01 março, 2007

Escola da Ponte


A Escola da Ponte é uma escola básica integrada de área aberta, onde todos os alunos são vistos como especiais, o que significa que não é o aluno que tem que se adaptar à escola, mas a escola a cada aluno em particular.
Por: João Cunha
A Escola da Ponte é uma instituição pública que se notabilizou por um projecto educativo inovador, baseado na autonomia dos estudantes.
Apesar de fazer parte da rede pública portuguesa, esta escola de ensino básico em nada se parece com as demais. José Pacheco, mestre em Ciências da Educação, pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto, foi o criador e coordenou esta escola durante cerca de três décadas. Hoje, o director é Paulo Topa, que o substituiu há dois anos.
Nesta instituição, «não há classes, ciclos, turmas, anos, manuais, testes ou aulas: os alunos agrupam-se, de acordo com os interesses comuns, para desenvolver projectos de pesquisa. Há, também, os estudos individuais, depois compartilhados com os colegas», explica José Pacheco.
O fundador acrescenta que «não há salas de aula e, sim, lugares onde cada aluno procura professores, para solicitar ferramentas e respostas. São espaços educativos designados por área. Na humanística, por exemplo, estuda-se História e Geografia; no pavilhão das Ciências fica o material sobre Matemática; e o pavilhão central abriga a Educação Artística e a Tecnológica».

A forma de avaliação

Contudo, este aparente excesso de liberdade concedido aos alunos faz levantar a questão de como se procede à avaliação e transição de ano.
Ângela Fernandes, que já leccionou naquela instituição, explicou-nos que «é feito um ponto da situação de cada aluno, no final de cada período, e faz-se o balanço, no fim do ano lectivo».
As informações relativas à situação de cada discente são, depois, transmitidas a um professor responsável por este, o tutor que, por sua vez, as comunica aos pais dos seus tutorandos.
Assim, e de acordo com Ângela Fernandes, o tutor estabelece a ponte entre a escola e a família, além ter também o papel de pai e de mãe, quando os repreende pelo não cumprimento das regras e os apoia, sempre que necessário.
Outra forma de interactividade entre a família e a escola são as Assembleias, que se realizam todas as sextas-feiras. Nestas sessões, os alunos têm a oportunidade de expressar os seus problemas e ideias perante os colegas, pais e professores, bem como divulgar trabalhos e realizar eleições, para a definição de certas regras.

Professores normais

Os professores não precisam de formação específica para leccionar na Escola da Ponte embora, como nos explicou José Pacheco, «seja a única no país que pode escolher o corpo docente».
No entanto, nem tudo são rosas e nem todos os professores escolhidos se adaptam da melhor forma… «de cada dez que entram: um não aguenta. Outros desertam e, depois, regressam», desvenda José Pacheco.
Para a Ângela Fernandes, uma das razões porque alguns dos seus colegas não se adaptam, tem a ver com o facto de o «método de ensino exigir um trabalho acrescido. Um professor não fazer nada numa sala de estudo dá muito trabalho: as pessoas têm de se reunir mais vezes e têm de pensar, modificar e avaliar a todo o instante». Ângela acredita que «deve ser essa a razão pela qual o modelo da Ponte não esteja, ainda, universalizado...»
Contudo, esta escola nem sempre seguiu um proposto inovador. De acordo com José Pacheco «até 1976 era um estabelecimento de ensino igual a qualquer outro». A transformação deu-se quando se decidiu «juntar os três professores e os 90 alunos existentes, com o objectivo de promover a autonomia e a solidariedade. Isto, é claro, com o aval e apoio dos pais, que defendem o modelo até hoje».

Perfil dos alunos

O perfil dos estudantes que frequentam a Escola da Ponte é uma questão pertinente para perceber a quem se destina, fundamentalmente, aquela instituição. José Pacheco esclarece-nos que não se trata de uma instituição de ensino especial, mas antes, de uma escola para todos.
«Os alunos têm entre 5 e 17 anos. Sendo que apenas cerca de cinquenta, um quarto do total, chegaram com problemas familiares e antecedentes de indisciplina», explica o mentor que acrescenta: «dessa parcela, quase todos provêm de instituições de solidariedade social que acolhem crianças e jovens orfãos tendo, alguns, já passado por escolas públicas, antes de vir para a Ponte. Mas como não se adaptaram, foram encaminhados para aqui», revela o criador do projecto.
Quanto à adaptação dos alunos à Ponte, tanto a dos problemáticos como a dos outros, ela apresenta resultados positivos. José Pacheco, em relação aos primeiros, conta que «ao início, alguns mostram alguma agressividade, mas rapidamente desistem da violência e começam a gostar dos métodos e actividades».
As famílias dos alunos, na generalidade, apoiam e defendem a escola idealizada por José Pacheco contribuindo, assim, a par com a abertura dos educadores, para as mudanças e para a viabilidade do sistema. Marília Ferreira é um exemplo disso: «estou contente com a escolha que fiz para o meu filho. Ao início, tive receio que o ritmo fosse lento, mas pelo que vejo, afinal, não: ele tem aprendido bastante e tornou se muito responsável».

Da Ponte a um novo método antigo


A vontade de Mariana

Entre o corrupio de reuniões, papéis e telefones constantemente a tocar, habituais no escritório bem no centro de Matosinhos, Mariana não pára de trabalhar. Faz uma vida como qualquer outro e afasta os estigmas da deficiência visual.

Por: Sandra Lopes Nogueira

Mariana Rocha de 27 anos, é advogada e nasceu no Porto. Ainda teve tempo para conhecer as cores, mas pouco mais. Quando chega ao 12º ano, perde integralmente a visão.

Em Portugal, o sistema de ensino integra as pessoas com deficiências físicas nas escolas normais. Foi o caso de Mariana. Até ao 10º ano teve o acompanhamento de um professor do ensino especial, que ia cerca de duas vezes por semana à escola. «Ajudava-me naquelas tarefas mais específicas, como passar texto para Braille», lembra Mariana.

