28 maio, 2005

Manuela Bacelar: traços de tinta

Tobias e Bulbina são personagens encantadas do universo ilustrativo das crianças. São também elas que ajudam a extravasar a timidez de Manuela Bacelar: «No ensino secundário, eu era má aluna e tímida. E, para sublimar isso, tornei-me um bocadoa palhaço da turma. Ainda hoje sou um bocadinho...», conta a pintora. Ou melhor, ilustradora, pois, como refere, «pintores há muitos».

Por: Inês Braga

Manuela Bacelar nasceu no Porto há 61 anos e, desde pequena, «inventava histórias, personagens». Ilustradora de muitos livros para crianças, não se revê no espaço da infância como fenómeno de catarse. A liberdade e o incentivo à arte eram solicitações e sensibilidades frequentes: «Não nos perguntavam se queríamos ir, mas sentíamo-nos muito contentes por ir à ópera, ao ballet. Também não havia televisão...», recorda.

Tudo começou quando Manuela decidiu, aos 20 anos, ir para Praga, onde foi bolseira, de 1964 a 1970, na Escola Superior de Artes Aplicadas (cursos de Ilustração e Animação). A República Checa foi, assim, «decisiva» no seu percurso artístico, permitindo-lhe ir além da Escola Soares dos Reis (onde concluiu Artes Decorativas, em 1963) e contribuindo para o amadurecimento do seu imaginário.

Naturalmente, o gosto pela pintura, o interesse artístico, a passagem por Paris - «óptima escola de observação» - permitiu-lhe absorver diversas correntes e estilos: «A minha cabeça é uma esponja de imagens, faz um batido e dá um toque especial», explica. Assim, Manuela não consegue dissociar a pintura da ilustração, acabando por «fazer da ilustração uma pintura em ponto pequeno».

As influências cinéfilas e teatrais são, também, intensas. Tirando os retratos ficcionados, Manuela parte de um ambiente que ela própria cria à sua volta: «Faço as minhas encenações a partir do teatro, da música, do caos do atelier. Faço encenação, na medida em que foram leituras daquilo que vi. Quando leio um livro de que gosto muito, sou capaz de meter 20 capítulos numa tela». Ao mesmo tempo, a sua vivência permite-lhe, hoje, encontrar e, não, partir em busca: «Já não sou jovem, já não ando à procura de nada, agora encontro, como dizia Picasso».

Esta artista figurativa já tem perto de 60 livros publicados em Portugal, França, Dinamarca, Espanha, Rússia, Marrocos e Líbano. E já ganhou, entre muitos outros, o prémio Gulbenkian (1990), a Maçã de Ouro, na Bienal Internacional de Bratislava com Silka de Ilse Losa (1989) e o Prémio de Ilustração do Ministério da Cultura/IBBY com A Sereiazinha de Hans Christian Andersen (1996). O reconhecimento pela obra feita fá-la sentir-se bem, ainda que seja um aspecto pouco consciencializado: «Sinto que isso é uma pessoa exterior a mim, ainda tenho muito caminho a fazer».

Conhecendo a obra da autora, nomeadamente, a exposição «Kafka para que vos quero», destaca-se esta grande inspiração que teve início no livro de uma escritora alemã sobre a vida de Milena Jecenská, companheira de Kafka. «Milena era uma jornalista fora do seu tempo... foi uma personagem que me marcou muito. Quando li o livro, há 15 ou 20 anos, comprei os Diários de Kafka e, desde então, que ele anda comigo. É como um parente: de vez em quando, entra-me no quarto sem pedir licença...»

A imagem feminina é também outro elemento saliente: «Quando pinto uma mulher começo pelos olhos e estes comandam tudo o resto, o tema vem do olhar». Aliás, a sensibilidade feminina é demarcada por Jean Perrot, Presidente do Institut International Charles Perrault, em França: «Devemos ler as suas ilustrações [referente ao conto O Barba Azul de Charles Perrault] como uma espécie de manifestação feminista protestando contra a visão masculina dos contos». De referir a forte importância de Perrault para a autora, observável na exposição realizada em Lisboa sobre Kafka e Perrault, em 2002.

As evocações e ideias de Manuela Bacelar despertam, no receptor das suas obras, sensações de inquietação e devir, mas também de bem-estar, de vida e de fruição que pairam num universo seu, muitas vezes sem título. É que a autora não dá nome a muitos dos seus quadros: «Já que nos livros tenho que dar nome às personagens. O máximo que posso nomear será uma exposição».

Entretanto, nomeou os seus mais recentes livros: Uma prenda muito especial e Sebastião, este último, só de imagens. Relativamente à pintura, a última exposição foi na Fundação Engº António de Almeida, em Abril do ano passado, e intitulava-se O traço debaixo da tinta. Quanto ao futuro, e à exposição de novas obras, Manuela Bacelar confessa, «estou a pensar expor em breve».

Sem comentários: