28 maio, 2005

Fuga ao desemprego

Se antigamente um “canudo” era a chave para se ser alguém na vida, hoje em dia apenas é um papel entre tantos iguais. Com a entrada de Portugal para a União Europeia, os horizontes alargaram-se deixando espaço para o desenvolvimento. Mas se, por um lado o desenvolvimento é positivo, por outro, parece dificultar cada vez mais o dia-a-dia.

Por: Cátia Videira

O mesmo pensa Maria Clara Silva, uma desempregada com 57 anos: «é muito complicado. As firmas fecham, saem de Portugal e cada vez o desemprego é mais elevado!» Maria Clara sente a idade pesar, o que não ajuda nada «...sendo mais de 50 anos, já não me aceitam em lado nenhum!...»

Pela experiência de vida que Maria Clara tem, a solução para acabar com o desemprego era muito fácil: «as firmas deveriam chegar a um acordo, ou seja, abrir empresas que oferecessem um certo salário (por exemplo, €250). Depois, quem quisesse esse ordenado base ia, quem não quisesse, não ia! Penso que evitaria a procura de mão de obra mais barata fora do país», sugere.

No entanto, e apesar da crise, hoje em dia quem está no desemprego é visto com maus olhos. Rita Abrantes, educadora de infância sem trabalho, diz-nos que «as pessoas não nos encaram: há sempre uma cara estranha e há sempre a resposta “não queres é trabalhar!”...É muito difícil numa situação destas arranjar ânimo para continuar a lutar». Para esta jovem de 30 anos, Portugal teria de «criar melhores condições de trabalho» pois, para ela, muitas vezes «existem os postos de trabalho, mas não têm condições» o que não aumenta a competitividade.

Por seu lado, os apoios do Estado também são poucos, no entanto «o fundo de desemprego não deveria acabar, pois a qualquer hora podemos estar na rua», afirma Elvira Lopes, de 45 anos, empregada de limpeza, «apesar de, para certas pessoas ele ser uma miséria, as despesas são certas e é tudo muito complicado sem alguma ajuda...»

Muitos dos desempregados nesta situação acabam por se endividar ao pedir emprestado para sobreviver. Elvira Lopes teve sorte: conseguiu emprego. Não foi bem na área que procurava, no entanto, diz ter tido «melhorias na vida, pois sempre é um ordenado fixo no fim do mês». Assim, Elvira aconselha a lutar com persistência, pois «lutando pode-se sempre arranjar alguma coisa porque estar no fundo de desemprego não chega...!».

Exemplo de sucesso

Quando entramos num centro de emprego, encontramos pessoas de qualquer faixa etária, e isso é desanimador. Porém, nos dias de hoje, ideias empreendedoras vão surgindo.

Na zona de Viseu está em construção uma Ecopista no desactivado ramal ferroviário do Dão, entre Viseu e Figueró. Este espaço será dotado de um espaço central, com três metros de largura, revestido a “flurry” (um material aderente), destinada à circulação de bicicletas, cavalos e outros meios de transporte.

Mas o que este espaço tem de verdadeiramente espantoso é o facto deste investimento contemplar exclusivamente jovens licenciados no desemprego, em particular, na área da Educação Física.

Fernando Ruas, presidente desta autarquia, refere que se pretende que «seja assegurado o acompanhamento dos utilizadores da Ecopista; que promovam acções pedagógicas, orientando e ensinando práticas desportivas básicas, como correr ou andar de bicicleta correctamente».

Embora este trabalho só vá ser desenvolvido aos fins-de-semana, visto que é nesses dias que se prevê uma maior utilização da futura estrutura de lazer, os concorrentes não perdem coragem e garantem que se vão esforçar.

Como garante Elvira Lopes, os desempregados dos dias de hoje podem vir a ser «os génios do futuro», basta poderem ter uma oportunidade para que tal aconteça

A presença feminina em áreas de trabalho masculinas

As mulheres têm conseguido, cada vez mais, infiltrar-se em actividades e profissões quase exclusivas dos homens. Resta saber: serão elas tratadas de igual para igual?

Por: Leonora Gonçalves

“Aos homens, os seus direitos, e nada mais; às mulheres, os seus direitos e nada menos”. A frase é de Susan B. Anthony, uma das primeiras feministas da história do século XIX. Hoje, enfrenta-se o terceiro milénio e podemos afirmar que grandes transformações se procederam na sociedade ocidental. As mulheres têm direitos que Susan jamais imaginaria e, contudo, continuam a procurar um estatuto de igualdade ao escolher profissões porque lhes agrada, e não porque são ‘adequadas’ às mulheres.

Apesar da constatação de que a presença da mulher no mercado de trabalho é uma realidade incontornável, muitas das justificativas dos empregadores para não contratarem mulheres ainda se prende a uma classificação estanque dos papéis do Homem e da Mulher. Nos empregos dominados por homens, este preconceito observa-se de forma ainda mais marcante.
De acordo com Lina Coelho, docente da Faculdade de Sociologia de Coimbra, «ainda há uma ideia pré-concebida de que algumas actividades profissionais são para homens e outras para mulheres».

Lina Coelho vai ainda mais longe ao afirmar que há uma concepção generalizada de que «as mulheres irão, eventualmente, abandonar os seus empregos para terem filhos e que, portanto, o emprego deve ser atribuído a um homem porque permanecerá no emprego e dará menos encargos à empresa». A docente diz constatar que «esta é uma realidade que requer uma preocupação adicional nos países latinos, sociedades caracterizadas por uma visão muito tradicionalista da mulher».

Segurança no Feminino

Virgínia Aguiar, oficial de segurança do Instituto de Medicina Legal no Porto, é segurança há 11 anos e diz, no entanto, nunca ter tido problemas com os colegas de trabalho: «no meu emprego anterior só havia homens e senti-me sempre à vontade», afirma. De acordo com Virgínia, «alguns homens ainda têm dificuldade em aceitar as mulheres em posições de autoridade... Quando apanho o autocarro para o emprego, vejo que alguns parecem ter um certo medo e nem se sentam ao meu lado», diz.

No que diz respeito à presença de mulheres na sua profissão de segurança, Virgínia afirma que existem muitas na área da segurança «e, até, como guarda-costas!». Lamenta, no entanto, que um homem consiga emprego na sua área muito mais facilmente que uma mulher: «as empresas ainda pensam que um homem impõe mais respeito do que uma senhora», lamenta.

No que respeito à escolha de uma profissão de algum risco, a funcionária do Instituto de Medicina Legal diz que sua profissão «é tão perigosa como outra qualquer». E acrescenta, irónica: «conduzir nas estradas é de certeza mais perigoso». Virgína confessa ter tido alguma preocupação por parte dos seus familiares quando escolheu ser oficial de segurança: «ficaram com algum receio, mas viram que era o que eu queria fazer e conformaram-se!...», conta.

Mulher ao volante

Emília Silva, taxista há 5 anos, diz ter escolhido a profissão simplesmente porque gosta e não vê nenhuma razão para que uma mulher não deva ser motorista de táxi. «Eu volto todos os dias para casa às 10 horas da noite, não corro perigo e ganho o meu dinheiro: é um emprego como outro qualquer», afirma.

A taxista refere que nunca sentiu nenhum tipo de preconceito por parte dos passageiros. «Eles bem ficam surpreendidos e olham-me com um ar de curiosidade, mas têm respeito», explica. Segundo Emília, o problema, com efeito, centra-se nos colegas de profissão. Os taxistas têm uma atitude antipática com Emília, que não se sente bem-vinda na sua paragem de táxis.

O preconceito no trânsito está presente no dia a dia da taxista, que revela ser alvo constante do nervosismo de alguns condutores. Mas salienta que esta não é uma realidade apenas das taxistas, mas de todas as mulheres que costumam conduzir um carro. E como reagem os taxistas à presença de um membro feminino na frota? «Não conheço nenhuma senhora taxista!...» e não prestaram mais declarações.

Correio!

Ouve-se o som estridente da campainha e, ao atender, o morador ouve uma voz feminina a pedir que abram-lhe a porta. “É o correio!” anuncia, rapidamente, Maria João Ribeiro, funcionária dos CTT do Porto há 8 anos. Para saber perceber melhor o dia-a-dia de uma carteira, a ‘Pessoas revista’ seguiu-a, porque «o correio tem que ser entregue a horas!», informa-nos seriamente.

Para Maria João, há muito poucas mulheres no serviço de entrega, pois preferem trabalhar no atendimento. Quando questionada sobre a possível dificuldade em carregar tanto peso, refere que isso não é problema: «nós temos carrinhos quando a correspondência é muita, não é um esforço muito grande!».

Confrontada com a afirmação corrente de que as mulheres não são tão dedicadas ao trabalho quanto os homens, Maria João rebate enfaticamente: «os homens são muitas vezes mais preguiçosos e querem fazer as coisas a despachar, mas ninguém se importa. Mas se uma mulher fizer qualquer coisa de errado é logo porque é mulher!...»

Subintendente no feminino

Paula Peneda foi notícia, juntamente com a sua colega Madalena Amaral, em quase todos os Meios de Comunicação Social, ambas oficiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), em Lisboa.
O motivo de toda a atenção é indiscutível: foram as primeiras mulheres a serem promovidas a Subintendentes dentro da PSP em Portugal e que irão, agora, frequentar o curso de promoção ao posto de Intendente.

Paula Peneda e Madalena Amaral terão a companhia de mais 40 Subintendentes, todos homens. Para além de comandarem divisões, as oficiais terão responsabilidades de chefia em todo o dispositivo da PSP.

A motivação apontada para a entrada na PSP por Paula Peneda, de 37 anos, é a vocação. Entrou para a PSP em 1985, após terminar o 12º ano. Nessa altura, estava na Escola Superior de Polícia, a começar o 2º curso de formação de oficiais de polícia. «Foi o único caminho que considerei seguir», diz.

A Subintendente diz que, desde que entrou, a PSP mudou muito quanto às oportunidades para as mulheres. «As diferenças são, essencialmente, de comportamento. Hoje, a PSP está mais receptiva às senhoras. Já somos muitas mais do que éramos quando entrei», constata.

Quando questionada sobre a possível discriminação das mulheres no seio da PSP, Paula Peneda pondera: «as coisas vão mudando com o passar do tempo e tudo está bastante diferente do que encontrei quando iniciei a minha carreira, há 19 anos. Penso que os colegas já se conformaram que têm que conviver connosco». Em relação ao futuro, a Subintendente mostra uma grande confiança. Se for aprovada em todos os cursos, poderá chegar a Superintendente Chefe aos 45 anos.

Sra. Presidente

O cargo político de Presidente da Junta de Freguesia em Portugal é, inegavelmente, ‘território masculino’. Ana Maria Silva Pereira é a presidente da Junta de Miragaia.

Dos 48 presidentes de junta do concelho do Porto é a única senhora. «Os eleitores não estão habituados a ver mulheres neste tipo de cargos. É uma questão de tempo até que haja muito mais mulheres a concorrer e serem eleitas para Presidente da Junta», esclarece.

A presidente diz existir uma enorme hipocrisia para com mulheres em cargos de responsabilidade política e salienta que o preconceito continua a existir na política, embora de forma disfarçada. «Os adversários sabem que não é politicamente correcto criticar uma mulher recorrendo à argumentos machistas. Ao invés, encontram formas de a acusar de incompetência e deixam o preconceito alheio fazer o resto», confessa.

Combatente no fogo

Andreia Carvalho, de 27 anos, é membro do Corpo de Bombeiros Voluntários do Porto. Para si, a escolha da profissão de bombeiro era inevitável. «Sempre quis... não consigo imaginar-me em nenhum outra carreira», confessa.

Quanto ao risco inerente à profissão, Andreia diz que «é uma opção de vida» e que todos os oficiais têm a percepção do perigo. «O treino a que somos sujeitos destina-se especificamente a diminuir as probabilidades de algo correr mal, nesse aspecto, as mulheres correm tanto risco quanto os homens», observa.

Andreia afirma ainda que a relação com os colegas é muito saudável, mas que têm uma tendência para a superprotecção das mulheres: «Numa situação de incêndio, eles estão sempre atentos onde nós estamos e se estamos a proceder de forma segura», diz. «Penso que é muito difícil para os homens entender que não precisamos de ser mais protegidas que todos», acrescenta.

Carreira estruturada

Engenheira civil da Edifer, um grupo empresarial da área da construção civil, Júlia Serra não tem dúvidas de que a mulher tem grandes possibilidades de ter sucesso em profissões maioritariamente masculinas. Na sua opinião criou-se um mito da inadequação da mulher à profissões das áreas ligadas à Tecnologia. «As mulheres não têm nenhum tipo de obrigação em seguir áreas ligadas às Ciências Humanas», refere.

Para Júlia Serra, é importante observar a evolução do papel da mulher na sua profissão: «quando obtive a minha licenciatura, era uma raridade encontrar senhoras formadas em Engenharia Civil. Hoje já observo um número razoável de mulheres nas empresas de construção civil, embora a predominância masculina seja inegável», esclarece.

Quanto questionada sobre como são as visitas aos empreendimentos em construção por parte de uma mulher, a engenheira destaca que não enfrenta qualquer problema. «Os operários fazem uma certa cerimónia comigo, mas o trabalho decorre da melhor forma possível», esclarece.

Júlia Serra discorda completamente da atribuição de falta de feminilidade às mulheres engenheiras. «De todas as engenheiras que conheço, nenhuma se encaixa no estereótipo masculinizado», afirma. E acrescenta: «pelo contrário, penso que é exactamente por ser uma profissão tão caracterizadamente masculina que procuramos usar roupas femininas, obviamente adequadas ao ambiente de trabalho».

A mulher no mercado de trabalho

Lê-se no Artigo 22º do Código do Trabalho vigente em Portugal que “todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabaho”. Este direito à igualdade é também assegurado na Constituição Portuguesa, assim como na Carta das Nações Unidas.

Estes diplomas vêm mostrar que, na actualidade, quase não existem vazios legais no que diz respeito aos direitos da Mulher no mercado de trabalho mas, infelizmente, ainda há um claro abismo entre a realidade jurídica e realidade prática. Constatam-se, de facto, claras diferenciações entre o estatuto feminino e o masculino nos postos de trabalho.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), num inquérito ao emprego em 2001, as mulheres continuam a ter salários mais baixos e apresentam uma taxa de desemprego mais elevada. O ganho médio mensal por actividade de uma mulher em 2001 era de cerca de 550 euros, valor claramente inferior ao masculino: cerca de 610 euros.

A título de curiosidade, informamo-nos sobre a presença de mulheres em algumas das grandes empresas portuguesas, ao que constatámos um quadro preocupante. Na Energias de Portugal (EDP), todos os 13 membros da estrutura de apoio ao Conselho de Administração são homens. Na Portugal Telecom (PT) os números são ainda mais impressionantes: em 23 directores administrativos não há, sequer, uma mulher. O porquê dessa exclusividade masculina nos órgãos de direcção não foi esclarecido pelas empresas referidas.

Os empregos não-tradicionais

Nos Estados Unidos da América, há uma organização denominada “Work4Women”(Trabalho para Mulheres), que disponibiliza informação e estratégias para ajudar a aumentar a integração feminina em empregos considerados não-tradicionais para o sexo feminino.

Ao contrário do que acontece em Portugal, nos EUA essa classificação - emprego não-tradicional - tem uma definição bem clara. O Departamento do Trabalho Norte-Americano define empregos não-tradicionais como aqueles em que as mulheres constituem até 25% da força de trabalho. Em Portugal não há uma denominação tão específica, mas é possível determinar algumas profissões como paradigmas da baixa inserção feminina.

Ao analisarmos dados do INE, observamos que, em 2001, 95% dos membros das Forças Armadas, assim como 76% dos operadores de instalações de máquinas e trabalhadores na área de montagem eram do sexo masculino. Por outro lado, cerca de 65% dos trabalhos administrativos eram realizados por mulheres.

Instituto Português da Juventude

Numa sociedade em que o apoio ao jovem é cada vez mais importante, o Instituto Português da Juventude (IPJ) existe para auxiliá-lo a enfrentar possíveis receios psiclógico-emocionais e sociais, e para lhe proporcionais oportunidades.

Por: Magda Neto

O IPJ é um organismo público tutelado pela Secretaria de Estado da Juventude que visa aplicar, no terreno, as políticas de juventude adoptadas por este. No entanto, possui autonomia administrativa e financeira.

Neste organismo governamental encontramos um conjunto de profissionais cujo trabalho visa dar resposta aos jovens que o procuram e proporcionar acompanhamento psicológico, vocacional, sexual e médico. O IPJ é «uma tentativa de permitir àqueles que são mais carenciados ou mais desfavorecidos terem igualdade de oportunidades», afirma Vítor Dias, técnico superior da delegação do IPJ do Porto, em representação da sua delegada, Margarida Almeida.

O IPJ tem vindo a revelar-se como uma ferramenta social activa que intervém para benefício do jovem e tenta igualar e proporcionar condições: por um lado, estes profissionais tentam combater a grande preocupação do emprego por parte dos jovens; por outro, a ocupação dos tempos livres destes nas férias por parte dos familiares e pais. E, na medida em que o jovem é o factor existencial deste Instituto, a sua passagem é um processo confidencial para lhe permitir salvaguardar a sua intimidade e para que se sinta mais à vontade.

Segundo Vítor Dias, «ao longo do tempo temos tido alguma capacidade de nos reconvertermos àquilo que são as necessidades e os interesses dos jovens em cada geração, interesses esses que vão evoluindo».

A proximidade à camada jovem advém de estratégias como feiras, seminários, acções de formação e sensibilização junto das escolas. A forma mais forte e fácil é através das várias Associações. Contudo, atingir esta faixa etária nem sempre é tarefa simples porque requer uma renovação constante dessas mesmas estratégias. Não basta a informação ser transmitida: torna-se crucial que o receptor a queira reter e fazer uso dela.

Sobre este assunto, Vítor Dias refere: «sentimos que, em muitos programas, há coisas que não chegam à maioria dos jovens, que se perdem pelo caminho e não sabemos muito bem porquê… Se calhar, o IPJ é uma estrutura que não é conhecida como devia. Há programas que, provavelmente, podiam ser um pouco mais conhecidos e mais divulgados, mas as principais opções são gastar dinheiro no apoio às associações ou no apoio directo aos jovens».

Na tentativa de travar esta situação, para além do atendimento profissional personalizado, a informação é obtida através de suporte em papel ou consultando o site oficial (www.juventude.gov.pt). O IPJ tem também uma relação com a imprensa, quer nacional, quer regional e local.

Para além da Juventude: o despertar para a problemática dos idosos

De algumas décadas para cá, a esperança de voda alongou-se de forma notável e as famílias começaram a ter que se preocupar com os seus idosos. De acordo com os dados do Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, o número de pensionistas por velhice, de 1990 para 2004, subiu de 1.329.049 para 1.662.046, verificando-se, no grupo etário acima dos 84 anos a maior mudança: de 89.683 para 148.816. A Geriatria, especialidade médica dedicada aos idoso, tem-se tornado, portanto, um anecessidade crescente nesta nova realidade.

Por: Leonora Gonçalves

António Leushner, director do Serviço de Psicogeriatria do Hospital Magalhães Lemos, chama a atenção para a importância absoluta das Ciências Geriátrias, para além das estatísticas populacionais.

«A importância absoluta é a que resulta de que nós todos nos devemos preocupar com as pessoas mais velhas, com os processos de envelhecimento que conduzem a essa fase da vida e porque nós próprios nos relacionamos com o envelhecimento, à partida dos filhos, à solidão ...a um conjunto de problemas que está muito associado aos idosos», ressalta este profissional.

Leushner aborda ainda a relevância dos serviços psiquiátricos específicos para o cidadão sénior e esclarece no que consiste a Psicogeriatria: «É, de alguma maneira, o conjugar de duas preocupações: por um lado as da Geriatria e, por outro, as da Psiquiatria. E é disso que se ocupa, fundamentalmente: das perturbações mentais, de comportamento e psicológicas nessa fase da vida».

De acordo com Sara Melo, animadora sócio-educativa no Centro Social Paroquial de S. Tiago de Silvalde, ainda há alguma confusão em perceber no que consiste a especialidade.Para esta educadora social, «as pessoas que têm realmente conhecimento sobre a gerontologia e a geriatria são apenas os profissionais da área da saúde ou da solidariedade social» e a maior parte da população não têm qualquer ideia da distinção entre esta ciência e outra qualquer.

Quanto aos interesses e processos mais frequentes na Geriatria, a especialista Dolores Fernandez, docente da Universidade Fernando Pessoa, no pólo de Ponte de Lima, explica que qualquer patologia do adulto pode apresentar-se no idoso, mas neste a situação é mais complicada pela coexistência de outras patologias.

Dentre estas temos, como exemplos mais frequentes, insuficiências orgânicas e ósseas a vários níveis, demências, doença de Parkinson, diabetes, a síndrome de imobilidade (com as suas consequências) e os problemas de alimentação, levando muitas vezes a problemas graves de malnutrição.

Os Lares e as residências

A falta de formação dos auxiliadores para a saúde nos lares de terceira idade é uma das grandes deficiências no apoio aos idosos em Portugal.

De acordo com o Psicogeriatra António Leushner, «na grande maioria dos casos a preparação é muito próxima de nada e há muito poucas exigências de formação». Tem de haver, na visão deste Psicogeriatra, «uma formação prévia e também uma formação continuada do pessoal».

Directora de uma empresa pioneira no cuidado domiciliário a idosos, a “Avós e Netos”, Beatriz Pires repreende o fenómeno das residências assistidas, os denominado ‘lares de luxo’: «Parece que toda gente encontrou um problema: a velhice, a falta de natalidade... descobriram a pólvora. Decorrente disso, alguns grupos económicos resolveram tomar o seu filão de ouro. Criam-se, assim, exemplos mirabolantes de ‘residências assistidas’, que cobram preços exorbitantes e que são uma solução apenas para uma parcela ínfima da população», explica.

Sara Melo considera muito mais proveitoso a presença de um médico geriatra permamente ao invés de apenas duas vezes por semana. «Dessa forma, o médico poderia com muito mais eficácia ir ao encontro de muitas das doenças que os nossos idosos apresentam, dado que para serem ouvidos ou terem atenção os idosos, muitas vezes, começam a sentir dores que não existem e que nenhum medicamento consegue amenizá-las», salienta.

Abandono e Solidão

A falta de apoio dos familiares para com os mais velhos envolve questões económicas, mas também questões éticas. É impressionante constatar que nos hospitais portugueses existam de camas ocupadas por idosos sem qualquer tipo de doença, mas que não recebem alta simplesmente porque não têm para onde ir.

De acordo com o Psicogeriatra António Leushner, é essa negligência e abandono que leva muitas vezes a que os mais velhos desenvolvam problemas de saúde do foro psiquiátrico: «A solidão pode ser um sentimento que se sobrepõe ao isolamento, ou seja, as pessoas podem não querer ter muitos contactos sociais... Mas podem viver isso com angústia e a solidão é, de alguma maneira, o lado negativo do isolamento», explica.

Também Beatriz Pires aborda a problemática da solidão. «Uma pessoa que trabalhe sente que os dias passam a correr, mas para o idoso, que está em casa o dia todo, isso não é assim o que pode desencadar num sentimento profundo de tristeza», salienta a gestora.

Uma melhor forma de actuar

Dolores Fernandez defende que um profissional que trabalhe com idosos não pode abordar a Geriatria como uma ciência em si, «mas deve sim adaptar-se às características do subgrupo populacional no qual actua».

Na percepção da especialista devem ser quatro as preocupações primordiais de um Geriatra: (1) a promoção da saúde e prevenção das incapacidades da pessoa idosa; (2) a diminuição da mobilidade e o retardamento da dependência e institucionalização, (ajudando, assim, à permanência do idoso no seu domicílio com maior qualidade de vida possível); (3) a identificação das pessoas com maior risco de perda de autonomia e (4) a atenção à dependência nas actividades da vida diária.

A permanência do idoso no seu domicílio é um conceito novo e ainda pouco valorizado pelos poderes governamentais. Beatriz Pires alerta para a falta de apoios do Estado para soluções alternativas aos lares de terceira idade: «Se calhar é mais fácil legislar no sentido do apoio domiciliário ser comparticipado e que se criem condições para as famílias ficarem com os idosos em casa, do que estar a investir em lares, que demoram muito tempo a concretizar e que têm custos muito elevados», afirma.

Beatriz Pires aponta ainda para o bem-estar psicológico do idoso como mais um aspecto a considerar na solução do apoio residencial. Segundo a gestora, para os mais velhos, sair do local onde sempre viveram, «onde têm as suas memórias de vida, para residirem em lares é uma mudança muito drástica e traumática».

A educadora social Sara Melo, que já teve experiências de trabalho em lares de terceira idade, deixa uma possível solução para a problemática que envolve os idosos na sociedade em que vivemos: «Se fossem disponibilizados profissionais na área da Geriatria em diversos serviços da sociedade seria uma revolução em prol do bem-estar do idoso e da mentalidade do povo Português. Tenho a certeza que o idoso ganhava um espaço muito mais digno no seio da nossa sociedade e não aquela ideia de um ‘coitadinho’ sozinho, velhinho com frio e triste, que quase toda a gente tem em mente».

Vasco Almeida: Vocação - ciência genética

Por: Leonora Gonçalves

No seu gabinete na Faculdade de Ciências do Porto, o Professor Vasco Almeida recebe-nos para a entrevista.

Rodeado por artigos e trabalhos que representam anos de estudo e investigação, provavelmente indecifráveis ao leitor comum, relata-nos com surpreendente humildade a sua história e o seu percurso notável na área científica.

Vasco Almeida, de 47 anos, nasceu e foi criado no Porto. Desde muito cedo soube que sua vocação era a Ciência. Frequentou o curso de Biologia na Faculdade de Ciências do Porto e hoje é professor de Genética na Instituição que o viu formar-se.

A sua actividade profissional actual prende-se também com a biologia da reprodução, desenvolvendo investigação nesta área no Centro de Estudos da Infertilidade e Esterilidade (CEIE), uma das instituições de maior reconhecimento neste âmbito e que tem como objectivo o estudo e o tratamento de situações de infertilidade/esterelidade e aborto recorrente.

Vasco Almeida é um nome sonante no campo da investigação genética em Portugal e no estrangeiro, uma vez que fez parte da equipa de cientistas que desenvolveu a técnica do Diagnóstico Genético Pré-implantatório da Paramiloidose (também conhecida por “doença dos pezinhos”), permitindo que filhos de pais portadores da doença pudessem nascer saudáveis.
A relevância da descoberta é inquestionável, uma vez que a Paramiloidose é uma doença ainda sem cura e que tem, em Portugal, o maior foco do mundo em termos de número de casos diagnosticados.

«O apoio do Estado à investigação genética é muito precário», lamenta Vasco Almeida salientando que, em conjunto com seus colegas envolvidos nesta área, alertou inúmeras vezes para a falta de investimento em laboratórios minimamente equipados para a actividade científica, o que implica inúmeras dificuldades e entraves para uma evolução efectiva da investigação em Portugal.

Uma das propostas de Vasco Almeida é a criação de uma unidade laboratorial de genética no Hospital de Santo António, para dar respostas à estas necessidades, mas não pensa que seja exequível a curto prazo, ao menos, enquanto a escassez de apoios se mantiver. «Cada nova descoberta é um estímulo para gerações futuras» garante o professor e que, actualmente, sente por parte dos seus alunos, um grande interesse pela área de investigação genética.

Apesar do estatuto que conquistou, Vasco Almeida diz que nunca nos devemos acomodar e que «é preciso aprender sempre». Tem como objectivos profissionais a continuação do desenvolvimento de estudos genéticos quer da Paramiloidose, quer de outros tipos de doenças e também de estudos no campo da infertilidade masculina e feminina.

Jorge Sousa Braga: Doutor Poeta

Por: Leonora Gonçalves

Jorge Sousa Braga, de 47 anos, nasceu numa localidade perto de Braga, onde passou a maior parte da sua juventude até ingressar, no Porto, no curso académico no qual, segundo ele, tinha os olhos postos desde pequenino: Medicina. Como área de especialidade escolheu a Ginecologia/Obstetrícia, porque, afirma, «é onde tudo começa».

Actualmente, trabalha no Serviço de Ginecologia do Hospital de Santo António e dedica-se, também, à investigação genética e fazendo parte de uma selecta equipa no Centro de Estudos de Infertilidade e Esterilidade (CEIE), cujo objectivo é o estudo e o tratamento de situações de infertilidade/esterilidade e aborto recorrente.

Para o ginecologista, a sua especialidade profissional tem uma relação intrínseca com a investigação genética: «Numa primeira fase há a manipulação dos embriões e a sua implantação, que está no domínio da Genética e, depois, temos a Ginecologia e a Obstetrícia, na medida em que todo o desenvolvimento do bebé se passa dentro da mãe», explica.

Jorge Sousa Braga, no entanto, tem uma característica peculiar: o gosto pela Poesia. Já tem alguns livros de poesia publicados, especialmente dedicados às crianças, dentre os quais se destaca “Poemas com Asas”.

Sobre a possível incompatibilidade entre algo tão sentimental e íntimo como a Poesia e, a Medicina, uma ciência que implica distanciamento e imparcialidade, Jorge Sousa Braga desmistifica: «Essa é uma falsa ideia, a Poesia e a Medicina não são paradoxais. Na área da Genética, trabalhamos com Poesia pura. Os aspectos que envolvem os embriões, a fecundação e o deselvolvimento dos bebés também podem ser considerados poéticos».

Dentre os grandes feitos profissionais de Jorge Sousa Braga, destaca-se especialmente um, na área da investigação genética: a contribuição para que fosse desenvolvida a técnica do Diagnóstico Genético Pré-implantatório da Paramiloidose, vulgo “doença dos pezinhos”. Doença esta que, em Portugal, afecta milhares de pessoas, principalmente na região Norte do país.

Através desta técnica, foi possível pela primeira vez garantir que o filho de um casal portador da doença nascesse saudável. Foi, de facto, um verdadeiro marco na história da investigação genética.

Quanto ao futuro profissional, Jorge Sousa Braga pretende continuar a trabalhar na área do estudo da infertilidade e também no estudo de novas técnicas aplicada à Paramiloidose e à outras patologias. E, é claro, a escrever poesia.

Aninhas, a tasqueira

Começou a trabalhar no campo com apenas seis anos de idade. Ganhava cinco tostões por dia. Passou muita fome no «tempo da miséria». Ana Barbosa, ou Aninhas como é conhecida em Paranhos, é uma mulher com muitas histórias para contar. A maioria passadas na tasca que gere há 40 anos. Casada, com dois filhos e uma neta, dona Ana orgulha-se de dizer: «passei fome e muito trabalho, mas sempre fui honesta!»

Por: Luis Urbano

Numa destas manhãs, fomos encontrar na tasca “O Escondidinho”, Ana de Fátima da Costa Araújo Barbosa, de 60 anos, natural de Sequiade, Barcelos. No inicio, ficou um pouco inibida e sem saber o que nos contar porque, segundo ela: «o cantar também tem hora». Mas depressa se desinibiu e revelou-nos a sua boa disposição e, à conversa, ficamos a saber mais sobre esta popular personagem de Paranhos.

Pessoasrevista: Há quanto tempo é proprietária desta tasca?
Ana Barbosa: Há quarenta anos, ou seja, desde que casei com o meu marido. Já era dos avós dele, há mais de oitenta anos.

Prev: Que profissão tinha antes de casar?
AB: Era criada de servir na Trofa. Mas comecei a trabalhar muito cedo, ainda em Barcelos. Aos seis anos já trabalhava no campo e fazia recados. Tinha de ser... A minha mãe fazia tochas de palha de centeio para iluminar o caminho, porque acordava muito cedo e os caminhos eram muito perigosos. Eram caminhos de cabras cheios de moitas e silvados.

Prev: Teve uma infância muito dura?
AB: Mesmo muito. Passei muita fome, muita miséria. A fome era tanta que nem podíamos ficar muito tempo na cama a dormir devido às dores de barriga. Então, acordávamos muito cedo para comer as migas e ir trabalhar para ter o que comer à noite. Aos catorze anos fui trabalhar para a Trofa, também para o campo. Ganhava seis escudos por dia. Ganhei várias medalhas de ouro na feira da Trofa. Tinha sempre o gado mais limpo e bem tratado! Só mais tarde fui criada de servir.

Prev: Quando veio para o Porto?
AB: Aos dezoito anos. Vim trabalhar para um senhor que era dono dos terrenos onde agora está a Faculdade de Engenharia e as outras. Tinha de carregar hortaliça de madrugada daí até ao Bolhão. Carregava o mesmo peso que qualquer homem. Eu tinha muita força! Eram sacos com mais de 60 quilos. Às vezes chegavam aos 80! Também ganhava tanto quanto um homem! Oitenta escudos por mês! Iam sempre connosco dois homens para nos ajudar a subir e descer as paredes dos caminhos. Era muito duro. E se chegasse atrasada pagava a mercadoria que levava!

Prev: Até quando trabalhou no campo?
AB: Até aos 20 anos, quando me casei.

Prev: A partir daí a sua vida melhorou?
AB: Sem comparação! Passei por situações de morrer a rir! A vida, aqui na tasca, era muito bonita. Tinha um grupo de clientes muito engraçado. Mas já morreram quase todos e outros já não moram cá.

Prev: Recorda-se de alguma história engraçada que nos queira contar?
AB: UI! Tantas (sorrisos). Esta é uma das mais engraçadas: Tinha dois clientes mancos. Um de cada perna. Eram muito engraçados... Um dia cismaram que tinham de fazer uma corrida. E lá foram. Saíram para a rua, com o resto dos clientes a verem. E começaram a correr pela rua fora. O que era manco da perna direita teve sorte porque ficou com o passeio do lado da perna manca. Então correu com a perna esquerda na estrada e a perna manca em cima do passeio para ficar com vantagem. Claro que ganhou. O outro ficou muito atrás. Mas foi uma paródia com toda a gente a rir na rua!

Prev: Aos sessenta anos, a dona Ana tem muitas experiências e histórias para contar. Que balanço faz à sua vida?
AB: Graças a Deus, tive até agora uma vida muito feliz. Passei muita fome, muito trabalho mas sempre fui honesta! Honesta e trabalhadora! Comi muito pão com bolor. Não me fez mal nenhum! Não é com o bolor que fazem a terramicina? É remédio (gargalhada). Hoje posso dizer com orgulho que ninguém me tem nada a apontar! Nunca enganei nem roubei ninguém. Felizmente as coisas melhoraram a partir dos meus vinte anos. A partir daí tive uma vida muito alegre, muito bonita.

Manuela Bacelar: traços de tinta

Tobias e Bulbina são personagens encantadas do universo ilustrativo das crianças. São também elas que ajudam a extravasar a timidez de Manuela Bacelar: «No ensino secundário, eu era má aluna e tímida. E, para sublimar isso, tornei-me um bocadoa palhaço da turma. Ainda hoje sou um bocadinho...», conta a pintora. Ou melhor, ilustradora, pois, como refere, «pintores há muitos».

Por: Inês Braga

Manuela Bacelar nasceu no Porto há 61 anos e, desde pequena, «inventava histórias, personagens». Ilustradora de muitos livros para crianças, não se revê no espaço da infância como fenómeno de catarse. A liberdade e o incentivo à arte eram solicitações e sensibilidades frequentes: «Não nos perguntavam se queríamos ir, mas sentíamo-nos muito contentes por ir à ópera, ao ballet. Também não havia televisão...», recorda.

Tudo começou quando Manuela decidiu, aos 20 anos, ir para Praga, onde foi bolseira, de 1964 a 1970, na Escola Superior de Artes Aplicadas (cursos de Ilustração e Animação). A República Checa foi, assim, «decisiva» no seu percurso artístico, permitindo-lhe ir além da Escola Soares dos Reis (onde concluiu Artes Decorativas, em 1963) e contribuindo para o amadurecimento do seu imaginário.

Naturalmente, o gosto pela pintura, o interesse artístico, a passagem por Paris - «óptima escola de observação» - permitiu-lhe absorver diversas correntes e estilos: «A minha cabeça é uma esponja de imagens, faz um batido e dá um toque especial», explica. Assim, Manuela não consegue dissociar a pintura da ilustração, acabando por «fazer da ilustração uma pintura em ponto pequeno».

As influências cinéfilas e teatrais são, também, intensas. Tirando os retratos ficcionados, Manuela parte de um ambiente que ela própria cria à sua volta: «Faço as minhas encenações a partir do teatro, da música, do caos do atelier. Faço encenação, na medida em que foram leituras daquilo que vi. Quando leio um livro de que gosto muito, sou capaz de meter 20 capítulos numa tela». Ao mesmo tempo, a sua vivência permite-lhe, hoje, encontrar e, não, partir em busca: «Já não sou jovem, já não ando à procura de nada, agora encontro, como dizia Picasso».

Esta artista figurativa já tem perto de 60 livros publicados em Portugal, França, Dinamarca, Espanha, Rússia, Marrocos e Líbano. E já ganhou, entre muitos outros, o prémio Gulbenkian (1990), a Maçã de Ouro, na Bienal Internacional de Bratislava com Silka de Ilse Losa (1989) e o Prémio de Ilustração do Ministério da Cultura/IBBY com A Sereiazinha de Hans Christian Andersen (1996). O reconhecimento pela obra feita fá-la sentir-se bem, ainda que seja um aspecto pouco consciencializado: «Sinto que isso é uma pessoa exterior a mim, ainda tenho muito caminho a fazer».

Conhecendo a obra da autora, nomeadamente, a exposição «Kafka para que vos quero», destaca-se esta grande inspiração que teve início no livro de uma escritora alemã sobre a vida de Milena Jecenská, companheira de Kafka. «Milena era uma jornalista fora do seu tempo... foi uma personagem que me marcou muito. Quando li o livro, há 15 ou 20 anos, comprei os Diários de Kafka e, desde então, que ele anda comigo. É como um parente: de vez em quando, entra-me no quarto sem pedir licença...»

A imagem feminina é também outro elemento saliente: «Quando pinto uma mulher começo pelos olhos e estes comandam tudo o resto, o tema vem do olhar». Aliás, a sensibilidade feminina é demarcada por Jean Perrot, Presidente do Institut International Charles Perrault, em França: «Devemos ler as suas ilustrações [referente ao conto O Barba Azul de Charles Perrault] como uma espécie de manifestação feminista protestando contra a visão masculina dos contos». De referir a forte importância de Perrault para a autora, observável na exposição realizada em Lisboa sobre Kafka e Perrault, em 2002.

As evocações e ideias de Manuela Bacelar despertam, no receptor das suas obras, sensações de inquietação e devir, mas também de bem-estar, de vida e de fruição que pairam num universo seu, muitas vezes sem título. É que a autora não dá nome a muitos dos seus quadros: «Já que nos livros tenho que dar nome às personagens. O máximo que posso nomear será uma exposição».

Entretanto, nomeou os seus mais recentes livros: Uma prenda muito especial e Sebastião, este último, só de imagens. Relativamente à pintura, a última exposição foi na Fundação Engº António de Almeida, em Abril do ano passado, e intitulava-se O traço debaixo da tinta. Quanto ao futuro, e à exposição de novas obras, Manuela Bacelar confessa, «estou a pensar expor em breve».

