01 junho, 2006

Júlio Resende: «as cores, às vezes, não têm nome»

Eram 10.00h da manhã quando chegámos ao Lugar do Desenho. Tínhamos ido ao encontro do Mestre Júlio Resende. O espaço é inigualável, as flores tranquilizam o ar e as paredes são nuas, para que as cores dos jardins se destaquem e a imaginação não se prenda. Entretanto chegou. Só a sua figura sente o peso das quase nove décadas de vida porque a sua mente tem o tamanho do Mundo sobre todas as formas e expressões pois…

Por: Rita Homem de Mello

Prev- Antigamente, os artistas mantinham fortes laços de cumplicidades, que, hoje, são invisíveis. De que forma viveu essa época?

JR- Era um tempo em que não havia regras, mas conceitos e não havia quem contrariasse os nossos, no campo das artes. Havia escritores que teriam um lado mais filosófico, contudo a Pintura estava mais cingida à realidade… não estávamos muito avançados.

Antes, eu via o mundo de outra maneira. Eu vinha de um meio cultural que derivava de um romantismo, que ainda se mantinha. Então, pensava que a Pintura seria o resultado do mundo exterior e que seria vista a partir do sensível de cada um… A Pintura era o resultado de um estado sensível e não de um estado espiritual…

Prev- Fale-nos um pouco da sua relação com Pedro Homem de Mello e Eugénio de Andrade.

JR- O Pedro e eu tínhamos uma diferença de idades e ele era um homem das letras enquanto eu, das plásticas. Eu era muito jovem quando tive um programa de rádio com os meus irmãos e para o qual resolvemos convidá-lo. Ele, com a sua magnífica voz e com um timbre que reflectia uma sensibilidade extraordinária, era o homem que via a poesia nos gestos das pessoas. Via o mundo com outra perspectiva. Convidámo-lo para porque nos interessava a sua poesia pura... há muitas maneiras de ver a poesia.

Quanto ao Eugénio, ele era possuidor de uma coisa muito dele. O Pedro e o Eugénio eram pessoas muito diferentes, com feitios muito distintos. Dei-me com os dois, mas nunca foi em simultâneo. Primeiro, privei com o seu avô, ele era professor, também como eu, e tínhamos espaços semelhantes.

Prev- Como descreve este afastamento entre os artistas de hoje...?

JR- Estamos a atravessar um momento em que o afastamento não é como alguém que limpa um espaço e varre tudo. Amanhã, a História vai ser vista de modo diferente. Há factos que vão ser procurados e a História vai saber como é.

Nos anos 30/40 ninguém falava de Arte Contemporânea. Claro que havia Arte, mas não tinha nome! Hoje, ninguém se apercebe porque ninguém toma atenção. O artista tem a preocupação (que não é lícita), de mostrar que está tudo mal. Mas, amanhã, vamos ver que a Arte são duas coisas em simultâneo: é a perspectiva de um futuro e é o não acabar com a harmonia, porque Arte sem harmonia não interessa ao Homem.

A Arte é algo vital, que resulta de um embate de ideias. É a perspectiva de algo que não se sabe o que é… A obra sai do coração e, só depois, a razão a encontra e lhe dá justificação.

Prev- Ensinou décadas na Faculdade de Belas Artes do Porto. De facto, a Arte ensina-se?

JR- Dava aulas de Desenho Geométrico e de Desenho à Vista... não era muito desligado do que queria ser, porém, nunca na minha vida quis dar conceitos irrecusáveis.

Penso que a cabeça é para reflectir. Eu prefiro duvidar. Disse no Ministério da Educação que a Arte não se pode ensinar, o que foi um escândalo! Não se pode ensinar porque não se domina por conceitos, senão todos pintavam de igual modo. A Pintura é uma pessoa a andar, a respirar…tal como a Poesia.

Prev- O que é, para si, o Lugar do Desenho?

JR- Lugar do Desenho é o resultado de um plano que tive toda a vida. Um plano a pensar numa finalidade comum. O Lugar do Desenho é um lugar simples de paredes nuas e com um jardim bem tratado. Eu gosto muito das flores e acredito que o Mundo se pode apreciar num palmo de terra…

Quis, com este lugar, abrir perspectivas para que as pessoas sintam, dentro de si, a Arte. Aqui não há visitas guiadas, mas acompanhadas. As pessoas têm que perceber por si e é no diálogo que se entendem. Isto não é para fazer artistas: é para evitar que uns entendam e outros não percebam nada. Pôr as pessoas a ver para lá do olhar, porque o olhar é diferente do ver.

Prev- A sua obra pode ser dividida em fases?

JR- Catalogar é só para arrumar as coisas nas suas gavetas. O público não tem nada a ver com o que vi em Goa ou no Brasil! Para o artista, o que é importante é sentir que o seu trabalho foi altamente solicitado, por questões novas.

A Pintura é uma estrutura que compreende cores, gestos e valores. O quadro é sempre uma arquitectura. Se o pintor vai ao Brasil, vê como se está a sentir e quando vai desenhar, o resultado desse sentir é diferente da visão que tem da Europa. Para mim, a Europa tem regras muito rígidas. Quando cheguei à América do Sul vi que as regras não fazem sentido e que os espaços são natureza geo-humana que determina o modo do pintor estruturar o seu quadro.

Prev- Tem uma cor preferida?

JR- Não gosto de nenhuma cor ou gosto de todas...! Pode haver um quadro de uma só cor ou de todas! As cores não se podem medir porque, às vezes, não têm nome…

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