01 março, 2007

Escola da Ponte


A Escola da Ponte é uma escola básica integrada de área aberta, onde todos os alunos são vistos como especiais, o que significa que não é o aluno que tem que se adaptar à escola, mas a escola a cada aluno em particular.
Por: João Cunha
A Escola da Ponte é uma instituição pública que se notabilizou por um projecto educativo inovador, baseado na autonomia dos estudantes.
Apesar de fazer parte da rede pública portuguesa, esta escola de ensino básico em nada se parece com as demais. José Pacheco, mestre em Ciências da Educação, pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto, foi o criador e coordenou esta escola durante cerca de três décadas. Hoje, o director é Paulo Topa, que o substituiu há dois anos.
Nesta instituição, «não há classes, ciclos, turmas, anos, manuais, testes ou aulas: os alunos agrupam-se, de acordo com os interesses comuns, para desenvolver projectos de pesquisa. Há, também, os estudos individuais, depois compartilhados com os colegas», explica José Pacheco.
O fundador acrescenta que «não há salas de aula e, sim, lugares onde cada aluno procura professores, para solicitar ferramentas e respostas. São espaços educativos designados por área. Na humanística, por exemplo, estuda-se História e Geografia; no pavilhão das Ciências fica o material sobre Matemática; e o pavilhão central abriga a Educação Artística e a Tecnológica».

A forma de avaliação

Contudo, este aparente excesso de liberdade concedido aos alunos faz levantar a questão de como se procede à avaliação e transição de ano.
Ângela Fernandes, que já leccionou naquela instituição, explicou-nos que «é feito um ponto da situação de cada aluno, no final de cada período, e faz-se o balanço, no fim do ano lectivo».
As informações relativas à situação de cada discente são, depois, transmitidas a um professor responsável por este, o tutor que, por sua vez, as comunica aos pais dos seus tutorandos.
Assim, e de acordo com Ângela Fernandes, o tutor estabelece a ponte entre a escola e a família, além ter também o papel de pai e de mãe, quando os repreende pelo não cumprimento das regras e os apoia, sempre que necessário.
Outra forma de interactividade entre a família e a escola são as Assembleias, que se realizam todas as sextas-feiras. Nestas sessões, os alunos têm a oportunidade de expressar os seus problemas e ideias perante os colegas, pais e professores, bem como divulgar trabalhos e realizar eleições, para a definição de certas regras.

Professores normais

Os professores não precisam de formação específica para leccionar na Escola da Ponte embora, como nos explicou José Pacheco, «seja a única no país que pode escolher o corpo docente».
No entanto, nem tudo são rosas e nem todos os professores escolhidos se adaptam da melhor forma… «de cada dez que entram: um não aguenta. Outros desertam e, depois, regressam», desvenda José Pacheco.
Para a Ângela Fernandes, uma das razões porque alguns dos seus colegas não se adaptam, tem a ver com o facto de o «método de ensino exigir um trabalho acrescido. Um professor não fazer nada numa sala de estudo dá muito trabalho: as pessoas têm de se reunir mais vezes e têm de pensar, modificar e avaliar a todo o instante». Ângela acredita que «deve ser essa a razão pela qual o modelo da Ponte não esteja, ainda, universalizado...»
Contudo, esta escola nem sempre seguiu um proposto inovador. De acordo com José Pacheco «até 1976 era um estabelecimento de ensino igual a qualquer outro». A transformação deu-se quando se decidiu «juntar os três professores e os 90 alunos existentes, com o objectivo de promover a autonomia e a solidariedade. Isto, é claro, com o aval e apoio dos pais, que defendem o modelo até hoje».

Perfil dos alunos

O perfil dos estudantes que frequentam a Escola da Ponte é uma questão pertinente para perceber a quem se destina, fundamentalmente, aquela instituição. José Pacheco esclarece-nos que não se trata de uma instituição de ensino especial, mas antes, de uma escola para todos.
«Os alunos têm entre 5 e 17 anos. Sendo que apenas cerca de cinquenta, um quarto do total, chegaram com problemas familiares e antecedentes de indisciplina», explica o mentor que acrescenta: «dessa parcela, quase todos provêm de instituições de solidariedade social que acolhem crianças e jovens orfãos tendo, alguns, já passado por escolas públicas, antes de vir para a Ponte. Mas como não se adaptaram, foram encaminhados para aqui», revela o criador do projecto.
Quanto à adaptação dos alunos à Ponte, tanto a dos problemáticos como a dos outros, ela apresenta resultados positivos. José Pacheco, em relação aos primeiros, conta que «ao início, alguns mostram alguma agressividade, mas rapidamente desistem da violência e começam a gostar dos métodos e actividades».
As famílias dos alunos, na generalidade, apoiam e defendem a escola idealizada por José Pacheco contribuindo, assim, a par com a abertura dos educadores, para as mudanças e para a viabilidade do sistema. Marília Ferreira é um exemplo disso: «estou contente com a escolha que fiz para o meu filho. Ao início, tive receio que o ritmo fosse lento, mas pelo que vejo, afinal, não: ele tem aprendido bastante e tornou se muito responsável».

Da Ponte a um novo método antigo


A vontade de Mariana

Entre o corrupio de reuniões, papéis e telefones constantemente a tocar, habituais no escritório bem no centro de Matosinhos, Mariana não pára de trabalhar. Faz uma vida como qualquer outro e afasta os estigmas da deficiência visual.

Por: Sandra Lopes Nogueira

Mariana Rocha de 27 anos, é advogada e nasceu no Porto. Ainda teve tempo para conhecer as cores, mas pouco mais. Quando chega ao 12º ano, perde integralmente a visão.

Em Portugal, o sistema de ensino integra as pessoas com deficiências físicas nas escolas normais. Foi o caso de Mariana. Até ao 10º ano teve o acompanhamento de um professor do ensino especial, que ia cerca de duas vezes por semana à escola. «Ajudava-me naquelas tarefas mais específicas, como passar texto para Braille», lembra Mariana.

Os livros que precisava tinham de ser passados a Braille, o que se traduzia numa grande dor de cabeça. Tudo porque este processo é muito lento e, por isso, Mariana nem sempre tinha os livros em casa desde o início do ano.

O que lhe valia muitas vezes, era o serviço de leitura especial da Biblioteca do Porto. «É um serviço realizado por voluntários que lêem os livros e os gravam em cassete. Os meus livros de história eram todos assim. Por um lado era bom, tinha os livros desde o início do ano, por outro era complicado, pois eram cerca de 20 cassetes», explica.

O importante – fundamental – eram o apoio e a compreensão dos professores e colegas. Disso, diz, não se pode queixar: «lembro que quando a professora escrevia alguma coisa no quadro, havia sempre algum colega que me ditava».

No Ensino Superior...

Na Universidade as dificuldades em conseguir material duplicaram. Dos livros que precisava, apenas uma pequena percentagem existia em Braille. Mas é a partir daqui que começa a utilizar a ferramenta que, sem dúvida, maior autonomia lhe veio trazer: o computador. Com ele tirava apontamentos, estudava e fazia os exames. Como? Mariana explica: «Era um computador portátil, igual a tantos outros, a diferença é que tinha um software, chamado leitor de ecrã, que lê tudo o que está no ecrã».

Lentamente, começa a deixar o Braille e passa a utilizar permanentemente o computador. E aparecem novos problemas, que, dsta vez, se prendiam com conseguir o material em suporte digital: «os professores não me forneciam livros, que eles próprios escreviam, em suporte digital, com receio dos Direitos de Autor», afirma a advogada.

Por isso, viu-se obrigada a recorrer a outro método muito mais trabalhoso e que nem sempre funciona, o da digitalização. «Fazia a digitalização do texto e depois o leitor de ecrã lia. O problema é que quando se trata de fotocópias não capta tão bem e se for letra à mão não consegue mesmo ler», conta Mariana, recordando o esforço da irmã: «Ela sofreu muito! Enquanto ditava eu escrevia no computador».

Apesar de acreditar que o acesso a livros está mais facilitado, Mariana considera ser urgente uma nova medida por parte das editoras, isto é, a comercialização dos livros em suporte digital, de modo a que os invisuais vejam o seu acesso facilitado.

Falta de meios

Manter-se informada e estar em contacto com aquilo que se passa à sua volta, nem sempre foi fácil. ‘Visão’ e ‘Jornal de Notícias’, são alguns dos poucos meios de comunicação impressos que disponibilizam edições em Braille. Recentemente foi lançada uma nova revista, a ‘Activa’. Uma ideia feliz, já que até ao momento era impossível para a Mariana o acesso às chamadas revistas cor-de-rosa.

No entanto, e numa altura em que as novas tecnologias dominam, estas iniciativas parecem um pouco tardias: «Hoje basta-me ir à Internet, abrir a página que pretendo e ouvir», comenta a advogada.

Contudo, como sempre, há mais dificuldades. É que para que os leitores de ecrã possam ler as coisas, os sites devem respeitar certas normas de acessibilidade, o que nem sempre acontece.

Mas afinal o que é isso de normas de acessibilidade? Mariana explica: «É uma resolução do Conselho de Ministros de 1999, que obriga todos os sites públicos a cumprir certas normas, que tornam os sites mais acessíveis, não só a nível dos leitores de ecrã, mas do ponto de vista da organização e do conteúdo, o que é vantajoso para todos, não só para os invisuais». Os STCP, Metro e Caixa Geral de Depósitos são apenas alguns dos sítios da Internet que não cumprem essas normas.

Além de todas as ajudas técnicas de que actualmente dispõe, e que a fazem conseguir levar uma vida em muito idêntica à de qualquer outra pessoa, Mariana conta com o Júnior.

Apoio a quatro patas

O Júnior é um Retriever do Labrador, um cão guia que foi educado pela única escola de cães-guia existente em Portugal. Trata-se da Associação Beira-Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual (ABAADV) que fica em Mortágua. Para o ter, a jovem advogada teve que esperar alguns anos.

Apesar de haver muita gente à espera para ter um cão-guia, só existem três educadores, neste momento a ABAADV não possui meios económicos para mais. Cada educador educa, na melhor das hipóteses, quatro cães por ano.

Para além de só ser permitido ter um cão-guia a partir dos 18 anos, o processo para a aquisição do cão é muito lento. «Para se inscrever deve preencher-se um questionário. Cerca de dois anos depois chamam para uma entrevista com a finalidade de ver qual o estado de orientação da pessoa, o equilíbrio e a audição. Um ano após a entrevista chamam para um estágio com o cão, que dura quinze dias».

E vale a pena esperar tanto tempo? Mariana não hesita: «Vale!». O Júnior, para além de estar sempre atento e disponível para ajudar, é muito intuitivo. Mariana conta orgulhosa que o seu Júnior é mais do que um cão guia, é um companheiro e um amigo.

Actualmente, quando acompanhado pelo utilizador, o cão guia pode entrar, segundo a lei prevê, em todos os locais de acesso ao público. Mas também aqui Mariana aponta uma lacuna: «A lei não prevê, em caso de incumprimento da mesma, uma coima. Essa é agora uma grande luta dos invisuais, ver a lei alterada e multados aqueles que não a cumprirem».

Modernas utilidades, mas...

Desde há dois anos que Mariana pode tirar partido de muitas das funcionalidades de um telemóvel, que antes apenas lhe servia para fazer e receber chamadas. Agora existem leitores de ecrã, que têm a mesma função dos leitores de ecrã para computador, facilitando a leitura do visorler. Um leitor de ecrã, por exemplo, custa à volta de 200€, mas a boa notícia é que o estado financia esta e muitas outras ajudas técnicas. O maior problema é a demora na entrega do material.

Existem muitas iniciativas em Portugal que têm como objectivo facilitar a integração do deficiente visual na sociedade. A voz indicadora das paragens no metro e nos autocarros é exemplo disso, por vezes a falha está na sua execução. É o que acontece no caso do Multibanco. «Existem apenas algumas máquinas com sistema de som, mas além de só estarem disponíveis quatro operações, não conseguimos controlar o som. Há máquinas que estão, literalmente, aos berros e outras que praticamente não se ouvem».

Mariana faz uma vida normal, enfrentando, como qualquer outro, as dificuldades do quotidiano. Todavia, no que respeita às infraestruturas, a advogada considera que já era altura de se fazerem certas alterações: «Não haver postes no meio do caminho, buracos ou obras indevidamente vedadas e sinalizadas, carros em cima dos passeios e passadeiras apagadas, pois os cães-guia não consegue encontrar as linhas para atravessar».

Os atrasos que se faziam sentir há alguns anos, em relação ao resto do mundo, são hoje praticamente imperceptíveis. Em termos de legislação, têm surgido muitas leis favoráveis aos eficientes visuais. A verdade é que ainda há muito por fazer, para que a vida de Mariana e de outras pessoas como ela, seja bem mais fácil.