Porto redescoberto

Por: Maria Manuel Freitas

Nos dias de hoje, poucos serão aqueles que se recordam ou sabem que o Porto tinha uma fábrica de chumbo, situada perto da Igreja de S. Francisco... E haverá quem conheça o forte escondido junto à Ribeira da Granja?...

Estes são apenas alguns dos exemplos que fazem parte da história do Porto e que, se ainda hoje os conhecemos é, em grande parte, graças a pessoas e organismos que trabalham para identificar e dar a conhecer estas memórias da cidade.

É com este intuito que a Divisão do Património Cultural (DPC), através do projecto do Inventário do Património Arquitectónico do Porto (IPAP), está a desenvolver um trabalho que tem como objectivo principal o registo topográfico e sistemático de todos os edifícios da cidade do Porto para, em seguida, avaliar o seu interesse patrimonial, independentemente da sua tipologia ou época de construção.

Dentro deste objectivo e nesta segunda fase, o projecto vai debruçar-se sobre quatro freguesias: Cedofeita, Lordelo, Massarelos e Ramalde. Após a concretização desse primeiro objectivo, será feito o tratamento informático do material produzido e, no próximo ano, vai ser produzido um CD-ROM para as escolas do ensino básico e secundário das freguesias acima referidas.

Entre 1998 e 2000 decorreu a primeira fase do IPAP, que serviu para a definição do método de inventário e da arquitectura do sistema de informação. O segundo projecto teve início em Junho de 2004.

Assim, cabe ao IPAP fazer o levantamento sistemático do património arquitectónico e paisagístico das quatro freguesias já referidas, através de uma equipa de profissionais, nomeadamente arquitectos, licenciados em História e informáticos, com o apoio da DPC.

Através do IPAP pretende criar-se um Banco de Dados sobre a Cidade, com informação sobre o seu património edificado para que, conhecendo ao pormenor a cidade, seja mais fácil incentivar e alertar o público em geral para a preponderância que há na preservação do património que, afinal, é de todos. A data prevista de conclusão deste projecto está prevista para o final de 2006

Fórmulas para cidades do futuro

Porto e Maia são duas cidades vizinhas também na tentativa da preservação dos seus espaços, dentro das características que as diferem. Na Maia, uma cidade entre o urbano e o rural, o ambiente está em primeiro lugar, no Porto, a preservação do património é, entre outros, um dos primeiros passo para a preservação da cidade.

Por: Maria Manuel Freitas

A preocupação e os investimentos no sector do ambiente podem servir de exemplo para outros municípios. Há vinte anos, numa atitude pioneira, a Câmara Municipal da Maia (CMM) introduziu as questões ambientais na estratégia de desenvolvimento do concelho.
Desde então, têm sido várias as apostas deste município: abastecimento de água para consumo humano, ETAR’s (drenagem e tratamento de águas residuais), gestão dos resíduos sólidos, reciclagem multimaterial dos resíduos, acções de Educação Ambiental e a recolha selectiva porta-a-porta.

Por todas estas actividades e projectos, o lema mantém-se. Prova disso é, por exemplo, o Workshop “Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentado da Área Metropolitana do Porto”, realizado em Outubro. Este encontro «reuniu presidentes de Junta, técnicos do ambiente, professores e munícipes, com o objectivo de debater os principais problemas ambientais do concelho, fazer um diagnóstico sobre o que preocupa a população, o ordenamento do território, entre outros», conforme nos disse Helena Lopes, directora do Departamento do Ambiente da CMM.

O sucesso destes e de outros projectos passa, em grande parte, pela adesão da população. Felizmente, «as pessoas estão cada vez mais sensíveis às questões ambientais e uma prova disso são, por exemplo, as reclamações apresentadas pelos munícipes ou os alertas feitos para a Câmara de diversas situações como a existência de lixeiras a céu aberto, problemas de ruído, entre outras», como refere esta engenheira.

Além disso, os mais novos também são munícipes e é a pensar neles que a Câmara promove acções de Educação Ambiental, cujo fim é criar infra-estruturas destinadas à deposição voluntária de materiais pré-separados em casa pela população, para serem, posteriormente, reciclados.

Acresce, ainda, um desafio como é o da Quinta da Gruta, situada no Castêlo da Maia, «onde os mais jovens poderão usufruir de uma quinta com animais, estufas e laboratórios, para aprenderem coisas como plantar vegetais, recolher leite e produzir lacticínios, fazer pão, colher fruta e fazer compotas, etc. Além da vertente da Educação Ambiental, que reúne campanhas, visitas de estudo, exposições e a comemoração dos dias relativos ao ambiente», como refere Helena Lopes.

A construção de Ecocentros, de uma rede progressivamente mais alargada de Ecopontos e, mais recentemente, da recolha selectiva porta-a-porta, são uma constante nas preocupações da cidade da Maia. A finalidade deste projecto é a recolha de materiais destinados à reciclagem (papel, cartão e embalagens) e dos restantes resíduos não valorizáveis.

Outro valor fundamental para a CMM é o apoio constante aos seus munícipes. O Departamento do Ambiente está estruturado em três divisões: Qualidade de Vida, Ambiente e Espaços Verdes, sendo a primeira divisão (Qualidade de Vida) aquela que está mais voltada para o consumidor. Este sector trata de tarefas como a educação ambiental, um Gabinete de Apoio aos Consumidores, um Posto de Atendimento ao Consumidor e um Tribunal de Atendimento ao Consumidor. Este tribunal dispõe de acordos com a DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, para que, deste modo, o consumidor e munícipe possa fazer valer as suas reclamações e direitos por via legal.

Contudo, convém que a Câmara continue a investir na melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes, pois de acordo com alguma população ouvida, há sempre muito para fazer e ensinar às pessoas. Francisco Silva, por exemplo, é funcionário no Ecocentro do Castelo da Maia e defende que «a Câmara devia investir em seguranças nocturnos para os Ecocentros, para evitar que haja mais roubos e vandalismo nas instalações e que as pessoas deixem o lixo à entrada do Ecocentro durante a noite».

Para o futuro, Helena Lopes adiantou-nos a existência de um projecto «ambicioso, ainda em fase de construção, com localização na freguesia de Santa Maria de Avioso, e que, se tudo correr bem, estará disponível para a população a partir do próximo ano. Trata-se uma zona verde com uma área de terreno bastante grande, destinada essencialmente ao lazer e à prática de exercício físico».

O Segredo das Rendilheiras

“A tradição já não é o que era”, dizem. Mas quando falamos em Renda de Bilros o caso muda de figura. Maria Lapa, de 72 anos, é uma das rendilheiras de Vila do Conde que preserva esta arte, não só na escola do Museu de Rendas de Bilros de Vila do Conde, mas também em casa, passando o testemunho à sua neta por afinidade, Gabriela Brito.

Por: Filipe Fangueiro

Maria teve, desde muito nova, o contacto com esta arte já secular. Foi aos cinco anos que começou a rendilhar. Confessa que «ficava muito triste quando a avó me negava a possibilidade de seguir essa profissão». Mas foi pelo gosto (e pela persistência) que conseguiu ser rendilheira a tempo inteiro. Deixou de estudar e, aos dez anos, era quase uma profissional, aperfeiçoando e ensinando quem lhe pedia. Nunca negou um trabalho e uma ajuda a ninguém: a paixão pelos Bilros era grande. Foi por isso que aceitou, desde logo, ensinar a sua «recente neta».

Gabriela é uma jovem brasileira, de 19 anos, casada com um dos netos de Maria Lapa e nunca tinha tido contacto com estas rendas no seu país. Foi então que viu Maria, sentada em frente à almofada a rendilhar.

Apaixonou-se. Decidiu-se entregar à aprendizagem desta Arte. Começou e nunca mais quis parar. Segundo Maria, «Gabriela teve o dom do carinho que uma rendilheira deve ter com a renda». Apesar do sangue não ser o mesmo e a diferença de idades ser grande, Maria e Gabriela encontram, nelas, laços de união: o amor pelas Rendas de Bilros e a sensação que têm quando se sentam à frente da almofada e rendilham até altas horas da noite. «É fantástico como algo que dá tanto trabalho nos pode dar tanto prazer», dizem.

Para Maria, as rendas são uma vida, um amor antigo; para Gabriela é um legado, é uma continuação. Contudo, Gabriela não quer ser rendilheira de profissão. Decidiu não o ser seguindo um conselho da avó: «a vida de rendilheira não é fácil. Nem sempre se tem trabalho e as rendas, muitas vezes, não têm o valor mais justo». E é com esta experiência que Maria confidencia: «a Renda de Bilros tornou-se um vício», um vício que se torna uma Arte a preservar.

Apesar de tudo, Teresa Pimenta, professora de técnicas especiais no Museu de Rendas de Bilros tem uma visão um tanto ou quanto pessimista: «Temos pessoas jovens a aprender a arte de rendilhar, mas no seu futuro não incluirão as rendas, o que fará com que Vila do Conde seja, possivelmente, uma das próximas cidades a perder esta tradição» afirma.

Renda de Bilros: a arte na tradição

Percorremos as suas ruas estreitas, com casas baixas, onde os vestígios Manuelinos são particularmente visíveis nas suas janelas. Numa dessas ruas descobrimos a Casa do Vinhal. Solar urbano do século XVIII, a Casa do Vinhal é o Museu das Rendas de Bilros. A porta entreaberta aguça-nos a curiosidade. Fazemos soar a campainha e em instantes entramos no mundo dos Bilros.

Por: Maria Helena Oliveira

Através do tempo

Por entre as fotografias, que retratam a história das rendas, há uma que se destaca: a preto e branco, podemos ver mulheres e crianças a trabalharem em conjunto.

Desperta-nos interesse; “Porque estão todas ali?”. Manuela Silva, de 53 anos, funcionária do Museu, esclarece: «era uma oficina, onde eram pagas à tarefa, e como não havia onde deixar as crianças, acompanhavam as mães». E se, antes, todas as casas tinham uma almofada, o mesmo não acontece agora: apenas existem, em todo o conselho, 300 rendilheiras, «todas com idades avançadas», afirma Manuela Pereira, coordenadora das visitas dos serviços educativos.

A tradição foi-se perdendo e deixou de fazer sentido haver oficinas. Permanece no Museu a única que existe (à semelhança da escola das rendas). Maria da Guia, de 53 anos, rendilheira de profissão, é a coordenadora. A seu cargo tem a compra das rendas que serão comercializadas nas feiras anuais de artesanato.

«Paciência e criatividade» são os requisitos que considera fundamentais para se ser uma boa rendilheira. São, possivelmente, as causas da existência de dois tipos de rendas: as eruditas que têm desenhos mais elaborados, até com um fio mais fino; e as populares cujos desenhos têm formas geométricas.

Reconhecimento merecido

Numa tentativa de contrariar o esquecimento do artesanato nacional, a Câmara Municipal de Vila do Conde criou, em 1999, o projecto “Amor de Bilros... paixão de moda!”. Consiste numa aplicação prática das rendas de bilros na moda.

Desta forma, reúnem-se, anualmente, estilistas nacionais para trabalharem em conjunto com as rendilheiras, patrocinadas pela autarquia. O trabalho conjunto não se limita aos desfiles nacionais, mas também aos internacionais.

Paula Rola, estlista, participa no evento desde 1999, sendo a sua colecção presença assídua na Feira Internacional de Bilros, na Galiza. São muitos os estilistas consagrados que participam neste projecto. Em 2000, uma criadora de moda infantil, Lúcia Duarte, levou à passarela trabalhos realizados pelas crianças da escola do Museu das Rendas de Bilros.

Apesar de tudo, as crianças, que frequentam a escola do Museu, não pretendem ser rendilheiras: «vou continuar a fazer rendas, mas vou ter outra profissão» confidenciou-nos Teresinha, de 11 anos.

Para a posteridade

Num retiro silencioso, ergue-se a maior homenagem às rendilheiras de Vila do Conde. Na margem do rio Ave, junto ao Cais das Lavandeiras, eis a escultura que Ilídio Fontes criou, em Novembro de 1993, para homenagear estas mulheres.

Serena e dedicada, é assim que, dedilhando o bilro, a jovem de bronze, numa tentativa de enganar o tempo, vai criando as ‘obras de arte’ que permitem a esta cidade ser ainda o maior centro produtor de rendas de bilros.

Trazidas por marinheiros e comerciantes do Norte da Europa, a arte sofreu o seu primeiro revés com a lei de D. João V, que proibia o uso de qualquer tipo de rendas. Assim, as mulheres do Norte de Portugal, perante o cenário de pobreza que a aplicação do decreto previa, delegaram a Joana Maria de Jesus, rendilheira de Vila do Conde, a defesa dos seus interesses. Em resultado da sua persistência, quatro meses depois, a 19 de Setembro de 1749, El-rei mandou publicar um alvará que livrava as rendas da medida tomada.

Livros e leituras: a importância do verbo “Ler”

Numa sociedade com baixos índices de leitura e com uma cultura livreira quase inexistente, fomos perguntar aos mais novos o que significa para eles um livro, porque razão tendem a ler tão pouco e o que pensam das obras escolares. Ouvimos também o que pais, professores, escritores, papelarias, livrarias e bibliotecas tinham para dizer.

Por: Raquel Fernandes

“Ler é viajar no mundo da fantasia sem irmos até lá”; “Ler é imaginar e fingir que estamos dentro da leitura”. Estas definições pertencem ao Diogo e ao Nuno de 12 anos, que embora tenham definido a leitura de forma tão efusiva, não esconderam o facto de não gostarem muito de ler: «dificilmente trocávamos por um livro, um jogo de computador!...»

Embora o cenário, de certo modo representativo, que o Diogo e o Nuno nos trouxeram, Vítor Silva Mota, editor infanto-juvenil da ASA, afirma que o mercado desses livros «é um mercado em crescimento, com as crianças a lerem cada vez mais...!»

De facto, podemos pensar no mega-sucesso que é, por exemplo, a colecção ‘Harry Potter’...José Leonardo, escritor e director da Biblioteca Municipal de Rio Maior, distrito de Santarém, lembra o sucesso que essa personagem tem e diz que «metade das iniciativas das actividades desenvolvidas por Bibliotecas Municipais são dedicadas às crianças, que aderem entusiasticamente».

Porém, apesar destes depoimentos e do sucesso de algumas colecções, as crianças entrevistadas foram peremptórias em afirmar que ler, muitas vezes é uma obrigação, e que existem um sem número de coisas mais interessantes com que gastam o seu tempo livre.

Todos concordam que esta tendência tem de ser mudada no seio dos jovens de hoje, pois eles serão os adultos leitores de amanhã: «é importante que os jovens leiam, nem que a qualidade literária não seja a melhor», como lembra o editor da Asa, Vítor Silva Mota.

Ler um livro, um história ou uma simples matéria no jornal, ajuda a criança ou o adolescente em desenvolvimento a adquirir cultura geral, enriquecer o seu vocabulário, diminuir os erros gramaticais e ortográficos e a desenvolver a sua imaginação, tão vital nos dias de hoje.

Influências, deveres e responsabilidades

Quando se tratam de hábitos que fazem parte da vida de crianças e adolescentes é imprescindível falar com todos aqueles que contribuem para a sua educação e formação. No caso dos livros, também se incluem a sua respectiva divulgação e venda.

Anabela Teixeira, professora de Português há treze anos, a leccionar, actualmente, no Colégio Ellen Key, e mãe de uma criança de quatro, atribui o principal dever de incutir hábitos de leituras, numa idade inicial, aos pais e aos professores, na idade escolar. «É aconselhável começar a ler desde que estão na barriga. Desde que o meu filho tem um ano, que me traz livros para eu lhe ler!», afirma.

José Leonardo, já acima mencionado, concorda com a professora: «os pais têm um papel crucial na missão de tornar o livro familiar. Possuindo muitos livros em casa, faz com que a criança se habitue e o aprecie enquanto objecto físico que pode ser tocado, cheirado e manuseado. Para além disso, ler em voz alta, faz a criança associar a leitura/audição de uma história ao prazer da companhia com os pais e momentos de lazer juntos».

O papel dos pais é também salientado na altura de escolher um presente para oferecer ao filho ou gerir o tempo livre deste.

Miguel Branco trabalha na livraria ‘Nova Fronteira’, no Porto, há cinco anos. Do seu contacto com pais e crianças, diz que, muitas vezes, são os filhos que incitam os pais a comprar os livros, deparando-se com as reticências destes pelos preços praticados e possível pouco uso que irão ter. De facto, todos os pais inquiridos apontaram o preço elevado dos livros como um problema para que a sua compra seja vulgarizada.

O papel dos professores e das escolas é também exaltado por pais, editoras e livrarias, uma vez que cabe a estas parte essencial da formação dos jovens.

Pedro Passos, sócio-gerente de um Centro de Ensino e Apoio Pedagógico, na cidade do Porto e pai de um adolescente de 17 anos, mostra a sua indignação pela forma como as escolas lutam contra o decréscimo dos hábitos de leitura: «Na escola, professores de português que não sabem como resolver o problema da falta de hábitos de leitura, pedem aos alunos para realizarem trabalhos de pesquisa na Internet. Será essa uma forma de incentivo à leitura?». Anabela Teixeira concorda: «os professores de português têm a obrigação de desmistificar o monstrozinho da leitura», acusa.

Livros escolares e Livros lúdicos

Dos 15 jovens inquiridos, com idades entre os 7 e os 17 anos, menos de metade afirmaram gostar dos livros que lêem no contexto da disciplina de Português.

A escolha dos livros sugeridos pelo Ministério da Educação é mesmo posta em causa por alunos e professores. Anabela Teixeira diz que algumas destas escolhas estão desactualizadas e provocam pouco interesse nos alunos que não se identificam com história e personagens: «se calhar, a escolha de algumas obras teria de ser revista...», aponta.

Beatriz, de 14 anos, diz que, na escola, gostaria de ler mais aventuras e livros cujos protagonistas fossem adolescentes como ela própria. Carlos, de 11 anos, concorda com a ideia de ler aventuras em sala de aula e confessa que também gostaria de ler livros mais divertidos e não tão maçadores.

Para o director da biblioteca de Rio Maior, José Leonardo, as escolas deveriam não só apostar na leitura obrigatória como promover livros lúdicos que não façam parte do programa da disciplina de Português: «para além das obras de leitura curricular, que por serem obrigatórias causam alguma resistência e desprazer nos alunos, deveria haver, também, um estimulo à leitura lúdica e de entretenimento. Isto para que o acto de ler seja encarado o mais possível como um prazer que se pratica por gosto e por auto-iniciativa, e não como uma obrigação».

Livro vs Tecnologia

Todas as crianças entrevistadas possuíam uma consola de jogos, um telemóvel e, algumas delas, um computador e ligação à rede a partir de casa. De quinze, apenas duas aceitariam trocar as horas com estes aparelhos pela a companhia de um livro. Aliás, a maior parte delas argumentou que o tempo que têm de lazer é tão precioso que de forma alguma o desperdiçariam a ler.

Diogo, 12 anos, diz mesmo que reagiria muito mal caso os pais lhe impusessem a leitura e, ao invés de jogos, recebesse livros pelos anos e Natal. Carla Fonseca é mãe do Tomás e da Beatriz, de 7 e 2 anos, respectivamente: «gosto de lhes dar livros, mas admito que, para eles, os jogos e a televisão são muito mais atractivos...». Tomás confirma as palavras da mãe ao dizer que «ler é uma seca!»

A Internet parece, mesmo, ser o principal rival dos livros: um gigante que tende a crescer paralelamente aos os jogos de computador que tanto seduzem os mais novos. Perante a solução de livros em formatos interactivos ou com um complemento em CdROM, Vítor Silva Mota, lembra que dos 124 livros publicados pela ASA no último ano, apenas um tinha componente interactiva: «os lucros não justificam as despesas».

Com o mesmo argumento, dá resposta a tantos pais que reivindicam publicidade a livros no horário da programação infantil, como forma de combater o desinteresse das crianças por estes. Anabela Teixeira, diz mesmo que «a publicidade só é feita a jogos de computador, bonecas e fast-food, o que os faz tomar partido destas coisas, em vez da leitura».

A função educativa do teatro

Numa altura em que o tema da Cultura está tão em voga, torna-se importante reflectir acerca do papel do Teatro na sociedade. Será que o Teatro tem uma função educativa? Terá a mensagem do actor um carácter educativo? Como reage o público a esta mensagem?

Por: Joana Pinto

Romeu Pereira, actor e director artístico da Associação Teatro Construção de Joane, no concelho de Vila Nova de Famalicão, diz a este respeito: «tentamos sempre dar a entender que se podem mudar as coisas com pequenos gestos: o actor, quando sobe ao palco, pretende transmitir emoções, realismo: a mensagem do autor do texto e do espectáculo».

Custódio Oliveira, autor e encenador de peças de teatro e presidente da Associação Teatro Construção, também de Joane, que «todo o espectáculo de teatro deveria ser didáctico».
Mas também há quem defenda que o teatro é um complemento da educação: «para haver usufruto do espectáculo criativo, para criar sensibilidade à cultura, tem de haver um processo de aprendizagem como se aprende a ler. É por isso que considero que pode ajudar o seu processo de formação vir ao teatro», afirmou Luísa Portal, responsável pelas Relações Públicas e pelo trabalho com as escolas do Teatro Nacional S. João.

«Por exemplo, - continua - temos o caso do espectáculo dos Lusíadas rumo ao Oriente, o qual registou sempre bastante assistência das escolas porque faz parte do programa escolar. A peça, naturalmente, tinha como pré-requisito saber o que são os Lusíadas... até porque os códigos teatrais são diferentes dos códigos de escrita», esclarece.

Fernando Campo Salha, responsável pela frente do Teatro S. João e pela bilheteira, partilha a mesma opinião: «o teatro pode ser um complemento da educação… Por exemplo, a peça A Castro não é imediatamente um texto do currículo escolar, mas, de qualquer forma, vir ao espectáculo pode ajudar a compreender o texto. Não educa, mas ajuda, pode ser um auxiliar de educação neste sentido».

Para Fernando Salha, vir ao Teatro é essencialmente uma coisa de prazer, enquanto que «aprender não é só uma coisa de prazer: é uma coisa de trabalho. Portanto, vir ao teatro não pode ser uma coisa que exija trabalho: tem de ser uma coisa por prazer».

O Teatro Nacional S. João tem um conjunto de iniciativas para fazer com que as crianças tenham cada vez mais acesso ao teatro e à cultura. Contudo, Luísa Portal assume não ser possível dar resposta a tudo: «optou-se pelo trabalho com as secundárias porque entendemos que qualquer aluno do ensino secundário, salvo raríssimas excepções de espectáculos mais complicados, pode e deve assistir a qualquer espectáculo que nós apresentamos. Como não conseguimos chegar a tudo (visto só termos uma sala), os espectáculos para crianças são feitos em palcos mais pequenos, para menos gente».

A tentativa de integrar cobre todos os níveis de actuação: «temos uma preocupação constante com o secundário, juntando essas escolas e esses jovens ao público habitual. Isso foi uma estratégia definida já em 1996 pelo segundo Director do Teatro, Ricardo Pais, e que foi uma aposta ganha!»

Português ou Ptgx?

Ciberlinguagem». Esta nova linguagem imediatista que engole as letras começou a mostrar-se especialmente aliciante para os jovens em idade escolar, dado que os estudantes rapidamente adoptaram o código virtual como forma corrente de comunicação escrita. É devido a esse facto que se coloca a dúvida: conseguirão os jovens separar a linguagem virtual da linguagem real?

Por: Leonora Gonçalves

De acordo com Mário Gonçalves, professor da Escola Secundária Gonçalves Zarco, em Matosinhos, «é pouco provável que a simplificação da ciberlinguagem contamine a norma culta». E acrescenta: «Os adolescentes sabem que a ciberlinguagem deve ficar restrita ao ambiente da rede. Não tenho observado um empobrecimento nos textos devido à disseminação do código linguístico utilizado na Internet», afirma.

O professor salienta ainda que, na sua opinião, «as abreviações, os signos visuais e a ausência de acentuação representam, simplesmente, uma forma de adaptação ao teclado». Para Mário Gonçalves, a grande barreira ao desenvolvimento da aprendizagem da língua ainda se explica pela falta de interesse pela cultura.

Já Rui Estrada, docente da Universidade Fernando Pessoa, tem uma opinião divergente. Para este, a linguagem virtual tem tido bastante influência na redacção dos alunos e acredita que isto constitui um verdadeiro problema. «Penso que hoje os alunos usam essa linguagem [virtual] desde cedo e, como a comunicação vai funcionando, eles pensam que não precisam de uma outra e isso é dramático depois, quando se chega a um nível de estudos avançado, quando têm de escrever uma carta para pedir um emprego, ou quando têm de fazer um texto formal de trabalho», alerta.

Este professor universitário, diz que a ciberlinguagem tem o seu lugar específico e não pode pôr em causa a norma culta da língua portuguesa. E conclui: «o que seria interessante é que os alunos dominassem simultaneamente ambas as linguagens,e não fazer do português uma linguagem de sms».

Também preocupado com o assunto, o psiquiatra de clínica privada, Luís Oliveira dos Santos, do Rio de Janeiro, comenta que a influência da ciberlinguagem pode ser especialmente prejudicial para as crianças. Luís dos Santos afirma que as crianças que frequentam ‘chat rooms’ podem estar a aprender a escrever incorrectamente em virtude da forma característica dos meios digitais. E vai mais longe: «há o risco destes jovens ficarem incapacitados de redigir segundo os códigos linguísticos formais».

Ao abordar os alunos observamos, também, opiniões dissonantes em relação ao tema. Rui Pereira, de 14 anos, estudante do Externato Lúmen, no Porto, é frequentador de ‘blogs’, ‘chat rooms’ e diz-se um «viciado» em SMS. Rui diz que precisa de ter atenção para não utilizar a linguagem abreviada na sala de aula: «‘mt’(muito), ‘tb’(também) e ‘ñ’(não) escapam-me às vezes», confessa.

Já Marilda Ferreira, de 13 anos, também do Externato Lúmen, diz não ter qualquer dificuldade em restringir o uso da ciberlinguagem apenas ao meio informático: «Como muitas das siglas da ‘Net’ são em inglês, não há forma de colocá-las num texto em português. Penso que isso é muito difícil de acontecer. A forma de escrever no telemóvel e na ‘Net’ não tem nada a ver com a escrita normal».

Autor do livro “Linguagem e a Internet”, o linguista inglês David Crystal não dramatiza a questão e classifica os defensores da sintaxe de “alarmistas”. Lembra que a invenção do telefone provocou a mesma desconfiança dos estudiosos.

Por incorporarem uma linguagem repleta de palavras herméticas, as pessoas corriam o risco de perder a capacidade de expressão e sociabilidade: “A nova tecnologia não está a sufocar a gramática, nem tampouco fere a cultura”, afirma. Para Crystal a criação de novos códigos linguísticos “só vem a enriquecer a nossa cultura e abrir uma nova dimensão para a escrita”.

Cultura Sócio-Profissional Inclusiva

Ao longo de vários anos, as pessoas com deficiência eram vistas como inactivas. Hoje em dia, só lhe falta a oportunidade de poderem mostrar que não o são...

Por: Cátia Videira

“A Sociedade de Informação, visão estratégica para a sociedade inclusiva”, foi debatida nas instalações da Ordem dos Médicos, do Porto, no passado dia 20 de Abril. Os objectivos deste evento tiveram por base a necessidade de que o progresso socio-profissional das Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC) fosse também de encontro à inserção dos deficientes na sociedade actual.

De acordo com os dados apresentados pelos oradores, em Portugal, a formação profissional institucional, ministrada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) está demasiadamente orientada e centralizada na formação presencial.

Esta metodologia de ensino dificulta a inserção tanto escolar como social, o que também vai contra o que mais foi defendido neste evento: que a aprendizagem do indivíduo portador de deficiência não se deve cingir ao ensino no domicílio, mas sim na aposta nas TIC para que os resultados na criação de uma sociedade sem partições sejam visíveis e rapidamente alcançados.
No que diz respeito à formação profissional privada, relativa aos Centros de Formação, existe muita oferta de informação on-line, porém demasiado dispendiosa.

No Ensino Superior já existem meios técnicos para este tipo de ensino alternativo, mas existe ainda pouca adesão por parte do corpo docente e discente. «Existe alguma evolução mas não interactiva, pois existe uma falta de sensibilidade generalizada face à utilização das TIC, comprovado pelo insistente método de aulas presenciais versus o e-learning», aponta Clara Cidade Lains, directora de Info-exclusão e Necessidades Especiais da Fundação Portugal Telecom (INE-FPT).

Um mundo empresarial global

Actualmente, a educação é vista como uma capa social, onde o ramo empresarial tem de investir. Porque o volume e o tempo de vida da informação se alteraram, a ideia de um investimento na organização do espaço científico no domicílio começa a ganhar forma.

Em paralelo, a aprendizagem tem de ser revista para não se tornar uma obstrução ao avanço das TIC, sendo consensual que estas permitem um salto qualitativo entre sectores de empresa. «Com elas podemos chegar a um desenvolvimento sustentável, criando um espaço que sugere a ideia de empresa do conhecimento, onde todos os actores sociais têm de ajudar para criar uma sociedade solidária», reforça Lains. «A aposta nestas competências levam à inserção!», conclui.

As TIC criam mais população activa. Desde uma melhor cobertura territorial a uma redução de custos (tanto ao nível educacional como de formação), as TIC podem trazer uma retoma na igualdade de oportunidades, abrindo uma possibilidade real de integração dos deficientes na população activa através do, por exemplo, Tele-trabalho.

Madalena Malta, psicóloga, que esteve presente na plateia, acresce que «as questões que se prendem com a Sociedade da Informação oferecem por si só muitas oportunidades às pessoas com deficiências e, neste sentido, tem de se discutir e descobrir formas para potenciar essas oportunidades».

Inserção Social pelas TIC

Clara Lains (INE-FPT) reforça a ideia de que é vantajoso que o aluno vá às aulas: «as crianças podem beneficiar de apoio por video-conferência ou por uma simples ligação de uma câmara, um microfone e um computador». Para Cidade Lains, este é o pormenor chave para a interacção aluno-professor/colegas, visto que, neste caso, «a escola não é para aprender - é para conviver, e é esse convívio que nos dá conhecimento».

Para Arménio Sequeira, director da licenciatura em Reabilitação e Inserção Social do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), na questão da Inserção Social, não basta acompanhar a revolução tecnológica. Aspectos como a formação e a informação constituem igualmente a Sociedade do Conhecimento: «as tecnologias assustam por serem muito amplas: não basta ter possibilidades de as saber usar, mas termos acesso a elas» realçou, reforçando.

Por este prisma, as TIC causam mais desigualdades, criando um novo paradigma também presente no discurso de Arménio Sequeira: «não se cultiva a capacidade de ter, mas de distribuir».

É importante, deste ponto de vista, que «o deficiente tenha tanto acesso informativo quanto a restante sociedade tem» alega Manuel Barra, vice-presidente da Delegação Distrital do Porto da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), que assistiu à conferência.

Deste ponto de vista, e de acordo com Arménio Sequeira, as Tecnologias da Informação e da Comunicação podem difundir o novo conhecimento porque «transmitir a informação através do computador é muito rápido», processo que apazigua polaridades socio-educativas desiquilibradas. Assegura, porém, que «só há mudança de mentalidade com uma mudança de prática».

Susana Gonçalves, bibliotecária com deficiência visual presente na plateia, afirma que «as novas tecnologias permitem-nos ter uma sociedade inclusiva dentro da sociedade de informação, tomarmos o nosso lugar, que é nosso por direito».

Seguindo esta perspectiva, Maria João Silveira, docente do ISPA, observou que «a mediação é um objecto para promover a inserção social». Para que a inserção seja possível necessita de «capital humano, sendo este visto como competências humanas. Ou seja, as novas tecnologias de Informação servem a melhoria da qualidade de vida, a integração sócio-educativa, económica e cultural, para dar respostas específicas através de projectos concretos».

Sociedade Individualista

Para Clara Cidade Lains (INE-FPT), o que falta às sociedades é uma forte mudança de mentalidades: «uma falta de sensibilidade não caritativa mas positivista, no sentido de albergar as diferenças, anulando-as, e tendo sempre em vista a criação de uma sociedade para todos», defende.

Também Marco Geraldes, docente na Universidade da Beira Interior, que revelou também sofrer de paralisia cerebral, focou essa questão: «a distância é um grande desafio, mas não é uma fronteira final». «Quando existe comunicação nos dois sentidos, – defende este docente - o estudante beneficia do diálogo e aumenta a retenção de informação, tendo, assim, mais incentivo», enfatiza.

Não se pode apenas fazer esta metamorfose nos espaços de educação: as novas TIC colaboram no desenvolvimento e partilha de conhecimento, o que promove a inserção social. Assim «só podemos alcançar a inclusão da pessoas com deficiência se todos ajudarem» enfatizou Arménio Sequeira (ISPA).

Susana Gonçalves defende que «temos de abalar as estruturas e chamar a atenção para estas questões, no fundo!». A representante da autarquia de Campanhã, Isabel da Costa Alves, também presente no evento, diz-nos que «temos de ter sempre em atenção a igualdade de oportunidades para todos, em igualdade de circunstâncias».

Os Media e a integração

De acordo com a plateia, os Media poderiam ajudar a essa sensibilização. Para Catarina Rodrigues, docente do ISPA, os media são fundamentais para construir e apoiar essa modificação de mentalidades «mostrando os casos de sucesso, de integração e de inserção».
Também Adolfo Barbosa, administrativo de 36 anos, refere que «temos de sensibilizar os governantes, as pessoas que estão ligadas a estas áreas, para que as injustiças deixem de existir».

Ficou bem patente no evento o elevado grau de insatisfação na cobertura mediática sobre a inserção dos deficientes. Manuel Barra enfatiza que «os media têm uma função importante, no entanto virada para uma certa elite. As pessoas que têm maiores dificuldades, essas, não têm acesso e daí que, naturalmente, a nossa luta também aqui incida para que ela seja de igual forma distribuída».

Neste sentido, Susana Gonçalves desabafa: «se nos mostrassem mais, no sentido de mostrar realmente as nossas capacidades, acho que se calhar a nossa inclusão na sociedade seria facilitada». E acrescenta: «têm de nos dar mais tempo de antena».

Isabel da Costa Alves refere que «ainda há muito que fazer, mas a problemática aqui é a mentalidade portuguesa. Peguemos no caso da Conservatória do Registo Civil e Comercial do Porto, na rua Alves Cabral. É uma instituição pública, não tem rampas para deficientes e os elevadores são convencionais. É uma instituição publica, mas quando uma instituição daquela envergadura tem aquelas condições… não se pode exigir muito dos outros».

Uma visão mais positiva foi a de Madalena Malta, psicóloga: «até muito recentemente os media têm estado um bocadinho fechados. Com o ano 2003 - o Ano Europeu da Deficiência - começou a haver uma presença mais assídua... Deveriam, porém, ter um papel de desmistificação...»

Também Daniela Resende, assistente social de 29 anos defendeu um pouco esta perspectiva: «de vez em quando há uma reportagem ou outra, mas ainda há muitas crianças que, com certeza, estarão em casa, porque não têm um sistema que lhes permita fazer chegar a escola a casa ...e poderiam ter».

Caso de Vida

A 10 de Dezembro de 1988, na Guiné, aquando a um rebentamento de um detonador de oito minas, a vida de António Matos de Almeida, director do jornal “Associação” da APD, mudou.
Cego desde esse dia, a sua vida passou a ser um pesadelo, resultando em ter de depender dos seus familiares para, por exemplo, adquirir informação, «o que era um fardo para todos! …o simples acto de escrever uma carta era um tormento para mim e o que, psicologicamente me afectava, atingia todos os que me rodeavam!» recorda com angústia.

No entanto, Matos de Almeida garante que «após a entrada do computador na minha vida, tudo se tornou muito mais fácil. Receber informação e comunicar com o Mundo, pelo simples facto de poder escrever um texto de voz com o uso de um microfone como suporte informático, recriou a minha independência…»

Novo Código da Estrada

«Cerca de 1000 a 1200 pessoas morrem, por ano, nas estradas», como nos refere Carlos Duarte, sub-comissário da Polícia de Segurança Pública (PSP) de S. João da Madeira. Este novo Código da Estrada tem como objectivo diminuir o número de vítimas, mas será este um método de coação eficiente?

Por: Vanessa Arlandis Mota

O novo Código da Estrada está muito mais severo para quem não cumpra as regras de trânsito. Aprovado em 23 de Fevereiro deste ano, o decreto-lei nº44/2005 entrou em vigor já em 26 de Março passado.

O objectivo destas alterações é tornar mais rígidas as penalizações das infracções que os condutores cometem ao código da estrada com a finalidade de diminuir os grandes acidentes que existem e que provocam tantas vítimas, um apelo à sensibilidade das pessoas de forma a haver uma maior segurança.

A mais significativa alteração foi o aumento das coimas, o que já começou a produzir efeitos. Carlos Duarte, sub-comissário da PSP de S. João da Madeira (SJM), observa que «já existe uma postura defensiva por parte dos condutores: o aumento das coimas motivou as pessoas».

Por essa razão, o mesmo profissional das forças de segurança começa a notar, em vários aspectos, «uma ligeira preocupação por parte dos condutores», o que leva a algumas alterações no comportamento na estrada. «O espírito da lei é educar a actuação, e esta educação tem de ser aplicada a vários níveis e de um modo contínuo no utente» afirma Carlos Duarte.

A principal razão apontada para o aumento dos valores das multas foi o peso coasivo que, à partida, o pagamento das infracções pode vir a ter. Porém, há quem defenda que o melhor método seria o da formação em valores éticos e cívicos dos condutores, o que começa nas Escolas de Condução.

Inês Braga, de 21 anos, é instrutora de código há seis meses na escola de condução de Paranhos, no Porto. De acordo com Inês, os alunos em geral, mas principalmente os de mais idade, têm dificuldade em aprender o Código da Estrada: «noto essa diferença, porque não têm tanta disponibilidade de tempo, o que os faz não terem um ritmo certo de aprendizagem e, consequentemente de interiorização dos conhecimentos!»

E para esta situação específica Inês reafirma a sugestão: «deveriam constituir-se turmas em benefício destes alunos, mas as pessoas querem as coisas rápidas!...»

Alterações ao Código da Estrada

As modificações ao Código da Estrada não foram muitas, no entanto exigem dos condutores mais atenção, tudo em prol da segurança.

Excepto as rotundas, não houve nenhuma alteração nas regras do Código da Estrada, propriamente ditas. As modificações dão-se nos limites (1) velocidade mínima da auto-estrada (que passa a ser 50km/h), (2) passa a ser obrigatório colocar o triângulo de pré-sinalização de perigo sempre que o veículo fique imobilizado ou tenha deixado cair carga; (3) todos os veículos a motor têm de estar equipados com um colete reflector de modelo aprovado.

De referir que contra-ordenações que não eram consideradas como tal passam a sê-lo, como é o caso do (4) arremesso de qualquer objecto para o exterior do veículo; (5) as contra-ordenações graves passam para muito graves, como por exemplo o não cumprimento do sinal STOP e do sinal vermelho.

Jorge Correia, de 33 anos, instrutor e responsável da Escola de Condução Paranhos, mostra-se céptico relativamente à eficácia destas medidas: «infelizmente, penso que o número de vítimas não diminuirá pois o mais complicado é o civismo. A mentalidade dos utentes das estradas, condutores ou peões, faz com que os sinistros aconteçam!...»

Quanto à responsabilidade civil e profissional das Escolas de Condução, Jorge Correia assegura-nos que ela é posta à prova em sala de aula tanto com o aluno como com a Direcção Geral de Viação: «é a Direcção Geral de Viação que nos manda os planos curriculares e um instrutor tem formação contínua. Já os alunos têm de dar um número de unidades temáticas, portanto, não sinto que estes tenham dificuldades em aprender o novo Código Estrada».

Vivências Pessoais

Na verdade, os alunos que andam a tirar a carta de condução não sentem dificuldades, pois partilha-se a opinião que tudo é novidade e estão cientes que é o melhor para todos. No entanto, nem todos são condutores e nem tudo é a favor da segurança dos peões, pois todo o cidadão tem direito a um clima seguro.

Existe uma falta de informação generalizada para estes outros utentes da via pública, mas quem tem uma noção básica destas regras considera que estas alterações poderão ter um resultado benéfico.

José Manuel dos Santos, condutor de 65 anos, refere que «nem por isso sei muito dessas modificações, tenho sido pouco esclarecido acerca disso e tenho alguma dificuldade em percebê-lo». Para Manuel dos Santos, não é complicado conduzir, «mas as pessoas é que precisam de ter mais cuidado, nomeadamente com as manobras».

Mas na realidade...

...já se começa a notar alguma modificação no comportamento na estrada, nomeadamente uma maior prudência.

À primeira vista, e de acordo com sub-comissário da PSP de SJM, Carlos Duarte, «verifica-se que existem menos pessoas ao telemóvel e sem cinto de segurança!» Como declara o sub-comissário, «a lei só tem aplicabilidade se houver modificação de comportamentos, e a este respeito os polícias tem funções importantíssimas, quer na fiscalização, quer na função pedagógica!» Para alcançar este propósito, a esquadra de SJM distribuiu prospectos elucidativos das alterações ao Código da Estrada aos cidadãos da cidade.

No entanto, para o sub-comissário «não é suficiente mas foi um esforço. Para que a população possa aplicar a lei tem que estar informada e um polícia sente-se mais responsabilizado por isso» e acrescenta: «a polícia, efectivamente, tem de fazer cumprir o Código da Estrada e andar atrás dos criminosos, mas as pessoas não percebem isso e há mesmo quem nos tente enganar fazendo-se de deficiente. Mal deixam de ver os polícias começam andar direitinhos!...»

Dadores de sangue

Por: Amanda Alves

O Instituto Português de Sangue (IPS) revelou que, no ano passado, os dadores de sangue portugueses - que são, na sua maioria, masculinos - proporcionaram 303 mil dádivas: um número que quase permite a auto-suficiência dos hospitais do nosso país.

António Lopes é ex-aluno da Universidade Fernando Pessoa (UFP) e dador de sangue há cerca de 10 anos. Começou por uma brincadeira de fim de noite: «na altura ainda estava a tirar o curso e, nesse dia, vínhamos de uma noitada. Na chegada à UFP, vimos um peditório do IPS nas instalações e como estavam a dar comida, disse: “Porque não?!” ...e, desde aí, sou dador».

António já acabou o curso mas ainda agradece à Universidade por esta inicitativa (que se repete sempre que solicitada pelo IPS) e sente-se feliz em dar sangue pois: «é o poder anónimo de ajudar alguém». Por essa razão, sempre que pode incentiva amigos e colegas a fazerem o mesmo, pois acredita que os portugueses ainda não estão sensibilizados para esta causa primordial.

António Russo tem 74 anos e também é dador: «senti necessidade de o fazer há cerca de 20 anos atrás para poder salvar a vida de meu pai que estava a precisar urgentemente de uma transfusão. Desde aí que sou dador pois vejo a importância de o fazer». Mais do que isso, António já necessitou de sangue também para lhe salvar a vida: «por essa razão, dou ainda mais valor à dádiva».

Marisa Alves não é dadora mas já necessitou muito de uma transfusão de sangue: «fiz uma operação e como no pós-operatório não estava muito bem, necessitei urgentemente de uma transfusão de sangue. Nunca pensei que fosse precisar mas precisei e foi muito importante». Desde aí que sentiu na pele a importância que existe em dar sangue pois: «podemos salvar várias vidas de uma forma tão simples!»

JC: Operação Sem-Abrigo

Dizem que não existem super-heróis, ou que estes são imaginários, mas é certo que os podemos encontrar nas ruas do Porto. Espalhados por toda a parte, procuram um ombro amigo, um sorriso, uma voz que lhes aqueça o coração. Difícil é pensar que, de um dia para o outro, se pode ficar sem nada. Resta apenas um recanto na cidade porque esta é pública e as poucas mãos amigas que insistem em ajudar...

Por: Patrícia Rocha

Basta um olhar pela janela do carro para se conseguir ver o que se passa. A cidade enche-se de sem-abrigo, gente a quem a vida pregou uma partida.

Existe uma variedade infinita de pessoas que vivem temporariamente na rua. O sem-abrigo, o mendigo, o vagabundo, ocupam o espaço e o tempo de uma forma bem diferente da nossa.

Mas algo tem de mudar. O sem-abrigo não pode continuar a ser considerado um ‘corpo andante’: ele é também um ser humano que vive nas ruas que todos os dias são pisadas por cidadãos comuns. Já teve uma família, um emprego, dinheiro e, principalmente, um lugar quente e acolhedor.

São seres humanos com o mesmo direito de partilhar informação, de comunicar, de ocupar o banco do jardim, de sentar e pedir um café…

A família dos sem-abrigo não escolhe idades e todos necessitam do mesmo afecto e atenção.
Uns mais escondidos que outros não hesitam em pedir a tal ‘moedinha’ que, dizem eles, «é para comer qualquer coisinha, que já não como desde ontem». Outros limitam-se a vaguear pelas ruas da cidade. O que é certo é que não podemos virar as costas a este problema que de dia para dia parece aumentar.

A equipa é JC!

A Jesus Cristo (JC), ao contrário do que se possa pensar, não é uma instituição, mas sim um grupo de alguns elementos que decidiu unir-se para ajudar aqueles que mais necessitam e que estão sós nesta, para eles, dura vida.

Todos os domingos, às 20 horas, saem para as ruas do Porto com os seus ‘sacos ternura’ para aliviar e matar a fome do sem-abrigo.

Levam um pouco de tudo: bolachas, croissants, salsichas, leite chocolatado, bonés, sapatos, roupa… e o tal miminho que nunca falta: o chocolate que todos adoram.
Se é difícil observar a situação destas pessoas durante o dia, mais difícil se torna ao cair da noite. Recolhem-se e habitam no recanto mais aconchegado, que é sempre o mesmo. No fundo, parecem uma família, pois conhecem-se uns aos outros. Alguns até a têm, mas preferem estar sós na rua, do que maltratados em casa.

Heróis todos os dias

A equipa JC segue sempre os mesmos locais da sua ronda. O primeiro destino é o edifício do Jornal de Noticias, onde se encontra a Sabrina, uma menina de 3 anos que vive com a mãe. Nunca teve uma casa, mas o seu olhar é doce e meigo. Está sempre à espera de um saco mimado, de um brinquedo, de um sorriso.

O Carregal é o destino seguinte, e lá estavam os amigos do costume, na enorme e antiga casa que noutro tempo foi um Lar e que hoje os acolhe, todas as noites.

O Alfredo, sempre com a sua boa disposição, oferece aos presentes um pouco da sua habilidade musical. Estão lá também o António, com uma capacidade enorme para contar histórias e a dona Emília (a avózinha, como é considerada), uma senhora de 76 anos que não admite que falem da sua família, pois esta só lhe trás más recordações. Na hora da despedida fica sempre a chorar, embora saiba que a equipa vai voltar com os tão desejados beijos e carinhos que lhe sabem sempre a tão pouco.

No Hospital de Santo António abriga-se o Vladimir, um ucraniano que vai ficar para sempre agradecido das muletas que a equipa lhe arranjou, pois só assim se consegue manter de pé.
São várias as histórias destas pessoas, cada um tem um motivo para ali estar, ou porque os pais e/ou os filhos os rejeitaram, ou porque o álcool e a droga lhes falou mais alto, enfim, uma infinidade de histórias que fazem pensar e reflectir.

A história de Domingos é interessante: «há 30 anos, tinha eu 12, vivia em Angola com toda a família. A minha mãe trabalhava para uns senhores do continente. Um dia, esses senhores disseram-lhe que vinham à metrópole e que me trariam com eles». A mãe de Domingos limitou-se a aceitar. «Entretanto rebentou a guerra em Angola e os senhores disseram à minha mãe que não iriam mais voltar», e o Domingos ficou entregue a si mesmo, desde os 12 anos.

Mais adiante, na rua Júlio Dinis, e já com o frio a fazer sentir-se na pele, encontramos o Mauro de 19 anos e o Sérgio, um ucraniano que passa os dias à porta do centro comercial Cidade do Porto. Estava triste e aborrecido, pois a promessa de emprego que lhe haviam feito no mercado do Bom Sucesso não se concretizou. Mais uma vez tinha sido enganado.

A Anabela não confia os seus medos a ninguém, a tudo responde com o olhar assustado que a vida lhe tatuou. A uma determinada altura pensei: «Que coragem a destas pessoas. Agora dou valor a tudo o que tenho e preservo!».

O rumo segue agora em direcção à Avenida da Boavista onde se encontram o Hélder e o Luís finalmente de pé, pois os ‘Médicos do Mundo’ tinham estado a tratar deles, a pedido da JC. Um pouco mais à frente está o Avelino sempre com o seu lugar muito limpo e organizado, com a sua única companhia, o seu cão que, como diz, o ditado: “O cão é o melhor amigo do Homem.”

Junto ao Hotel Meridien está o Fernando, sem forças para se levantar. Diz ter HIV, hepatite B, hepatite C, diabetes, cancro, mas ainda chora desesperadamente, «porque tenho dignidade», diz.
No percurso entre o Campo Alegre até Lordelo do Ouro mostra mais uma rapariga de muletas, sem uma perna, a pedir uma esmola a todos os condutores que paravam naquele semáforo.

A Bruna tem 22 anos, ficou sem a perna num acidente de automóvel. Tinha fugido de casa porque o pai a maltratava e, na ilusão de uma vida melhor, aceitou levar ser acompanhante, até ao dia em que engravidou. Foi perdendo o rasto dos seus e acabou sozinha na rua, de braço dado com a droga.

Disse que dormia no bairro do Aleixo e que todo o dinheiro que juntava era para se alimentar daquele vício, que já não consegue largar. Perguntei se existiam mais sem-abrigo e se podia levar-me até lá. De um momento para o outro começaram a aparecer, mais pareciam seres fantasmagóricos.

Foi impossível comunicar com eles. Aceitaram apenas a oferta e recolheram novamente para o único lugar que têm:um cobertor e alguns caixotes, que é tudo o que lhes resta para dormirem mais uma noite.

Liga dos Amigos do Centro Hospitalar de Gaia

Por: Joel Silva

9:00 horas da manhã. Hospital Santos Silva, Vila Nova de Gaia. Nos corredores vão-se aglomerando dezenas de pessoas com consulta marcada. O ritmo lento com que se processa o atendimento faz desesperar o mais calmo dos mortais. Surge então o serviço de cattering disponibilizado pelos Voluntários da Liga dos Amigos, do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.

Este serviço só é possível graças «à grande contribuição do Banco Alimentar», de acordo com Olímpio Ferreira, médico-reformado, vice-presidente da instituição de apoio hospitalar, que alberga cerca de 160 voluntários.

A Liga de Amigos do Hospital de Gaia nasceu há 15 anos. As suas motivações altruístas e de invulgar solidariedade são os alicerces do crescimento e importância patenteada nos últimos anos, que eleva a instituição a uma das mais emblemáticas do concelho de Gaia.

«É, de facto, com orgulho, que todos temos acompanhado o crescimento desta instituição. O mérito pode ser repartido por muitos, desde os voluntários, até às administrações do Hospital Santos Silva, que sempre contribuíram de uma forma activa para o bom funcionamento da mesma», refere este antigo profissional da medicina.

Dina Barbosa, é uma dessas 160 voluntárias. Reformada, Dina já leva mais de sete anos de voluntariado, tempo esse que tem servido para a mesma «enriquecer a todos os níveis, através da ajuda a doentes e pessoas internadas carentes de apoio». É este sentimento de solidariedade que reina e faz com que todos tentem convergir no lema e bandeira da instituição.

Conta Ilda Carvalho, outra voluntária, que «por vezes é extremamente difícil confrontarmo-nos com um paciente que tem uma doença terminal, ou irá ser brevemente amputado. Nessas situações resta-nos dar toda a nossa atenção e carinho». Ilda cumpre as suas funções no departamento de cirurgia vascular. O quotidiano desse departamento obriga-a a enfrentar situações de angustiante sofrimento físico e psicológico. «Temos de ser fortes - diz a voluntária - são de facto muitos aqueles que, perante a adversidade pensam em desistir, simplesmente deixar de lutar», conclui.

Se não é fácil acordar e depararmo-nos com uma realidade completamente transfigurada, mais difícil é ver aqueles que nos são queridos sofrerem constantemente, sem nada a fazer. É esta a história de Lucinda Torres, 55 anos, desempregada, que na altura desta reportagem cumpria o primeiro dia de voluntariado na Liga dos Amigos do Centro Hospitalar.

A vida pregou-lhe uma partida cruel, já que a sua mãe padecia de uma grave doença, o que a obrigou a abdicar da sua vida activa. O tempo que passou nos cuidados médicos com a mãe, levou-a a conhecer este grupo de pessoas e prometeu: «no dia em que a minha mãe partir, irei ser mais uma». Promessa cumprida, Lucinda é duplamente feliz.

A história de Lucinda é um factor comum entre muitos dos voluntários que aderiram à liga depois de se terem confrontado com uma tragédia familiar, ou no seio dos que os rodeiam. Muitos são aqueles que fazem do seu tempo livre um espaço de intervenção e conforto para aqueles que mais necessitam.

A receptividade por parte dos doentes é, por norma, acolhedora, embora haja casos de isolamento extremamente difíceis de combater.

Balbina Correia, 72 anos, esteve internada cerca de duas semanas devido à fractura de uma perna. Salienta o importante papel dos voluntários que privaram com ela durante a sua curta estadia: «É gente formidável. Nos dias que correm, é normal acharmos que existem só pessoas que pensam primeiro em si e só depois nos outros. Ainda bem que isso é mentira e quero acreditar que, como muitos voluntários, ainda há muita gente boa espalhada por esse mundo fora». Opinião partilhada por Lurdes Maria, 85 anos, e que parece ser, sem duvida, o sentimento dominante entre os muitos que já foram tocados por esta causa.

Integração sócio-profissional dos cidadãos invisuais

A Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) é uma instituição particular de Solidariedade Social, de âmbito nacional, que tem como fim a promoção da habilitação dos invisuais e amblíopes para o exercício de um vida em sociedade participativa. Trata-se de um projecto com financiamento do Estado Português, nomeadamente, do Ministério o Trabalho e da Segurança Social e do Fundo Social Europeu.

Por: Sónia Resende

Celeste Cardoso, 47 anos, é telefonista na Universidade Fernando Pessoa (UFP) . Tem um sorriso contagiante e uma agilidade a trabalhar impressionante. “Trim” de um lado, “trim” do outro, os telefones não param, mas Celeste não se atrapalha. “Universidade Fernando Pessoa, fala Celeste Cardoso...!”, quem ouve esta voz do outro lado do telefone não imagina que ali está uma pessoa a quem a vida deu força para lutar contra o inesperado.

Tinha 24 anos quando deu conta que estava a ficar sem visão. Gradualmente, num período de cerca de um ano, os rostos de todos os dias desvaneciam-se aos poucos. Como que a entrar num túnel sem fim onde a luz se ia perdendo. Em contrapartida, a memória e os outros sentidos começaram a aperfeiçoar-se.

O maldito glaucoma que cega cerca de 2,4 milhões de pessoas por ano surgiu sem aviso na vida de Celeste, mas inesperada foi também a força de vontade que teve para continuar a viver. Naquela altura valeu-lhe a ajuda do namorado, com quem estava desde os 22 anos: «ele foi muito importante para mim porque, realmente, foi uma fase que, se estivesse sozinha, não sei se tinha aguentado».

A família também a apoiou muito, mas o amor foi, de facto, o seu último reduto para a sobrevivência emocional e social. Viriam a casar-se quando Celeste tinha 31 anos.

Até aos seus 24 anos chegou a trabalhar, temporariamente, como auxiliar de educação e numa agência de viagens. Nessa altura, poucos anos tinham passado depois do 25 de Abril e a vida de Celeste continuava numa revolução constante à procura de emprego fixo.

Depois, perante a incontornável situação que a viria a afectar, Celeste teve conhecimento que existiam associações que a podiam ajudar. «Foi então que comecei a aprender o braille e fiz uma reabilitação de modo a conseguir maior mobilidade».

O estágio profissional que decidiu fazer na ACAPO, depois de já ter estado a trabalhar durante oito anos também como telefonista, levou-a até à UFP, onde permanece há quatro anos. Admite gostar do que faz, «embora se fosse normo-visual com certeza que gostaria de ter outro tipo de trabalho mas, como invisual, acho que telefonista é o lugar onde podemos ser mais independentes... é tudo uma questão de hábito», define Celeste.

Novas Tecnologias da Comunicação

Quando a Internet começa a ser um elemento quase indispensável na vida das pessoas, também para os invisuais foi criado um software que permite ouvir a informação que os sites contêm. Assim, hoje em dia abrem-se as portas para que os invisuais possam ocupar outros cargos senão os já comuns.

Mas não é fácil viver num país com tantos obstáculos para os invisuais. Andar nas ruas, em edifícios públicos ou no próprio local de trabalho pode tornar-se uma verdadeira aventura.
Embora tenha a facilidade de trabalhar no primeiro andar, Celeste considera que a sua mobilidade é difícil, «se quiser ir ao bar, tenho de ir acompanhada. É difícil descer as escadas e muitas vezes os alunos também se distraem muito. Mesmo que leve a bengala, às vezes nem se apercebem que estou a querer passar».

Saudades é, com certeza, uma palavra talvez demasiado redutora para exprimir o quanto Celeste gostaria de tornar a ver o sol, o mar, as plantas. «Uma coisa que adorava era andar no meio da natureza, ir à praia... e isso eu continuo a fazer, mas sinto-a de outra maneira» confessa, com melancolia.

Mas nos seus olhos vê-se, sobretudo, afecto, quando fala nas sobrinhas, que considera as filhas que nunca teve. «Gostava de ver o rosto delas, mas não consegui porque ceguei pouco antes. A mais velha nasceu passado cerca de dois anos de eu cegar». No entanto, Celeste vê-as com o coração.

Felicidade à vista

João António Moreira, invisual desde os 13 anos, não teve uma integração profissional como Celeste. No entanto é feliz porque, mais que isso, o que ele precisava era de estabilidade social.
Foi um ser humano com todas as suas capacidades, até ao dia que uma ablepsia se apoderou da sua visão. Cegou primeiro da vista esquerda e, apesar de aos 14 anos ter feito uma operação que lhe dava 5% de probabilidade de ficar a ver, acabou por ficar invisual.

Desde os 6 anos que viveu num Colégio interno, em S. Félix da Marinha (Vila Nova de Gaia), que o acolheu a si e aos seus três irmãos. Tinha 17 quando começou a trabalhar na agricultura, numa Quinta, na Madalena (Vila Nova de Gaia). Segundo ele, «os patrões ajudaram-me mas, por outro lado, pagavam mal». Dormia num espigueiro, sem condições para um ser humano, ainda mais sendo invisual. Dormia lá praticamente todos os dias, havendo semanas que nem ia ao colégio. Um dia teve de sair do colégio. Os irmãos, já maiores de idade, tornaram-se desordeiros e foram expulsos. João também teve de acompanhá-los, «disseram-me que eu tinha mais cabeça que os meus irmãos. Por isso tinha que tomar conta deles...!» desabafou.

João era, então, um rapaz responsável e trabalhador. Consigo levou os poucos bens que tinha e também as poucas boas recordações, indo viver para uma pequena casa em Vila Nova de Gaia, onde os quatro rapazes partilhavam a profunda falta de condições.

Aos 26 anos a sua vida começou um novo rumo. Através de um «camarada», como prefere chamar a alguém que o ajudou, conseguiu livrar-se do mundo cruel em que vivia. Foi quando encontrou, em Cinfães do Douro, uma nova forma de viver. Perto do Porto, é no berço espantoso de montanhas bravias que fica a aldeia onde vive. O horizonte fecha-se em volta e o céu parece ali excessivamente baixo. Isolado do mundo, leva um quotidiano sempre igual mas com um saudável estilo de vida.

No desandar dos ponteiros do relógio dá sempre tempo para João lavrar as terras, cuidar dos animais que cria (porcos, galinhas e coelhos) e, ainda, para o convívio entre os poucos habitantes daquele sítio, pessoas que, desde o primeiro momento, sempre o acolheram bem. «São a minha família», diz, aquela que ele nunca teve, pelo menos na verdadeira acpeção da palavra. Os caminhos são feitos de pedras desequilibradas mas, com o seu traquejo, João já aprendeu a conhecê-las.

Hoje tem 28 anos e diz ser um rapaz feliz: «muitas pessoas que conheci gozavam comigo por ser invisual, mas encontrei um camarada que me levou para a aldeia. Não quero voltar para o Porto».

A última coisa que levou da Invicta foi uma companheira. Diana, de 22 anos, residia no colégio onde o João viveu. «Ele ajuda-me muito», diz Diana, feliz por estar ao lado dele. «Só com ele é que aprendi a andar na rua, ir às consultas do médico, às compras, coisa que nunca tinha feito enquanto estive no colégio».

Diana tem uns olhos escuros grandes e expressivos, que revelam a curiosidade de quem viveu poucos dias fora dos muros do colégio. Mas têm um brilho e uma simpatia que demonstram a sua alegria de viver ao lado de João. Uma alegria que o companheiro não vê, mas sente.
João ainda guarda mágoas da sua vida passada, onde quase todos lhe viraram as costas. No entanto, agora tem motivos para sorrir.

ACAPO olha pelos invisuais

O desemprego que afecta a população invisual é um dos problemas que a Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal tenta resolver.

Na delegação do Porto, Diana Benfica (Técnica de Integração Profissional), Natividade Abreu (Assistente Social) e Margarida Gomes (Psicóloga), lutam diariamente pela integração sócio-profissional dos deficientes visuais. Concretizam um projecto que tem como objectivo principal a integração profissional dos invisuais ou, no caso de já terem emprego, melhorar a sua posição profissional.

Para isso há vários passos: o utente inscreve-se na instituição onde é recebido, numa primeira instância, pela psicóloga que irá conduzi-lo num processo de adaptação profissional; depois disso, entra numa outra área que é apoiada pela Técnica de Integração Profissional que tem o papel de contactar as entidades. A Assistente Social faz o elo de ligação, uma vez que os utentes também necessitam ajuda com documentos e outras questões técnicas.

No processo de integração profissional, encontram alguns obstáculos «por parte das empresas há um grande desconhecimento, por isso é um processo moroso» afirma a psicóloga, Margarida Gomes.

Aponta também o dedo aos próprios hospitais, que deveriam passar as prescrições para as ajudas técnicas, «a maior parte deles tem problemas gravíssimos, não só a nível de acessibilidades, mas também pelo próprio desconhecimento daquilo que é necessário, acontecendo que, muitas vezes, nem têm o formulário que deveria ser preenchido nestes casos».
Natividade Abreu integra a equipa de formação profissional através de acções formativas, acessibilidades e revisão de todo o programa que deve ser cumprido. «A parte mais interessante no meu trabalho é as ajudas técnicas, porque são necessárias adaptações para que os invisuais possam desempenhar as suas actividades tão bem como qualquer outra pessoa», diz a Assistente Social.

Diana Benfica está há poucos meses na ACAPO mas avalia positivamente a participação das empresas neste processo de integração profissional. A Técnica de Integração Profissional considera, porém, que «o que acontece, muitas das vezes, é que as entidades que os recebem não estão preparadas a nível das acessibilidades».

Consciente de que também o acesso à informação é um dos principais problemas dos deficientes visuais, a ACAPO dispõe de bibliotecas em braille e sonoras, assim como promove diferentes e variadas acções de âmbito cultural, como idas ao teatro, concertos e actividades desportivas como o goalball. Curiosamente, este desporto surgiu logo após a II Guerra Mundial, criado especificamente para ocupar desportivamente os ex-combatentes que haviam cegado em combate.

As actividades desportivas e culturais desenvolvidas pela Associação têm despertado algum interesse por parte dos utentes. Porém, a Psicóloga considera que existe uma divisão dentro do próprio grupo das pessoas com deficiência visual: «há pessoas que acham que este tipo de actividades são essenciais e gostam de participar, e há outras que não ligam muito e nem respondem a esse tipo de iniciativas que são desenvolvidas».

O cidadão face à deficiência visual

Confrontadas com esta questão, as opiniões são unânimes entre as técnicas que lidam diariamente com esse tipo de situações: felizmente, há uma tendência para tentar ajudar mas que, muitas vezes, acaba por ser inoportuna. A psicóloga Margarida Gomes considera que há uma tendência exagerada de «verem os deficientes visuais no papel de coitadinhos»...

Nos ambientes de trabalho, as pessoas lidam com os deficientes visuais sempre numa base de condescendência. Margarida Gomes considera que «é suposto que uma pessoa que esteja a trabalhar seja autónoma. Dificilmente conseguiremos integrar, num ambiente de trabalho, uma pessoa que tenha défices grandes e que não esteja capacitada para exercer as suas funções».

Segundo dados do INE (2001), são 163569 os portadores de deficiências visuais em Portugal. Vale a pena existir uma instituição que não fecha os olhos a estes problemas.