28 maio, 2005

Cultura Sócio-Profissional Inclusiva

Ao longo de vários anos, as pessoas com deficiência eram vistas como inactivas. Hoje em dia, só lhe falta a oportunidade de poderem mostrar que não o são...

Por: Cátia Videira

“A Sociedade de Informação, visão estratégica para a sociedade inclusiva”, foi debatida nas instalações da Ordem dos Médicos, do Porto, no passado dia 20 de Abril. Os objectivos deste evento tiveram por base a necessidade de que o progresso socio-profissional das Tecnologias de Informação e de Comunicação (TIC) fosse também de encontro à inserção dos deficientes na sociedade actual.

De acordo com os dados apresentados pelos oradores, em Portugal, a formação profissional institucional, ministrada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) está demasiadamente orientada e centralizada na formação presencial.

Esta metodologia de ensino dificulta a inserção tanto escolar como social, o que também vai contra o que mais foi defendido neste evento: que a aprendizagem do indivíduo portador de deficiência não se deve cingir ao ensino no domicílio, mas sim na aposta nas TIC para que os resultados na criação de uma sociedade sem partições sejam visíveis e rapidamente alcançados.
No que diz respeito à formação profissional privada, relativa aos Centros de Formação, existe muita oferta de informação on-line, porém demasiado dispendiosa.

No Ensino Superior já existem meios técnicos para este tipo de ensino alternativo, mas existe ainda pouca adesão por parte do corpo docente e discente. «Existe alguma evolução mas não interactiva, pois existe uma falta de sensibilidade generalizada face à utilização das TIC, comprovado pelo insistente método de aulas presenciais versus o e-learning», aponta Clara Cidade Lains, directora de Info-exclusão e Necessidades Especiais da Fundação Portugal Telecom (INE-FPT).

Um mundo empresarial global

Actualmente, a educação é vista como uma capa social, onde o ramo empresarial tem de investir. Porque o volume e o tempo de vida da informação se alteraram, a ideia de um investimento na organização do espaço científico no domicílio começa a ganhar forma.

Em paralelo, a aprendizagem tem de ser revista para não se tornar uma obstrução ao avanço das TIC, sendo consensual que estas permitem um salto qualitativo entre sectores de empresa. «Com elas podemos chegar a um desenvolvimento sustentável, criando um espaço que sugere a ideia de empresa do conhecimento, onde todos os actores sociais têm de ajudar para criar uma sociedade solidária», reforça Lains. «A aposta nestas competências levam à inserção!», conclui.

As TIC criam mais população activa. Desde uma melhor cobertura territorial a uma redução de custos (tanto ao nível educacional como de formação), as TIC podem trazer uma retoma na igualdade de oportunidades, abrindo uma possibilidade real de integração dos deficientes na população activa através do, por exemplo, Tele-trabalho.

Madalena Malta, psicóloga, que esteve presente na plateia, acresce que «as questões que se prendem com a Sociedade da Informação oferecem por si só muitas oportunidades às pessoas com deficiências e, neste sentido, tem de se discutir e descobrir formas para potenciar essas oportunidades».

Inserção Social pelas TIC

Clara Lains (INE-FPT) reforça a ideia de que é vantajoso que o aluno vá às aulas: «as crianças podem beneficiar de apoio por video-conferência ou por uma simples ligação de uma câmara, um microfone e um computador». Para Cidade Lains, este é o pormenor chave para a interacção aluno-professor/colegas, visto que, neste caso, «a escola não é para aprender - é para conviver, e é esse convívio que nos dá conhecimento».

Para Arménio Sequeira, director da licenciatura em Reabilitação e Inserção Social do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), na questão da Inserção Social, não basta acompanhar a revolução tecnológica. Aspectos como a formação e a informação constituem igualmente a Sociedade do Conhecimento: «as tecnologias assustam por serem muito amplas: não basta ter possibilidades de as saber usar, mas termos acesso a elas» realçou, reforçando.

Por este prisma, as TIC causam mais desigualdades, criando um novo paradigma também presente no discurso de Arménio Sequeira: «não se cultiva a capacidade de ter, mas de distribuir».

É importante, deste ponto de vista, que «o deficiente tenha tanto acesso informativo quanto a restante sociedade tem» alega Manuel Barra, vice-presidente da Delegação Distrital do Porto da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), que assistiu à conferência.

Deste ponto de vista, e de acordo com Arménio Sequeira, as Tecnologias da Informação e da Comunicação podem difundir o novo conhecimento porque «transmitir a informação através do computador é muito rápido», processo que apazigua polaridades socio-educativas desiquilibradas. Assegura, porém, que «só há mudança de mentalidade com uma mudança de prática».

Susana Gonçalves, bibliotecária com deficiência visual presente na plateia, afirma que «as novas tecnologias permitem-nos ter uma sociedade inclusiva dentro da sociedade de informação, tomarmos o nosso lugar, que é nosso por direito».

Seguindo esta perspectiva, Maria João Silveira, docente do ISPA, observou que «a mediação é um objecto para promover a inserção social». Para que a inserção seja possível necessita de «capital humano, sendo este visto como competências humanas. Ou seja, as novas tecnologias de Informação servem a melhoria da qualidade de vida, a integração sócio-educativa, económica e cultural, para dar respostas específicas através de projectos concretos».

Sociedade Individualista

Para Clara Cidade Lains (INE-FPT), o que falta às sociedades é uma forte mudança de mentalidades: «uma falta de sensibilidade não caritativa mas positivista, no sentido de albergar as diferenças, anulando-as, e tendo sempre em vista a criação de uma sociedade para todos», defende.

Também Marco Geraldes, docente na Universidade da Beira Interior, que revelou também sofrer de paralisia cerebral, focou essa questão: «a distância é um grande desafio, mas não é uma fronteira final». «Quando existe comunicação nos dois sentidos, – defende este docente - o estudante beneficia do diálogo e aumenta a retenção de informação, tendo, assim, mais incentivo», enfatiza.

Não se pode apenas fazer esta metamorfose nos espaços de educação: as novas TIC colaboram no desenvolvimento e partilha de conhecimento, o que promove a inserção social. Assim «só podemos alcançar a inclusão da pessoas com deficiência se todos ajudarem» enfatizou Arménio Sequeira (ISPA).

Susana Gonçalves defende que «temos de abalar as estruturas e chamar a atenção para estas questões, no fundo!». A representante da autarquia de Campanhã, Isabel da Costa Alves, também presente no evento, diz-nos que «temos de ter sempre em atenção a igualdade de oportunidades para todos, em igualdade de circunstâncias».

Os Media e a integração

De acordo com a plateia, os Media poderiam ajudar a essa sensibilização. Para Catarina Rodrigues, docente do ISPA, os media são fundamentais para construir e apoiar essa modificação de mentalidades «mostrando os casos de sucesso, de integração e de inserção».
Também Adolfo Barbosa, administrativo de 36 anos, refere que «temos de sensibilizar os governantes, as pessoas que estão ligadas a estas áreas, para que as injustiças deixem de existir».

Ficou bem patente no evento o elevado grau de insatisfação na cobertura mediática sobre a inserção dos deficientes. Manuel Barra enfatiza que «os media têm uma função importante, no entanto virada para uma certa elite. As pessoas que têm maiores dificuldades, essas, não têm acesso e daí que, naturalmente, a nossa luta também aqui incida para que ela seja de igual forma distribuída».

Neste sentido, Susana Gonçalves desabafa: «se nos mostrassem mais, no sentido de mostrar realmente as nossas capacidades, acho que se calhar a nossa inclusão na sociedade seria facilitada». E acrescenta: «têm de nos dar mais tempo de antena».

Isabel da Costa Alves refere que «ainda há muito que fazer, mas a problemática aqui é a mentalidade portuguesa. Peguemos no caso da Conservatória do Registo Civil e Comercial do Porto, na rua Alves Cabral. É uma instituição pública, não tem rampas para deficientes e os elevadores são convencionais. É uma instituição publica, mas quando uma instituição daquela envergadura tem aquelas condições… não se pode exigir muito dos outros».

Uma visão mais positiva foi a de Madalena Malta, psicóloga: «até muito recentemente os media têm estado um bocadinho fechados. Com o ano 2003 - o Ano Europeu da Deficiência - começou a haver uma presença mais assídua... Deveriam, porém, ter um papel de desmistificação...»

Também Daniela Resende, assistente social de 29 anos defendeu um pouco esta perspectiva: «de vez em quando há uma reportagem ou outra, mas ainda há muitas crianças que, com certeza, estarão em casa, porque não têm um sistema que lhes permita fazer chegar a escola a casa ...e poderiam ter».

Caso de Vida

A 10 de Dezembro de 1988, na Guiné, aquando a um rebentamento de um detonador de oito minas, a vida de António Matos de Almeida, director do jornal “Associação” da APD, mudou.
Cego desde esse dia, a sua vida passou a ser um pesadelo, resultando em ter de depender dos seus familiares para, por exemplo, adquirir informação, «o que era um fardo para todos! …o simples acto de escrever uma carta era um tormento para mim e o que, psicologicamente me afectava, atingia todos os que me rodeavam!» recorda com angústia.

No entanto, Matos de Almeida garante que «após a entrada do computador na minha vida, tudo se tornou muito mais fácil. Receber informação e comunicar com o Mundo, pelo simples facto de poder escrever um texto de voz com o uso de um microfone como suporte informático, recriou a minha independência…»

Sem comentários: