01 junho, 2006

José Rodrigues: «as pessoas quando são velhas têm muitas histórias»

Foi nos jardins do convento de S. Paio, nas terras de Cerveira que a Pessoas revista encontrou o Mestre José Rodrigues a meditar entre as suas esculturas, que abençoadas pela aura franciscana se transformaram em seres íntimos e divinos. Debruçadas sobre a ilha dos amores e protegidas pelos montes que as cercam, as estátuas trocam com os visitantes deste convento-atelier-museu olhares de silêncio e cumplicidade.

Encontramos no convento a sua colecção de desenhos reunidos numa galeria onde estão expostos exemplares de Vieira da Silva, Augusto Gomes, Poussin, Dordio, Almada Negreiros, Soares dos Reis, entre muitos outros.

A capela barroca acolhe neste momento uma exposição ecuménica, que compreende deuses de várias culturas e séculos. Além destes espaços, existe também uma exposição de barros, à qual este escultor que diz ter mãos, de lavrado, porque são toscas… atribuiu o título de "Modelação".

Por: Rita Homem de Mello

Pessoas revista – Mestre, como caracteriza o seu percurso artístico?
José Rodrigues – Fiz Medalhística, Teatro, muitos desenhos para livros… A Medalha é uma prateleira que tenho mais na minha cabeça, no entanto, devo dizer que tive sorte porque desde muito cedo entrei para o Teatro.

Dediquei muito da minha vida ao Experimental, à Cooperativa Árvore, a Cerveira e Trás-os-Montes. Tenho sido uma espécie de cigano andante...! Onde chego tenho uma tese para semear! Às vezes nascem coisas bonitas, outras vezes… Nem sempre tudo corre bem, sobretudo quando se fazem propostas fora do tempo. E eu fiz uma proposta fora do tempo, em Cerveira, quando avancei com a Escola Superior de Arquitectura.

Ninguém acreditava, achavam que era contra natureza fazer uma Escola Superior aqui. Eu disse ao Ministro Valente de Oliveira que era aqui que eu queria fazer a Escola. Achava que era aqui havia condições.

Não era um capricho meu, porque aqui bem perto descia a Galiza e, antigamente, a Galiza não tinha nada...

Prev – Mas foi um dos fundadores da Cooperativa Árvore... Hoje, como descreve a situação do ensino das artes em Portugal?

JR – Sim, criei, no Porto, a primeira Cooperativa de Ensino do país - a Árvore 3 - porque existe também a Escola de Artes e Ofícios, em Cerveira e no Porto, e há a Árvore - Casa Mãe, que deu origem a tudo isto. Hoje, já são outros directores.

Neste momento, a Árvore – Casa Mãe, atravessa um período muito grave. Grave, mas não mete medo... As pessoas quando são velhas têm muitas histórias. Boas e más.

Eu tive uma história logo ao 25 de Abril e essa sim foi terrível. Foi quando puseram a grande bomba nos edifícios culturais e a minha casa recebeu a maior bomba do país, tivemos essa honra… Destruiu a casa completamente, mas ao mesmo tempo, o Porto respondeu com muita afectividade. As pessoas diziam-me «coragem Zé, coragem!» e, de repente, houve uma solidariedade que eu não sabia que existia.

Não sabia que nós éramos tão conhecidos e amados pelo Porto! Foi um momento lindo e, em pouco tempo, a Árvore estava-se a pôr de pé. Os subsídios vinham de todo o lado.

Hoje, a crise é outra. Uma crise tem a ver com tudo, porque nada é isolado. E esta é uma crise económica... A Árvore tem-se tentado adaptar aos tempos, mas nós ainda não nos conseguimos adaptar ao tempo que está a acontecer neste momento. Há grandes modificações, as vendas são outras, os públicos a atingir também…

As grandes superfícies dão cabo dos pequenos mercados. Vendíamos muita pintura. Hoje, a pintura não se vende. No meio de tudo isto temos de descobrir novos produtos, o múltiplo, coisas mais pequenas… temos de inventar!

Prev – De tantos, qual é o material com que prefere trabalhar?

JR – Eu trabalho com tudo. Não tenho preferência. Tudo é nobre, desde o barro do homem da caverna, ao metal mais precioso! Não tenho preconceitos contra nada. Cada material tem as suas características. Em bronze faço determinadas coisas que não posso fazer em madeira, em madeira faço outras que não posso fazer em gesso, em gesso faço o que não posso fazer em areia...! Enfim, exploro conforme os materiais. Não há materiais novos. O Homem quer obra!

Prev – E gosta muito de enquadrar as suas obras com jogos de água...

JR – A água, o fogo, são coisas muito antigas. A água nasceu connosco, no ventre da mãe e é elemento de grande importância. É, ao mesmo tempo, o sítio onde tudo se vai depositar. As minhas emoções, as minhas experiências, as minhas frustrações vão para um grande poço onde se vai depositando o que é sujo e, passados uns anos, a água acaba por sair cristalina.
Para mim, a água é o cristalino. Ajuda a revelar-se. Às vezes utilizo a água e também uma coisa que é irmã da água, o espelho, que me ajuda a revelar-me e a revelar outros.

Prev – Os temas mitológicos são muito fortes nas suas obras. Qual a razão deste fascínio?

JR – Como bom transmontano que sou (porque sou meio transmontano, meio africano), a mitologia faz parte de mim. Eu sou um contador de histórias e conto-as desenhando, modelando, fazendo teatro.

Estou sempre a contar histórias...! Os transmontanos gostam muito de falar... a oralidade é o principal meio que escolheram para comunicar e como também sou judaico-cristão, desde sempre fui muito marcado pela Igreja. Desde pequenino fui educado a rezar o terço com as minhas tias, por isso, todo esse caminhar foi importante para mim.

Prev – Considera que ainda há lugar para os jovens talentos, em Portugal?

JR – Há muito espaço para os jovens. Não quero ser paternalista, mas os jovens têm de dar a mão ao passado e caminhar em frente!

Prev – Continua ligado à Bienal de Cerveira?

JR – Eu pertenço à Bienal. Eu fico sempre ligado às coisas que faço.

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