28 maio, 2005

Livros e leituras: a importância do verbo “Ler”

Numa sociedade com baixos índices de leitura e com uma cultura livreira quase inexistente, fomos perguntar aos mais novos o que significa para eles um livro, porque razão tendem a ler tão pouco e o que pensam das obras escolares. Ouvimos também o que pais, professores, escritores, papelarias, livrarias e bibliotecas tinham para dizer.

Por: Raquel Fernandes

“Ler é viajar no mundo da fantasia sem irmos até lá”; “Ler é imaginar e fingir que estamos dentro da leitura”. Estas definições pertencem ao Diogo e ao Nuno de 12 anos, que embora tenham definido a leitura de forma tão efusiva, não esconderam o facto de não gostarem muito de ler: «dificilmente trocávamos por um livro, um jogo de computador!...»

Embora o cenário, de certo modo representativo, que o Diogo e o Nuno nos trouxeram, Vítor Silva Mota, editor infanto-juvenil da ASA, afirma que o mercado desses livros «é um mercado em crescimento, com as crianças a lerem cada vez mais...!»

De facto, podemos pensar no mega-sucesso que é, por exemplo, a colecção ‘Harry Potter’...José Leonardo, escritor e director da Biblioteca Municipal de Rio Maior, distrito de Santarém, lembra o sucesso que essa personagem tem e diz que «metade das iniciativas das actividades desenvolvidas por Bibliotecas Municipais são dedicadas às crianças, que aderem entusiasticamente».

Porém, apesar destes depoimentos e do sucesso de algumas colecções, as crianças entrevistadas foram peremptórias em afirmar que ler, muitas vezes é uma obrigação, e que existem um sem número de coisas mais interessantes com que gastam o seu tempo livre.

Todos concordam que esta tendência tem de ser mudada no seio dos jovens de hoje, pois eles serão os adultos leitores de amanhã: «é importante que os jovens leiam, nem que a qualidade literária não seja a melhor», como lembra o editor da Asa, Vítor Silva Mota.

Ler um livro, um história ou uma simples matéria no jornal, ajuda a criança ou o adolescente em desenvolvimento a adquirir cultura geral, enriquecer o seu vocabulário, diminuir os erros gramaticais e ortográficos e a desenvolver a sua imaginação, tão vital nos dias de hoje.

Influências, deveres e responsabilidades

Quando se tratam de hábitos que fazem parte da vida de crianças e adolescentes é imprescindível falar com todos aqueles que contribuem para a sua educação e formação. No caso dos livros, também se incluem a sua respectiva divulgação e venda.

Anabela Teixeira, professora de Português há treze anos, a leccionar, actualmente, no Colégio Ellen Key, e mãe de uma criança de quatro, atribui o principal dever de incutir hábitos de leituras, numa idade inicial, aos pais e aos professores, na idade escolar. «É aconselhável começar a ler desde que estão na barriga. Desde que o meu filho tem um ano, que me traz livros para eu lhe ler!», afirma.

José Leonardo, já acima mencionado, concorda com a professora: «os pais têm um papel crucial na missão de tornar o livro familiar. Possuindo muitos livros em casa, faz com que a criança se habitue e o aprecie enquanto objecto físico que pode ser tocado, cheirado e manuseado. Para além disso, ler em voz alta, faz a criança associar a leitura/audição de uma história ao prazer da companhia com os pais e momentos de lazer juntos».

O papel dos pais é também salientado na altura de escolher um presente para oferecer ao filho ou gerir o tempo livre deste.

Miguel Branco trabalha na livraria ‘Nova Fronteira’, no Porto, há cinco anos. Do seu contacto com pais e crianças, diz que, muitas vezes, são os filhos que incitam os pais a comprar os livros, deparando-se com as reticências destes pelos preços praticados e possível pouco uso que irão ter. De facto, todos os pais inquiridos apontaram o preço elevado dos livros como um problema para que a sua compra seja vulgarizada.

O papel dos professores e das escolas é também exaltado por pais, editoras e livrarias, uma vez que cabe a estas parte essencial da formação dos jovens.

Pedro Passos, sócio-gerente de um Centro de Ensino e Apoio Pedagógico, na cidade do Porto e pai de um adolescente de 17 anos, mostra a sua indignação pela forma como as escolas lutam contra o decréscimo dos hábitos de leitura: «Na escola, professores de português que não sabem como resolver o problema da falta de hábitos de leitura, pedem aos alunos para realizarem trabalhos de pesquisa na Internet. Será essa uma forma de incentivo à leitura?». Anabela Teixeira concorda: «os professores de português têm a obrigação de desmistificar o monstrozinho da leitura», acusa.

Livros escolares e Livros lúdicos

Dos 15 jovens inquiridos, com idades entre os 7 e os 17 anos, menos de metade afirmaram gostar dos livros que lêem no contexto da disciplina de Português.

A escolha dos livros sugeridos pelo Ministério da Educação é mesmo posta em causa por alunos e professores. Anabela Teixeira diz que algumas destas escolhas estão desactualizadas e provocam pouco interesse nos alunos que não se identificam com história e personagens: «se calhar, a escolha de algumas obras teria de ser revista...», aponta.

Beatriz, de 14 anos, diz que, na escola, gostaria de ler mais aventuras e livros cujos protagonistas fossem adolescentes como ela própria. Carlos, de 11 anos, concorda com a ideia de ler aventuras em sala de aula e confessa que também gostaria de ler livros mais divertidos e não tão maçadores.

Para o director da biblioteca de Rio Maior, José Leonardo, as escolas deveriam não só apostar na leitura obrigatória como promover livros lúdicos que não façam parte do programa da disciplina de Português: «para além das obras de leitura curricular, que por serem obrigatórias causam alguma resistência e desprazer nos alunos, deveria haver, também, um estimulo à leitura lúdica e de entretenimento. Isto para que o acto de ler seja encarado o mais possível como um prazer que se pratica por gosto e por auto-iniciativa, e não como uma obrigação».

Livro vs Tecnologia

Todas as crianças entrevistadas possuíam uma consola de jogos, um telemóvel e, algumas delas, um computador e ligação à rede a partir de casa. De quinze, apenas duas aceitariam trocar as horas com estes aparelhos pela a companhia de um livro. Aliás, a maior parte delas argumentou que o tempo que têm de lazer é tão precioso que de forma alguma o desperdiçariam a ler.

Diogo, 12 anos, diz mesmo que reagiria muito mal caso os pais lhe impusessem a leitura e, ao invés de jogos, recebesse livros pelos anos e Natal. Carla Fonseca é mãe do Tomás e da Beatriz, de 7 e 2 anos, respectivamente: «gosto de lhes dar livros, mas admito que, para eles, os jogos e a televisão são muito mais atractivos...». Tomás confirma as palavras da mãe ao dizer que «ler é uma seca!»

A Internet parece, mesmo, ser o principal rival dos livros: um gigante que tende a crescer paralelamente aos os jogos de computador que tanto seduzem os mais novos. Perante a solução de livros em formatos interactivos ou com um complemento em CdROM, Vítor Silva Mota, lembra que dos 124 livros publicados pela ASA no último ano, apenas um tinha componente interactiva: «os lucros não justificam as despesas».

Com o mesmo argumento, dá resposta a tantos pais que reivindicam publicidade a livros no horário da programação infantil, como forma de combater o desinteresse das crianças por estes. Anabela Teixeira, diz mesmo que «a publicidade só é feita a jogos de computador, bonecas e fast-food, o que os faz tomar partido destas coisas, em vez da leitura».

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