Os livros que precisava tinham de ser passados a Braille, o que se traduzia numa grande dor de cabeça. Tudo porque este processo é muito lento e, por isso, Mariana nem sempre tinha os livros em casa desde o início do ano.

O que lhe valia muitas vezes, era o serviço de leitura especial da Biblioteca do Porto. «É um serviço realizado por voluntários que lêem os livros e os gravam em cassete. Os meus livros de história eram todos assim. Por um lado era bom, tinha os livros desde o início do ano, por outro era complicado, pois eram cerca de 20 cassetes», explica.

O importante – fundamental – eram o apoio e a compreensão dos professores e colegas. Disso, diz, não se pode queixar: «lembro que quando a professora escrevia alguma coisa no quadro, havia sempre algum colega que me ditava».

No Ensino Superior...

Na Universidade as dificuldades em conseguir material duplicaram. Dos livros que precisava, apenas uma pequena percentagem existia em Braille. Mas é a partir daqui que começa a utilizar a ferramenta que, sem dúvida, maior autonomia lhe veio trazer: o computador. Com ele tirava apontamentos, estudava e fazia os exames. Como? Mariana explica: «Era um computador portátil, igual a tantos outros, a diferença é que tinha um software, chamado leitor de ecrã, que lê tudo o que está no ecrã».

Lentamente, começa a deixar o Braille e passa a utilizar permanentemente o computador. E aparecem novos problemas, que, dsta vez, se prendiam com conseguir o material em suporte digital: «os professores não me forneciam livros, que eles próprios escreviam, em suporte digital, com receio dos Direitos de Autor», afirma a advogada.

Por isso, viu-se obrigada a recorrer a outro método muito mais trabalhoso e que nem sempre funciona, o da digitalização. «Fazia a digitalização do texto e depois o leitor de ecrã lia. O problema é que quando se trata de fotocópias não capta tão bem e se for letra à mão não consegue mesmo ler», conta Mariana, recordando o esforço da irmã: «Ela sofreu muito! Enquanto ditava eu escrevia no computador».

Apesar de acreditar que o acesso a livros está mais facilitado, Mariana considera ser urgente uma nova medida por parte das editoras, isto é, a comercialização dos livros em suporte digital, de modo a que os invisuais vejam o seu acesso facilitado.

Falta de meios

Manter-se informada e estar em contacto com aquilo que se passa à sua volta, nem sempre foi fácil. ‘Visão’ e ‘Jornal de Notícias’, são alguns dos poucos meios de comunicação impressos que disponibilizam edições em Braille. Recentemente foi lançada uma nova revista, a ‘Activa’. Uma ideia feliz, já que até ao momento era impossível para a Mariana o acesso às chamadas revistas cor-de-rosa.

No entanto, e numa altura em que as novas tecnologias dominam, estas iniciativas parecem um pouco tardias: «Hoje basta-me ir à Internet, abrir a página que pretendo e ouvir», comenta a advogada.

Contudo, como sempre, há mais dificuldades. É que para que os leitores de ecrã possam ler as coisas, os sites devem respeitar certas normas de acessibilidade, o que nem sempre acontece.

Mas afinal o que é isso de normas de acessibilidade? Mariana explica: «É uma resolução do Conselho de Ministros de 1999, que obriga todos os sites públicos a cumprir certas normas, que tornam os sites mais acessíveis, não só a nível dos leitores de ecrã, mas do ponto de vista da organização e do conteúdo, o que é vantajoso para todos, não só para os invisuais». Os STCP, Metro e Caixa Geral de Depósitos são apenas alguns dos sítios da Internet que não cumprem essas normas.

Além de todas as ajudas técnicas de que actualmente dispõe, e que a fazem conseguir levar uma vida em muito idêntica à de qualquer outra pessoa, Mariana conta com o Júnior.

Apoio a quatro patas

O Júnior é um Retriever do Labrador, um cão guia que foi educado pela única escola de cães-guia existente em Portugal. Trata-se da Associação Beira-Aguieira de Apoio ao Deficiente Visual (ABAADV) que fica em Mortágua. Para o ter, a jovem advogada teve que esperar alguns anos.

Apesar de haver muita gente à espera para ter um cão-guia, só existem três educadores, neste momento a ABAADV não possui meios económicos para mais. Cada educador educa, na melhor das hipóteses, quatro cães por ano.

Para além de só ser permitido ter um cão-guia a partir dos 18 anos, o processo para a aquisição do cão é muito lento. «Para se inscrever deve preencher-se um questionário. Cerca de dois anos depois chamam para uma entrevista com a finalidade de ver qual o estado de orientação da pessoa, o equilíbrio e a audição. Um ano após a entrevista chamam para um estágio com o cão, que dura quinze dias».

E vale a pena esperar tanto tempo? Mariana não hesita: «Vale!». O Júnior, para além de estar sempre atento e disponível para ajudar, é muito intuitivo. Mariana conta orgulhosa que o seu Júnior é mais do que um cão guia, é um companheiro e um amigo.

Actualmente, quando acompanhado pelo utilizador, o cão guia pode entrar, segundo a lei prevê, em todos os locais de acesso ao público. Mas também aqui Mariana aponta uma lacuna: «A lei não prevê, em caso de incumprimento da mesma, uma coima. Essa é agora uma grande luta dos invisuais, ver a lei alterada e multados aqueles que não a cumprirem».

Modernas utilidades, mas...

Desde há dois anos que Mariana pode tirar partido de muitas das funcionalidades de um telemóvel, que antes apenas lhe servia para fazer e receber chamadas. Agora existem leitores de ecrã, que têm a mesma função dos leitores de ecrã para computador, facilitando a leitura do visorler. Um leitor de ecrã, por exemplo, custa à volta de 200€, mas a boa notícia é que o estado financia esta e muitas outras ajudas técnicas. O maior problema é a demora na entrega do material.

Existem muitas iniciativas em Portugal que têm como objectivo facilitar a integração do deficiente visual na sociedade. A voz indicadora das paragens no metro e nos autocarros é exemplo disso, por vezes a falha está na sua execução. É o que acontece no caso do Multibanco. «Existem apenas algumas máquinas com sistema de som, mas além de só estarem disponíveis quatro operações, não conseguimos controlar o som. Há máquinas que estão, literalmente, aos berros e outras que praticamente não se ouvem».

Mariana faz uma vida normal, enfrentando, como qualquer outro, as dificuldades do quotidiano. Todavia, no que respeita às infraestruturas, a advogada considera que já era altura de se fazerem certas alterações: «Não haver postes no meio do caminho, buracos ou obras indevidamente vedadas e sinalizadas, carros em cima dos passeios e passadeiras apagadas, pois os cães-guia não consegue encontrar as linhas para atravessar».

Os atrasos que se faziam sentir há alguns anos, em relação ao resto do mundo, são hoje praticamente imperceptíveis. Em termos de legislação, têm surgido muitas leis favoráveis aos eficientes visuais. A verdade é que ainda há muito por fazer, para que a vida de Mariana e de outras pessoas como ela, seja bem mais fácil.

01 junho, 2006

Breg: «o Graffiti é a forma que uso para me exprimir»


O Graffiti, também apelidado de arte de rua, tem vindo a ser cada vez mais explorado e inserido na sociedade, fazendo com que uma das suas principais características negativas, a marginalidade, seja posta de lado. É o caso deste nosso entrevistado, natural de Valbom e que assina como ‘Breg’. Em Gondomar, ouvimos confidências deste pintor de rua, que nos deram uma maior perspectiva da realidade que envolve o mundo do Graffiti e toda a sua cultura.
Por: Daniel Faria

Prev: Boa tarde, Breg! Queriamos começar por perguntar o que, para ti, é, o Graffiti?

Breg: Bem, para mim, o Graffiti é a forma que uso para me exprimir, para libertar o stress do dia-a-dia ou da semana: é a melhor forma para estar à vontade comigo mesmo.

Prev: Quantos anos tens e com que idade começaste na arte da pintura urbana?

Breg: Vou fazer 23. Comecei em 1999... já foi há algum tempo.

Prev: Como é que ouviste falar desta corrente e te inseriste no movimento?

Breg: No 10º ano fui para a Escola Soares dos Reis e, na minha turma, havia um rapaz que tinha vindo dos Estados Unidos. Ele já pintava na América e tinha um álbum. Conheci-o e comecei por ver o álbum e acabei a interessar-me por aquilo...!

Mais tarde, fartei-te de chatear a cabeça aos meus amigos para começarmos a pintar. Principiei-me nas linhas de comboio, nem sabia bem que materiais usar ou onde comprar!

Prev: Quais os estilos que mais utilizas?

Breg: O wildstyle e o 3D. Posso fazer algo mais figurativo se estiver a realizar algum trabalho encomendado, mas no meu próprio estilo reúno o lettering, o wildstyle e o 3D.

Prev: Em termos temáticos, existem alguns temas que abordes mais?

Breg: Não costumo funcionar assim, só se for para um trabalho. Normalmente, junto-me com o meu grupo, pintamos um fame e é depois que aparecem ideias. Cada um faz o seu estilo, o seu lettering, a sua peça. Depois, nasce a ideia para o fundo e juntam-se as ideias de todos. Como disse, só costumo trabalhar com temas predefinidos para trabalhos. Por exemplo, se tiver de realizar um workshop para a Câmara de Gondomar, tenho primeiro de analisar as idades dos participantes ou o sítio onde se vai pintar.

Prev: E costumas pintar neste Concelho?

Breg: Só quando comecei e mesmo aí foram poucas coisas. Pinto no Porto, porque a maior parte das pessoas do meu grupo são de lá.

Prev: Mas existem poucos sítios para pintar...

Breg: Existem poucos sítios e também não sinto muita vontade... Não vale a pena trazer o meu grupo do Porto para aqui quando tenho lá muito melhores sítios para pintar! Daí que, mesmo quando comecei, só ter pintado nesta cidade em fábricas abandonadas.

Prev: Existem apoios das Câmaras ou de Gabinetes da Juventude, para o Graffiti?

Breg: Até podem existir poucos Graffitis em Gondomar, ou de pouca qualidade. Mas, a meu ver, a Câmara é das que dá mais apoio: organiza concursos, workshops, oficinas… acabei de fazer uma há relativamente pouco tempo. Quando comecei era impensável que, um dia, iria dar "aulas" desta nova arte de rua!...

Prev: Costumas pintar em locais ilegais?

Breg: Raramente. Acontecia mais no início. Tentamos legalizar paredes e até nos damos ao trabalho de comprar tinta de rolo para que o desenho sobressaia melhor. Hoje em dia, é uma moda que nos entra pela casa dentro, através da televisão. Existe muita arte ilegal e vandalismo que muitos associam ao Graffiti: provavelmente, essas manifestações artísticas são feitas por pessoas que não têm nada a ver isto.

Prev: Quando pintavas em locais ilegais, costumavas utilizar alguma estratégia?

Breg: Convém estudar-se o local onde se vai pintar e as possibilidades de fuga, caso a polícia apareça. Normalmente, pinta-se à noite, apesar de eu já ter chegado a pintar às 09:00 da manhã...!

Prev: Para legalizar paredes fazem um pedido à Câmara?

Breg: Normalmente não falamos com a Câmara. Se gostarmos de uma parede, tentamos conhecer o proprietário para lhe pedir autorização: uns dão, outros não dão, é uma questão de sorte.

Prev: Na tua opinião, quais as dicas para quem se está a iniciar nesta arte?

Breg: Desenhar muito! ...A base está no desenho. É preciso adquirir técnica e ter atenção ao local em que se vai pintar, no início.

Não convém que alguém que se esteja a iniciar comece a pintar em paredes com Graffitis de qualidade. Deve encontrar um sítio mais escondido, onde possa experimentar e aprender, sem ninguém a chatear: foi assim que eu comecei...

Prev: Que processo usas para a construção do Grafffit: fazes algum rascunho antes começar?

Breg: Como disse, o desenho é fundamental. Deve andar-se com um caderno para fazer um estudo antes de pintar. Hoje em dia já não faço isso, porque não tenho tempo: costumo chegar à parede e começar imediatamente a pintar.

Prev: Para finalizar, quais as tuas perspectivas para o futuro das pinturas de rua, em Portugal?

Breg: Há cinco anos atrás, Lisboa estava muito mais evoluída do que o Porto, mas hoje em dia já estão no mesmo patamar. Claro que, em Lisboa, existe muito mais apoio de Câmaras e associações. Mas espero que Portugal continue a evoluir ao mesmo ritmo dos últimos tempos, pois tem dado um salto enorme.

No entanto, os autores das obras continuam a não querer ser facilmente identificados devido a que, muitas vezes, as suas telas estão em locais públicos, ilegalmente. Assim, fazem uso de nomes de código, para evitar serem reconhecidos pelas forças policiais.Graffiti, também apelidado de arte de rua, tem vindo a ser cada vez mais explorado e inserido na sociedade, fazendo com que uma das suas principais características negativas, a marginalidade, seja posta de lado. Graffiti e toda a sua cultura.

Sobrinho Simões: «o que me dá mais prazer é o trabalho em que vou ensinando e aprendendo»

Tem um olhar calmo, sereno e a simplicidade dos grandes homens. Investigador, cientista, médico, académico, Sobrinho Simões, 57 anos, é, actualmente, uma das referências da Ciência e da Investigação que leva Portugal ao estrangeiro, onde também lecciona. Dirige, desde 1989, o IPATIMUP, instituição de excelência nos domínios da investigação científica.

Por: Maria de Fátima Assunção

Pessoas revista: Consegue destacar alguma das actividades que preenchem o seu vasto percurso académico/científico?

Sobrinho Simões: Consigo. Consigo distinguir como mais recompensadoras aquelas em que considero contribuir para que as pessoas aprendam alguma coisa, sejam médicos ou investigadores.

O que me dá mais prazer é o trabalho em que vou ensinando e aprendendo alguma coisa. Por outro lado, faço Medicina, diagnóstico de Cancro, todos os dias. Sou investigador. Agora, a actividade que me dá mais prestígio internacional é a função científica, sem dúvida.

Prev: Na sua essência, o que é o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto – IPATIMUP, quais as suas funções e objectivos, quais os seus sucessos efectivos?

SS: O IPATIMUP é uma Instituição que procurou juntar, professores universitários e investigadores de muitas faculdades. Tentou juntá-los tendo como objectivo estudar doenças humanas e, sobretudo, o Cancro.

Tínhamos gente que vinha das Faculdades e do mundo da Ciência, da Patologia Humana e da Genética. E fizemos uma Instituição que, na área do cancro da tiróide, do cancro do estômago, cancro da mama, está, na verdade, entre as melhores do Mundo. O que se prova não só pelas publicações. Fiz consulta para cancro da tiróide para dezanove países diferentes É assustador! Temos estes pequenos sucessos porque juntamos muita gente, de muitas faculdades.

A Fundação Luso-Americana pagou-nos, desde o primeiro ano, a vinda de avaliadores estrangeiros e concentramos as nossas sinergias em três ou quatro assuntos. Pela mentalidade portuguesa, teríamos não um, mas catorze pequenos IPATIMUPS e, no seu pequeno mundo cada um era o melhor de Portugal...!

Prev: Quais as consequências reais que o IPATIMUP tem para o Governo português, na perspectiva do investimento e da investigação, tendo em conta a sua projecção internacional?

SS: O Governo tem que consolidar Instituições. Não é dar dinheiro aos bocadinhos. Deve escolher as que lhe mereçam confiança e estabelecer com elas contratos-programa. No fundo, deve avaliar e recompensar. Tem de garantir as regras do jogo.

O Estado tem de introduzir no seu Orçamento Geral o financiamento-base das instituições e, depois, estimulá-las para que ganhem projectos europeus.Agora, não é criar mais função pública. É criar instituições sólidas, com um financiamento de base e, depois, trazer pessoas de fora para uma avaliação isenta.

Seria importantíssimo que o Governo também fizesse, no sistema universitário, o que tem feito no sistema científico: introduzir avaliação e prestação de contas. Deve introduzir-se isso, na Universidade.

Prev: Não considera, então, que o IPATIMUP tem sido subavaliado pelo Governo português...

SS: Não. Não temos nenhuma discriminação O que tem havido é algumas dificuldades nalgumas instituições do Centro e do Norte do país. Temos alguma dificuldade em competir com as instituições de Lisboa e Vale do Tejo que, geralmente, são protegidas.

Há, em Portugal, alguma tendência macrocéfala. Existem quinze laboratórios associados que estão espalhados pelo país, mas só três laboratórios de Estado foram criados na década de 50/ 60 e em Lisboa. Isto é um factor de assimetria assustador.

A capacidade de atrair miúdos para a investigação é muito diferente se se estiver numa região de laboratórios, ou não. No entanto, o meu laboratório tem sido muito bem tratado, dentro desta coisa de não ser lisboeta.

Prev: Que passos deveriam ser dados para fazer regressar a Portugal os investigadores que estão a desenvolver trabalho no estrangeiro?

SS: Criar as condições necessárias. Nós não pagamos mal: é uma questão de ambiente e massa critica e é, sobretudo, um problema institucional...

Não conseguimos criar em Portugal instituições sólidas, quer nas universidades quer nos institutos. Somos muito individualistas. Há um problema minifundiário.

Devíamos criar sinergias para podermos ser competitivos ao nível internacional. Somos competitivos nalgumas pequenas áreas de excelência, mas ganhamos poucos projectos europeus. Intelectualmente, não somos piores do que os outros competidores, o que não temos é nem organização, nem dimensão.

Prev: Tendo em conta a força que Portugal já esteve no Mundo, qual a sua opinião sobre o país de hoje, o que faltou e onde estaríamos?

SS: Hoje em dia, a globalização diminuiu muito a afirmação dos países. Portugal vai continuar a desempenhar o papel que conseguir, sobretudo, se alcançar a optimização das coisas em que somos bons e também as relações com o mundo que fala português e que é latino. Temos que privilegiar a nossa relação com o Brasil e com a África que fala português, até para resolver alguns dos nossos problemas de emprego...

Vamos ter, a curto prazo, um excesso de médicos e de técnicos. Um dos sítios onde devíamos ter uma colaboração muito eficiente e vontade mútua, era na área da Saúde, com o Brasil e com a África que fala português. A Medicina, as Ciências da Saúde, são instrumentos poderosíssimos de articulação entre os povos.

Prev: ...por questões de afinidade linguística!

SS: Não tenho dúvida nenhuma. Se for para os EUA, por exemplo, posso ter sucesso ou não: é um problema individual. Não posso articular uma estratégia com os EUA no domínio da investigação científica ou da Saúde, mas posso ter uma estratégia com o Estado brasileiro ou com um país africano!

Prev: A sua experiência profissional foi-lhe alterando ou enriquecendo a sua definição de Vida e de Morte?

SS: Foi, indiscutivelmente. Sobretudo, durante muito tempo, enriqueceu-me a ideia de Vida. A nossa investigação é, em vida, querer perceber a vida e como se organiza a vida. Com a morte do meu pai e com o nascimento da minha neta, do ponto de vista afectivo, estou muito mais atento ao problema da Morte, da minha morte.

Vamos vendo pessoas morrer, percebendo melhor os problemas do aumento da idade. Depois, há acontecimentos que são muito clarificadores: a morte dos pais (de qualquer um dos pais), é uma pancada. A morte de um irmão é outra, de grande violência, mas é exterior a nós... Percebi que ia morrer quando nasceu a minha neta.

Prev: Considera que o "modus vivendi" das sociedades ocidentais as torna mais vulneráveis às doenças do foro oncológico?

SS: Não, é só porque envelhecem. A não ser o tabaco que é, indiscutivelmente, um poderosíssimo causador de Cancro e os cancros de actividade profissional. Em termos de sociedades ocidentais, temos o tabaco e temos a velhice.

O cancro é uma doença da idade avançada e, por isso, vai continuar a aumentar, mas o número de pessoas que morrem desta doença está a diminuir. Há mais cancros, sobretudo porque, em Portugal, aumentou a esperança de vida o que fez aumentar a probabilidade de prevalência da doença e que é o que já está a acontecer nos países evoluídos.

Prev: E em Portugal há estatísticas fiáveis?

SS: Nós, em Portugal, não temos um registo de cancro nacional com dados actualizados: temos acesso aos dados das nossas Instituições. Por exemplo, eu sei o que se passa no Hospital de S. João. Porque é um grande hospital, posso usá-lo para comparar as tendências. Assim, sei que estamos a ter mais casos de cancro em todos os países do mundo ocidental, mas que não estamos a morrer mais dessa doença.

Prev: Vinte e seis anos após o seu pós-doutoramento, parece-lhe que as novas gerações podem ter esperança que o cancro poderá ter cura?

SS: Mais de metade dos cancros são, hoje, perfeitamente controláveis. A palavra Cancro, é uma palavra perigosa... No pulmão, estômago e pâncreas não estamos a lidar bem com ele. Por outro lado, no cólon, mama, próstata e intestino temos bons resultados.

As leucemias das crianças e os cancros da tiróide e do testículo curamos mais de noventa por cento. Este é um cancro muito frequente nos adultos jovens e está a aumentar, aparentemente, por causa da poluição das águas residuais, com todas as substâncias que parecem hormonas: os plásticos, os pesticidas, as pílulas femininas, etc.

Prev: É da opinião que não se deve esconder o estado do doente, como acontece, por exemplo nos EUA, ou considera preferível não dizer a uma pessoa que sofre desta doença, que não lhe resta muito tempo de vida?

SS: Isso é muito interessante. Nunca falei com um doente com cancro, enquanto seu médico. Sou contactado por um cirurgião, por um internista ou por um oncologista que me diz: "estude este caso e diga o que é que acha"...

A minha comunicação é com esse internista ou com esse cirurgião. Não tenho nenhuma experiência de comunicar aos doentes como profissional.

Como pessoa que anda metida nisto, tenho que arranjar um compromisso. Nunca podemos mentir aos doentes: temos é que se perceber muito bem como é que se diz a verdade.

A experiência que eu tenho, através de colegas com quem falo diz que quando um médico conhece o doente e vice-versa, o doente advinha pela expressão facial do médico, pela tristeza, que ele não tem boas notícias. Ora, se o médico demonstrar respeito, ternura, o doente sente-se mais à vontade para fazer algumas perguntas que são cruciais. E o próprio doente descobre a verdade. Tem que se ser muito cuidadoso…

Há outra coisa que é muito importante: é uma burrice dizer a uma pessoa que tem um tempo limitado de vida. O que se pode dizer é que: "Com a doença que o senhor tem, nesse estadio, pode durar muito, mas pode durar pouco. Se tem algum problema a resolver, resolva..."

Outra coisa que é preciso dizer aos doentes, é que, hoje em dia, há respostas terapêuticas inesperadas. Não vou dizer que o vou curar. Não vou mentir-lhe!... mas dizer-lhe que, se fizer a terapia indicada, há casos que têm muito boa resposta. Há que introduzir no doente alguma esperança, que não seja mentirosa, mas que seja reconfortante.

um dia ideal é «chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana»...

Com uma forte ligação à família, que considera o seu porto de abrigo, para Sobrinho Simões, um dia ideal é «chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana»...

Pessoas revista: Professor, tem hobbies?

Sobrinho Simões: Se tiver de identificar a minha obsessão maior, é o ler, porque foi o que perdi em relação à vida que levo. Para a lém disso, gosto de desportos colectivos e de andar junto do mar e da serra.

Por outro lado, como um terço dos meus fins-de-semana não são passados em Portugal, quando estou cá, vou para Arouca e para Vila Praia de Âncora, e aí ando de bicicleta. Também gosto muito de viajar e voltar aos sítios onde já estive.

Prev: ...e que temas gosta de ler?

SS: Gosto de ler tudo, com o disse, é de longe, a minha actividade favorita. Também sou um leitor obsessivo de jornais. Gosto de informação através do suporte físico.

Prev: Como é, para si, um dia ideal?

SS: Levantar-me com tempo para tomar o pequeno-almoço e ler os jornais. Num dia ideal, consigo ter tempo para ir almoçar com amigos ou a casa da minha mãe e poder "escapar", chegar a casa mais cedo para estar com a minha neta, a Mariana. Ler e ver um filme, também faz parte de um dia ideal.

Prev: Que papel tem a família na sua vida?

SS: Venho de uma família numerosa. Fui educado de uma forma patriarcal e matriarcal. Só aguento a vida que levo porque tenho uma família que me dá todo o apoio. A família é a única coisa que me liga de forma segura ao Mundo, é a grande instituição onde tenho a minha âncora.

Prev: Tem uma palavra para se definir?...

SS: "Professor"! ...porque é aquilo que gosto de ser, de ensinar e aprender.

Prev: Tem um lema para a vida?

SS: Trabalhar! Tiro muito prazer do trabalho. No limite, penso que ganhávamos em passar para as novas gerações que, seja qual for a evolução do mundo, há uma coisa segura: não conseguimos nada sem trabalho.

José Rodrigues: «as pessoas quando são velhas têm muitas histórias»

Foi nos jardins do convento de S. Paio, nas terras de Cerveira que a Pessoas revista encontrou o Mestre José Rodrigues a meditar entre as suas esculturas, que abençoadas pela aura franciscana se transformaram em seres íntimos e divinos. Debruçadas sobre a ilha dos amores e protegidas pelos montes que as cercam, as estátuas trocam com os visitantes deste convento-atelier-museu olhares de silêncio e cumplicidade.

Encontramos no convento a sua colecção de desenhos reunidos numa galeria onde estão expostos exemplares de Vieira da Silva, Augusto Gomes, Poussin, Dordio, Almada Negreiros, Soares dos Reis, entre muitos outros.

A capela barroca acolhe neste momento uma exposição ecuménica, que compreende deuses de várias culturas e séculos. Além destes espaços, existe também uma exposição de barros, à qual este escultor que diz ter mãos, de lavrado, porque são toscas… atribuiu o título de "Modelação".

Por: Rita Homem de Mello

Pessoas revista – Mestre, como caracteriza o seu percurso artístico?
José Rodrigues – Fiz Medalhística, Teatro, muitos desenhos para livros… A Medalha é uma prateleira que tenho mais na minha cabeça, no entanto, devo dizer que tive sorte porque desde muito cedo entrei para o Teatro.

Dediquei muito da minha vida ao Experimental, à Cooperativa Árvore, a Cerveira e Trás-os-Montes. Tenho sido uma espécie de cigano andante...! Onde chego tenho uma tese para semear! Às vezes nascem coisas bonitas, outras vezes… Nem sempre tudo corre bem, sobretudo quando se fazem propostas fora do tempo. E eu fiz uma proposta fora do tempo, em Cerveira, quando avancei com a Escola Superior de Arquitectura.

Ninguém acreditava, achavam que era contra natureza fazer uma Escola Superior aqui. Eu disse ao Ministro Valente de Oliveira que era aqui que eu queria fazer a Escola. Achava que era aqui havia condições.

Não era um capricho meu, porque aqui bem perto descia a Galiza e, antigamente, a Galiza não tinha nada...

Prev – Mas foi um dos fundadores da Cooperativa Árvore... Hoje, como descreve a situação do ensino das artes em Portugal?

JR – Sim, criei, no Porto, a primeira Cooperativa de Ensino do país - a Árvore 3 - porque existe também a Escola de Artes e Ofícios, em Cerveira e no Porto, e há a Árvore - Casa Mãe, que deu origem a tudo isto. Hoje, já são outros directores.

Neste momento, a Árvore – Casa Mãe, atravessa um período muito grave. Grave, mas não mete medo... As pessoas quando são velhas têm muitas histórias. Boas e más.

Eu tive uma história logo ao 25 de Abril e essa sim foi terrível. Foi quando puseram a grande bomba nos edifícios culturais e a minha casa recebeu a maior bomba do país, tivemos essa honra… Destruiu a casa completamente, mas ao mesmo tempo, o Porto respondeu com muita afectividade. As pessoas diziam-me «coragem Zé, coragem!» e, de repente, houve uma solidariedade que eu não sabia que existia.

Não sabia que nós éramos tão conhecidos e amados pelo Porto! Foi um momento lindo e, em pouco tempo, a Árvore estava-se a pôr de pé. Os subsídios vinham de todo o lado.

Hoje, a crise é outra. Uma crise tem a ver com tudo, porque nada é isolado. E esta é uma crise económica... A Árvore tem-se tentado adaptar aos tempos, mas nós ainda não nos conseguimos adaptar ao tempo que está a acontecer neste momento. Há grandes modificações, as vendas são outras, os públicos a atingir também…

As grandes superfícies dão cabo dos pequenos mercados. Vendíamos muita pintura. Hoje, a pintura não se vende. No meio de tudo isto temos de descobrir novos produtos, o múltiplo, coisas mais pequenas… temos de inventar!

Prev – De tantos, qual é o material com que prefere trabalhar?

JR – Eu trabalho com tudo. Não tenho preferência. Tudo é nobre, desde o barro do homem da caverna, ao metal mais precioso! Não tenho preconceitos contra nada. Cada material tem as suas características. Em bronze faço determinadas coisas que não posso fazer em madeira, em madeira faço outras que não posso fazer em gesso, em gesso faço o que não posso fazer em areia...! Enfim, exploro conforme os materiais. Não há materiais novos. O Homem quer obra!

Prev – E gosta muito de enquadrar as suas obras com jogos de água...

JR – A água, o fogo, são coisas muito antigas. A água nasceu connosco, no ventre da mãe e é elemento de grande importância. É, ao mesmo tempo, o sítio onde tudo se vai depositar. As minhas emoções, as minhas experiências, as minhas frustrações vão para um grande poço onde se vai depositando o que é sujo e, passados uns anos, a água acaba por sair cristalina.
Para mim, a água é o cristalino. Ajuda a revelar-se. Às vezes utilizo a água e também uma coisa que é irmã da água, o espelho, que me ajuda a revelar-me e a revelar outros.

Prev – Os temas mitológicos são muito fortes nas suas obras. Qual a razão deste fascínio?

JR – Como bom transmontano que sou (porque sou meio transmontano, meio africano), a mitologia faz parte de mim. Eu sou um contador de histórias e conto-as desenhando, modelando, fazendo teatro.

Estou sempre a contar histórias...! Os transmontanos gostam muito de falar... a oralidade é o principal meio que escolheram para comunicar e como também sou judaico-cristão, desde sempre fui muito marcado pela Igreja. Desde pequenino fui educado a rezar o terço com as minhas tias, por isso, todo esse caminhar foi importante para mim.

Prev – Considera que ainda há lugar para os jovens talentos, em Portugal?

JR – Há muito espaço para os jovens. Não quero ser paternalista, mas os jovens têm de dar a mão ao passado e caminhar em frente!

Prev – Continua ligado à Bienal de Cerveira?

JR – Eu pertenço à Bienal. Eu fico sempre ligado às coisas que faço.

Júlio Resende: «as cores, às vezes, não têm nome»

Eram 10.00h da manhã quando chegámos ao Lugar do Desenho. Tínhamos ido ao encontro do Mestre Júlio Resende. O espaço é inigualável, as flores tranquilizam o ar e as paredes são nuas, para que as cores dos jardins se destaquem e a imaginação não se prenda. Entretanto chegou. Só a sua figura sente o peso das quase nove décadas de vida porque a sua mente tem o tamanho do Mundo sobre todas as formas e expressões pois…

Por: Rita Homem de Mello

Prev- Antigamente, os artistas mantinham fortes laços de cumplicidades, que, hoje, são invisíveis. De que forma viveu essa época?

JR- Era um tempo em que não havia regras, mas conceitos e não havia quem contrariasse os nossos, no campo das artes. Havia escritores que teriam um lado mais filosófico, contudo a Pintura estava mais cingida à realidade… não estávamos muito avançados.

Antes, eu via o mundo de outra maneira. Eu vinha de um meio cultural que derivava de um romantismo, que ainda se mantinha. Então, pensava que a Pintura seria o resultado do mundo exterior e que seria vista a partir do sensível de cada um… A Pintura era o resultado de um estado sensível e não de um estado espiritual…

Prev- Fale-nos um pouco da sua relação com Pedro Homem de Mello e Eugénio de Andrade.

JR- O Pedro e eu tínhamos uma diferença de idades e ele era um homem das letras enquanto eu, das plásticas. Eu era muito jovem quando tive um programa de rádio com os meus irmãos e para o qual resolvemos convidá-lo. Ele, com a sua magnífica voz e com um timbre que reflectia uma sensibilidade extraordinária, era o homem que via a poesia nos gestos das pessoas. Via o mundo com outra perspectiva. Convidámo-lo para porque nos interessava a sua poesia pura... há muitas maneiras de ver a poesia.

Quanto ao Eugénio, ele era possuidor de uma coisa muito dele. O Pedro e o Eugénio eram pessoas muito diferentes, com feitios muito distintos. Dei-me com os dois, mas nunca foi em simultâneo. Primeiro, privei com o seu avô, ele era professor, também como eu, e tínhamos espaços semelhantes.

Prev- Como descreve este afastamento entre os artistas de hoje...?

JR- Estamos a atravessar um momento em que o afastamento não é como alguém que limpa um espaço e varre tudo. Amanhã, a História vai ser vista de modo diferente. Há factos que vão ser procurados e a História vai saber como é.

Nos anos 30/40 ninguém falava de Arte Contemporânea. Claro que havia Arte, mas não tinha nome! Hoje, ninguém se apercebe porque ninguém toma atenção. O artista tem a preocupação (que não é lícita), de mostrar que está tudo mal. Mas, amanhã, vamos ver que a Arte são duas coisas em simultâneo: é a perspectiva de um futuro e é o não acabar com a harmonia, porque Arte sem harmonia não interessa ao Homem.

A Arte é algo vital, que resulta de um embate de ideias. É a perspectiva de algo que não se sabe o que é… A obra sai do coração e, só depois, a razão a encontra e lhe dá justificação.

Prev- Ensinou décadas na Faculdade de Belas Artes do Porto. De facto, a Arte ensina-se?

JR- Dava aulas de Desenho Geométrico e de Desenho à Vista... não era muito desligado do que queria ser, porém, nunca na minha vida quis dar conceitos irrecusáveis.

Penso que a cabeça é para reflectir. Eu prefiro duvidar. Disse no Ministério da Educação que a Arte não se pode ensinar, o que foi um escândalo! Não se pode ensinar porque não se domina por conceitos, senão todos pintavam de igual modo. A Pintura é uma pessoa a andar, a respirar…tal como a Poesia.

Prev- O que é, para si, o Lugar do Desenho?

JR- Lugar do Desenho é o resultado de um plano que tive toda a vida. Um plano a pensar numa finalidade comum. O Lugar do Desenho é um lugar simples de paredes nuas e com um jardim bem tratado. Eu gosto muito das flores e acredito que o Mundo se pode apreciar num palmo de terra…

Quis, com este lugar, abrir perspectivas para que as pessoas sintam, dentro de si, a Arte. Aqui não há visitas guiadas, mas acompanhadas. As pessoas têm que perceber por si e é no diálogo que se entendem. Isto não é para fazer artistas: é para evitar que uns entendam e outros não percebam nada. Pôr as pessoas a ver para lá do olhar, porque o olhar é diferente do ver.

Prev- A sua obra pode ser dividida em fases?

JR- Catalogar é só para arrumar as coisas nas suas gavetas. O público não tem nada a ver com o que vi em Goa ou no Brasil! Para o artista, o que é importante é sentir que o seu trabalho foi altamente solicitado, por questões novas.

A Pintura é uma estrutura que compreende cores, gestos e valores. O quadro é sempre uma arquitectura. Se o pintor vai ao Brasil, vê como se está a sentir e quando vai desenhar, o resultado desse sentir é diferente da visão que tem da Europa. Para mim, a Europa tem regras muito rígidas. Quando cheguei à América do Sul vi que as regras não fazem sentido e que os espaços são natureza geo-humana que determina o modo do pintor estruturar o seu quadro.

Prev- Tem uma cor preferida?

JR- Não gosto de nenhuma cor ou gosto de todas...! Pode haver um quadro de uma só cor ou de todas! As cores não se podem medir porque, às vezes, não têm nome…

Editora de Arte e de Sonhos

Ricardo e Adriana iniciaram há cinco anos um sonho: em Vila Nova de Gaia, deram os primeiros passos na criação da Corpos editora, à qual eles chamam

Por: Rita Homem de Mello

Completou cinco anos em Maio de 2005 e já lançou cerca de 150 artistas. Ricardo de Pinho Teixeira e Adriana Pereira são a alma desta editora que apela à renovação, ao livro aberto para todos.

A postura vanguardista da Corpos respeita o clássico, mas acredita que a Cultura pode ser desmistificada para chegar ao maior número de pessoas. A criatividade e o espectáculo são, para este casal, a maneira ideal de fazer com que a poesia alargue o seu horizonte de leitores.
É por acreditarem que conseguem encorajar mais pessoas a entrar no êxtase da leitura, que Ricardo e Adriana se esforçam por libertar o livro, aliando-o outras expressões artísticas à sua apresentação: «Queremos mostrar diversas vertentes ao mesmo tempo», diz Adriana com a intenção de conquistar um público que, à partida, seria difícil.

Na sua essência, a Corpos quer mostrar que a Arte é acessível para todos e «se a desmistificarmos podemos acabar com o feudalismo intelectual que ainda vigora no nosso país», comenta Ricardo com certa revolta.

A provar esse pensamento estão os "maços de poemas" concebidos pela Corpos. «A ideia é transformar objectos vulgares, como maço de cigarros ou tubos de ensaio, em palavras mágicas que alimentam o vício dos mais curiosos», explicam enquanto apresentam as suas inovações.
«Ousadia e determinação, inspiração e transpiração» são armas que Ricardo e Adriana afirmam na luta do universo livreiro. Isto porque «é difícil introduzir um novo autor num país onde não se lê», mas a Corpos acredita e, por isso, preferem a qualidade à quantidade.

Até hoje já tiraram da sombra 150 corpos literários que até há cinco anos eram desconhecidos das estantes de muitas livrarias e estavam longe da animação das noites literárias do Púcaros, Pinguim, Guarani e outros.

Até ao livro sair, tudo fica a cargo da editora, a primeira edição, a estética da apresentação, a parte gráfica e a distribuição que é selectiva porque nem todas as livrarias aceitam apostar em novos talentos. O preço dos livros é acessível, andando à volta dos quinze euros cada.

Os lançamentos são feitos, geralmente, na noite citadina. Ricardo e Adriana são da opinião que a noite se adequa melhor ao espírito da Corpos. «Queremos surpreender, invadir, mostrar algo diferente a pessoas que nunca entram numa livraria...», o que os faz preferir os espaços onde se possa tomar um copo e ao, mesmo tempo, desfrutar de sons e gestos poéticos».

«O lançamento tem que ser o rosto do autor e é importante fazermos com que o artista acredite em si próprio!», afirma Adriana. O facto de ser uma editora pequena, facilita a parte humana e sensível que se estabelece na relação entre a Corpos e o seu público-autor.

Na Corpos encontramos desde a prosa à poesia; dos contos às histórias infantis; da fotografia, à pintura e também diferentes idades e perfis de autores.

«Já editámos pessoas com convicções mais comuns até professores catedráticos… Há várias formas de ilustrar a literatura, de a declamar, encenar, até porque é nos lançamentos que os artistas se dão a conhecer ao público e, por isso, é importante marcar a diferença» esclarem os editores.

Ricardo frisa a ideia de que, hoje em dia, tudo está ligado ao Marketing e à Publicidade e, por isso, para a Corpos, a ideia de inovar é um conceito fundamental «até para o Estado que obriga a editora a oferecer onze exemplares por edição enquanto que, por exemplo nos Estados Unidos, o Estado é obrigado a comprar 15 por edição! …Talvez se se começasse por aqui, muitos dos problemas nacionais acabariam, particularmente o da subsídio-dependência…»