas ganhamos poucos projectos europeus. Intelectualmente, não somos piores do que os outros competidores, o que não temos é nem organização, nem dimensão.

Prev: Tendo em conta a força que Portugal já esteve no Mundo, qual a sua opinião sobre o país de hoje, o que faltou e onde estaríamos?

SS: Hoje em dia, a globalização diminuiu muito a afirmação dos países. Portugal vai continuar a desempenhar o papel que conseguir, sobretudo, se alcançar a optimização das coisas em que somos bons e também as relações com o mundo que fala português e que é latino. Temos que privilegiar a nossa relação com o Brasil e com a África que fala português, até para resolver alguns dos nossos problemas de emprego...

Vamos ter, a curto prazo, um excesso de médicos e de técnicos. Um dos sítios onde devíamos ter uma colaboração muito eficiente e vontade mútua, era na área da Saúde, com o Brasil e com a África que fala português. A Medicina, as Ciências da Saúde, são instrumentos poderosíssimos de articulação entre os povos.

Prev: ...por questões de afinidade linguística!

SS: Não tenho dúvida nenhuma. Se for para os EUA, por exemplo, posso ter sucesso ou não: é um problema individual. Não posso articular uma estratégia com os EUA no domínio da investigação científica ou da Saúde, mas posso ter uma estratégia com o Estado brasileiro ou com um país africano!

Prev: A sua experiência profissional foi-lhe alterando ou enriquecendo a sua definição de Vida e de Morte?

SS: Foi, indiscutivelmente. Sobretudo, durante muito tempo, enriqueceu-me a ideia de Vida. A nossa investigação é, em vida, querer perceber a vida e como se organiza a vida. Com a morte do meu pai e com o nascimento da minha neta, do ponto de vista afectivo, estou muito mais atento ao problema da Morte, da minha morte.

Vamos vendo pessoas morrer, percebendo melhor os problemas do aumento da idade. Depois, há acontecimentos que são muito clarificadores: a morte dos pais (de qualquer um dos pais), é uma pancada. A morte de um irmão é outra, de grande violência, mas é exterior a nós... Percebi que ia morrer quando nasceu a minha neta.

Prev: Considera que o "modus vivendi" das sociedades ocidentais as torna mais vulneráveis às doenças do foro oncológico?

SS: Não, é só porque envelhecem. A não ser o tabaco que é, indiscutivelmente, um poderosíssimo causador de Cancro e os cancros de actividade profissional. Em termos de sociedades ocidentais, temos o tabaco e temos a velhice.

O cancro é uma doença da idade avançada e, por isso, vai continuar a aumentar, mas o número de pessoas que morrem desta doença está a diminuir. Há mais cancros, sobretudo porque, em Portugal, aumentou a esperança de vida o que fez aumentar a probabilidade de prevalência da doença e que é o que já está a acontecer nos países evoluídos.

Prev: E em Portugal há estatísticas fiáveis?

SS: Nós, em Portugal, não temos um registo de cancro nacional com dados actualizados: temos acesso aos dados das nossas Instituições. Por exemplo, eu sei o que se passa no Hospital de S. João. Porque é um grande hospital, posso usá-lo para comparar as tendências. Assim, sei que estamos a ter mais casos de cancro em todos os países do mundo ocidental, mas que não estamos a morrer mais dessa doença.

Prev: Vinte e seis anos após o seu pós-doutoramento, parece-lhe que as novas gerações podem ter esperança que o cancro poderá ter cura?

SS: Mais de metade dos cancros são, hoje, perfeitamente controláveis. A palavra Cancro, é uma palavra perigosa... No pulmão, estômago e pâncreas não estamos a lidar bem com ele. Por outro lado, no cólon, mama, próstata e intestino temos bons resultados.

As leucemias das crianças e os cancros da tiróide e do testículo curamos mais de noventa por cento. Este é um cancro muito frequente nos adultos jovens e está a aumentar, aparentemente, por causa da poluição das águas residuais, com todas as substâncias que parecem hormonas: os plásticos, os pesticidas, as pílulas femininas, etc.

Prev: É da opinião que não se deve esconder o estado do doente, como acontece, por exemplo nos EUA, ou considera preferível não dizer a uma pessoa que sofre desta doença, que não lhe resta muito tempo de vida?

SS: Isso é muito interessante. Nunca falei com um doente com cancro, enquanto seu médico. Sou contactado por um cirurgião, por um internista ou por um oncologista que me diz: "estude este caso e diga o que é que acha"...

A minha comunicação é com esse internista ou com esse cirurgião. Não tenho nenhuma experiência de comunicar aos doentes como profissional.

Como pessoa que anda metida nisto, tenho que arranjar um compromisso. Nunca podemos mentir aos doentes: temos é que se perceber muito bem como é que se diz a verdade.

A experiência que eu tenho, através de colegas com quem falo diz que quando um médico conhece o doente e vice-versa, o doente advinha pela expressão facial do médico, pela tristeza, que ele não tem boas notícias. Ora, se o médico demonstrar respeito, ternura, o doente sente-se mais à vontade para fazer algumas perguntas que são cruciais. E o próprio doente descobre a verdade. Tem que se ser muito cuidadoso…

Há outra coisa que é muito importante: é uma burrice dizer a uma pessoa que tem um tempo limitado de vida. O que se pode dizer é que: "Com a doença que o senhor tem, nesse estadio, pode durar muito, mas pode durar pouco. Se tem algum problema a resolver, resolva..."

Outra coisa que é preciso dizer aos doentes, é que, hoje em dia, há respostas terapêuticas inesperadas. Não vou dizer que o vou curar. Não vou mentir-lhe!... mas dizer-lhe que, se fizer a terapia indicada, há casos que têm muito boa resposta. Há que introduzir no doente alguma esperança, que não seja mentirosa, mas que seja reconfortante.

um dia ideal é «chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana»...

Com uma forte ligação à família, que considera o seu porto de abrigo, para Sobrinho Simões, um dia ideal é «chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana»...

Pessoas revista: Professor, tem hobbies?

Sobrinho Simões: Se tiver de identificar a minha obsessão maior, é o ler, porque foi o que perdi em relação à vida que levo. Para a lém disso, gosto de desportos colectivos e de andar junto do mar e da serra.

Por outro lado, como um terço dos meus fins-de-semana não são passados em Portugal, quando estou cá, vou para Arouca e para Vila Praia de Âncora, e aí ando de bicicleta. Também gosto muito de viajar e voltar aos sítios onde já estive.

Prev: ...e que temas gosta de ler?

SS: Gosto de ler tudo, com o disse, é de longe, a minha actividade favorita. Também sou um leitor obsessivo de jornais. Gosto de informação através do suporte físico.

Prev: Como é, para si, um dia ideal?

SS: Levantar-me com tempo para tomar o pequeno-almoço e ler os jornais. Num dia ideal, consigo ter tempo para ir almoçar com amigos ou a casa da minha mãe e poder "escapar", chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana. Ler e ver um filme, também faz parte de um dia ideal.

Prev: Que papel tem a família na sua vida?

SS: Venho de uma família numerosa. Fui educado de uma forma patriarcal e matriarcal. Só aguento a vida que levo porque tenho uma família que me dá todo o apoio. A família é a única coisa que me liga de forma segura ao Mundo, é a grande instituição onde tenho a minha âncora.

Prev: Tem uma palavra para se definir?...

SS: "Professor"! ...porque é aquilo que gosto de ser, de ensinar e aprender.

Prev: Tem um lema para a vida?

SS: Trabalhar! Tiro muito prazer do trabalho. No limite, penso que ganhávamos em passar para as novas gerações que, seja qual for a evolução do mundo, há uma coisa segura: não conseguimos nada sem trabalho.

Sem comentários: