01 maio, 2006

Universidades Sénior

Têm um olhar vivo, penetrante, como se tivessem a vida toda pela frente. Estudam com a mesma vontade e empenho dos jovens. Ou talvez mais. Falam-nos com alegria das matérias, dos professores, das metas a atingir. O que deveria ser um complemento, transforma-se na razão principal.

Por: Maria de Fátima Assunção

Encontramos na Associação Social, Cultural e Artística para a Universidade do Autodidacta e Terceira Idade do Porto (UATIP), um ambiente acolhedor, propício à aprendizagem, mas e acima de tudo, ao convívio, à proximidade entre as pessoas, à preocupação com o outro.

Actualmente com cerca de quinhentos alunos, iniciou a actividade em 1991, com oitenta. Nasceu da vontade e tenacidade de Maria Teresa Mota, fundadora e presidente da direcção, que acreditou desde o início neste projecto. Inicialmente, tiveram o apoio do Executivo Camarário de então, liderado por Fernando Gomes, que lhes dispensou uma casa localizada na Rua da Constituição.

Foi o ponto de partida para um projecto de sucesso e do qual tem um grande orgulho. A direcção e a secretaria trabalham em regime de voluntariado, dedicando aqui grande parte do seu tempo. Fazem-no por altruísmo e com muita alegria. Oferecem um leque variado de disciplinas (cerca de trinta e seis) que vão desde Alemão, passando pela Biologia, Psicologia, História, até às Artes Decorativas e Ginástica.

Estas universidades não se destinam só aos que não tiveram, na devida altura, oportunidade de estudar, mas também aos que querem preencher algum vazio que a idade vai dando e reaprender o que provavelmente já esqueceram: «inicialmente, pensei que se destinava a pessoas que não tinham tido oportunidade de estudar quando jovens. Mas não é assim. Aparecem-me muitas pessoas licenciadas, algumas até vêm recomendadas por psiquiatras. Aqui dão um sentido à vida» referiu-nos Maria Teresa.

É importante que as pessoas possam sentir-se úteis, membros activos de uma sociedade em constante movimento. «Sou voluntária da secretaria e ao mesmo tempo aluna. Aqui preencho um vazio que se tinha instalado na minha vida» confessou-nos Liberta Hermengarda, de 70 anos cheios de vida.

Os professores são preferencialmente jovens, para se conseguir uma interacção entre gerações. João Vieira Gouveia, de 34 anos, responsável pela disciplina de Canto Coral, admitiu que alguns alunos manifestam algumas dificuldades: «as pessoas têm o seu ritmo e depois é uma questão de tempo. Alguns alunos têm, naturalmente, dificuldades de concentração. No entanto, as pessoas têm determinadas metas a cumprir e querem cumpri-las».

Mas há os que, apesar da idade, conseguem desenvolver as suas capacidades culturais e artísticas: «tivemos uma aluna que conseguiu desenvolver de tal forma as suas capacidades artísticas, que agora expõe e até tem um certo mercado» disse-nos João Gouveia.

A solidão

Muitas pessoas encontram aqui uma forma de colmatar a solidão que se instalou nas suas vidas.

É o caso de Alexandre Ribeiro da Silva, que chegou à UATIP com uma profunda depressão, motivada pela morte da mulher. Conseguiu ultrapassá-la com o convívio e com a solidariedade que encontrou aqui: «cheguei em Janeiro de noventa e seis e nunca mais deixei de frequentar esta Universidade. Sinto-me outro. Esta é a minha segunda casa. Com uma particularidade: a senhora directora deu-me a chave para poder vir para cá quando quiser. Isso é muito importante O problema é quando estou de férias...» confidenciou-nos.

A componente lúdica é tida como um dos factores essenciais, que se manifesta através de visitas de âmbito cultural, espectáculos e viagens que realizam regularmente: «todos os anos damos um espectáculo de fim de ano» referiu-nos Maria Teresa

Os filhos abandonaram há anos o ninho, apareceram os netos, vê-se a vida de outra forma, com menos ansiedade mas muita curiosidade. Por vezes, sentem na carne a solidão mas procuram minimizá-la. Sabem que o mundo mudou, mas querem fazer parte integrante dele. Não desistem, não soçobram, não calçam as pantufas. Vivem um dia de cada vez. Não será que têm razão?

A Douro Sénior

A Douro Sénior nasceu em mil novecentos e noventa e nove e tem as suas instalações num dos locais mais aprazíveis da cidade do Porto, a Foz do Douro. As salas são espaçosas, com muita luz, bem equipadas. Apercebemo-nos que não foi descurado o mais pequeno pormenor para que as pessoas se sintam confortáveis. A sala de convívio e salão de chá corroboram a nossa impressão.

Actualmente com cerca de duzentos alunos, tem como director Mário Dias, licenciado em filosofia. Decidiu que era necessário levar por diante um projecto que poderia colmatar uma das lacunas da sociedade – minimizar a solidão dos mais velhos: «o motivo que me trouxe até aqui é meramente social. Este é um projecto muito interessante. As pessoas, a partir de uma certa idade, não têm como passar o seu tempo com um mínimo de qualidade intelectual. Estas Universidades podem ser a resposta» assegurou-nos.

Com uma propina mensal de quarenta euros os alunos podem inscrever-se em três disciplinas, como pacote mínimo. Por cada disciplina a mais que queiram frequentar pagam cinco euros. «Não temos fins lucrativos, mas também nunca nos foi dado nenhum apoio camarário ou outro. Tudo o que as pessoas pagam é investido em salários e equipamento» assegurou-nos.
Promovem conferências, colóquios e há sempre espaço para as viagens quer em Portugal, quer no estrangeiro.

Há também uma grande preocupação no recrutamento dos docentes, que exigem de grande nível académico: «procuramos actividades lúdicas, mas exigimos que os nossos docentes tenham um elevado nível académico. A maior parte dos nossos professores são mestres ou doutorados no activo, o que não é comum neste tipo de universidades» acrescentou ainda.

Foi no salão de chá que encontrámos Maria Eugénia Sá Coutinho de setenta e nove anos, Assistente Literária Principal da RDP, reformada há anos dessas funções. Com uma imensa alegria de viver, de gargalhada contagiante e pessoa de grande cultura. Contudo, não foi a solidão que a fez voltar a aprender: «as fases da vida sucedem-se umas às outras. Não tenho tempo para a solidão. Tenho tido algumas dificuldades económicas e psicológicas, mas nunca parei de estudar.

Antes de se despedir de nós, confidenciou-nos: «a minha disciplina favorita é Literatura Portuguesa. Tenho grande fascínio por estas matérias»