01 junho, 2006

Aprender português

Portugal foi, durante séculos, um país de emigrantes que se espalharam um pouco por todo o mundo. Contudo, no início deste novo milénio, verificamos que somos também um país de imigrantes que representam, actualmente, cerca de 5% da população portuguesa. Razões de natureza económica estão na base deste fenómeno.

Por: Maria de Fátima Assunção

A AMI é organização não governamental, sem fins lucrativos, desenvolve um trabalho humanitário que tem como principal objectivo lutar contra a pobreza e a exclusão social, intervindo em situações de crise e emergência. O ensino do português integra-se nesta preocupação.

Cristina Andrade (coordenadora do projecto ‘Porta Amiga’), tem dedicado os últimos anos da sua vida ao que, inicialmente, visava ajudar os sem abrigo. Porém, no dias de hoje, tem um papel mais abrangente: «neste momento, a população alvo é os "sem": sem documentação, sem amigos, sem saúde» diz-nos, com naturalidade.

As dificuldades

A frágil situação económica vivida nos países de origem da maior parte dos que emigram, leva-os a procurar melhores condições de vida noutras paragens. A barreira da língua, o desconhecimento da cultura e dos hábitos, dificulta a integração. A maior parte não encontra trabalho na sua área de formação. Mão-de-obra não qualificada e trabalhos de limpeza, são, na melhor das hipóteses, as actividades que lhes permitem sobreviver.

Jurista na sua terra natal, Vitória, 23 anos, russa, há dois anos no nosso país, veio até Portugal para se encontrar com a mãe que já cá vivia. Tem olhos azuis, transparentes, que nos olham de frente, sem medo.

A televisão, como complemento das aulas, tem ajudado na aprendizagem da nossa língua. Encontrou trabalhos esporádicos em fábricas, mas deseja regressar à Rússia no próximo Verão: «Tenho saudades do resto da família e quero continuar a estudar. Portugal é um país muito bonito mas quero ir embora» afirma sorridente.

Há experiências de vida nestes percursos migratórios bem sucedidas, outras nem tanto, como é o caso de Igor, ucraniano, 34 anos, motorista de pesados, há cinco anos a viver em Portugal. Trabalhou na construção civil, mas está desempregado. Vive do que recebe do Fundo de Desemprego. «Neste momento, não consigo trabalho. Gostava de voltar a ser motorista… mas é difícil» No entanto, em Igor nota-se a tristeza de quem saiu do seu país «para tentar uma vida melhor», desabafa num fôlego.

Chegou há três anos a Portugal através do Circo Cardinalli. Originário da Mongólia, Buren, 31 anos, decidiu deixar o seu pequeno comércio para emigrar. Contudo, o destino pregou-lhe uma dolorosa partida: enquanto trabalhava, adoeceu repentinamente e o diagnóstico foi ‘Insuficiência Renal’. Esta doença leva-o a fazer hemodiálise três vezes por semana, o que o impossibilita de executar trabalhos pesados. «Tenho que fazer trabalhos levezinhos» diz. Gosta do nosso país, onde sempre se sentiu aceite, dando preferência aos nortenhos: «são mais simpáticos do que os do Sul».

A Língua Portuguesa

Os poucos exemplos acima descritos acabam por representar muitas vozes que, em comum, têm a vontade de aprender a nossa língua. Fazem-no com mais ou menos dificuldade, mas com muito empenho. A socialização também se faz através da Escola, que desempenha um papel insubstituível na integração destas pessoas.

Foi com o fado de Amália, "Povo que lavas no rio" que Ana Luísa Cardoso, docente de Português em regime de voluntariado, iniciou a sua aula: «Considero-nos mais como um grupo de amigos. Os temas que escolho não são só a língua, mas, principalmente, a cultura portuguesa» adiantou-nos. Sente-se entre alunos e docente laços de amizade e solidariedade: «Aprendo mais com eles do que eles comigo», acrescentou.

Razões do coração

A Escola Secundária Garcia da Orta também tem um papel relevante no ensino do português para imigrantes. A coordenadora deste projecto é Joana Vasconcellos, que, entre as múltiplas actividades desempenhadas ao longo da vida, destaca as funções que exerceu como Leitora de Português do Instituto Camões durante quinze anos, um pouco por todo o mundo. Tailândia, Irlanda, Bélgica, foram países que lhe deixaram gratas recordações e lhe proporcionaram uma experiência de vida, enriquecendo-a humana e intelectualmente.

Daí a vontade de proporcionar aos imigrantes a possibilidade de aprenderem português: «Um dos grandes problemas que eles têm é o desconhecimento da nossa língua e o processo burocrático que têm de seguir até à legalização».

Mas, se uma grande parte dos imigrantes chega ao nosso país por motivos económicos – basta lembrarmo-nos que a Europa tem dezoito milhões de desempregados – outros há que, nos sentimentos, encontraram motivos para deixar tudo e encetarem a grande viagem.

É o caso de Patrícia, 32 anos, dois filhos, contabilista, originária de Guadalupe, ilha de águas quentes do Mar das Caraíbas. Conheceu o namorado em Guadalupe e, quando ele decidiu voltar para casa, decidiu seguir o coração. Porém, o frio, a língua e os costumes aos quais não se habituou, fazem-na querer regressar: «Não quero ficar, quero voltar. A família está longe. Se ganhar a lotaria, vou-me embora…» diz, com uma sonora gargalhada.

Também Imelda, espanhola da Andaluzia, Gestora de Conta, 35 anos e casada com um portuense há seis meses, veio para o nosso país para seguir o seu marido. Sente-se bem e integrada, embora note diferenças nestes dois povos vizinhos: «Sinto-me bem cá. Acho os portugueses muito agradáveis mas muito fechados. Parecem-se com os catalães», referiu-nos.

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