28 maio, 2005

Para além da Juventude: o despertar para a problemática dos idosos

De algumas décadas para cá, a esperança de voda alongou-se de forma notável e as famílias começaram a ter que se preocupar com os seus idosos. De acordo com os dados do Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, o número de pensionistas por velhice, de 1990 para 2004, subiu de 1.329.049 para 1.662.046, verificando-se, no grupo etário acima dos 84 anos a maior mudança: de 89.683 para 148.816. A Geriatria, especialidade médica dedicada aos idoso, tem-se tornado, portanto, um anecessidade crescente nesta nova realidade.

Por: Leonora Gonçalves

António Leushner, director do Serviço de Psicogeriatria do Hospital Magalhães Lemos, chama a atenção para a importância absoluta das Ciências Geriátrias, para além das estatísticas populacionais.

«A importância absoluta é a que resulta de que nós todos nos devemos preocupar com as pessoas mais velhas, com os processos de envelhecimento que conduzem a essa fase da vida e porque nós próprios nos relacionamos com o envelhecimento, à partida dos filhos, à solidão ...a um conjunto de problemas que está muito associado aos idosos», ressalta este profissional.

Leushner aborda ainda a relevância dos serviços psiquiátricos específicos para o cidadão sénior e esclarece no que consiste a Psicogeriatria: «É, de alguma maneira, o conjugar de duas preocupações: por um lado as da Geriatria e, por outro, as da Psiquiatria. E é disso que se ocupa, fundamentalmente: das perturbações mentais, de comportamento e psicológicas nessa fase da vida».

De acordo com Sara Melo, animadora sócio-educativa no Centro Social Paroquial de S. Tiago de Silvalde, ainda há alguma confusão em perceber no que consiste a especialidade.Para esta educadora social, «as pessoas que têm realmente conhecimento sobre a gerontologia e a geriatria são apenas os profissionais da área da saúde ou da solidariedade social» e a maior parte da população não têm qualquer ideia da distinção entre esta ciência e outra qualquer.

Quanto aos interesses e processos mais frequentes na Geriatria, a especialista Dolores Fernandez, docente da Universidade Fernando Pessoa, no pólo de Ponte de Lima, explica que qualquer patologia do adulto pode apresentar-se no idoso, mas neste a situação é mais complicada pela coexistência de outras patologias.

Dentre estas temos, como exemplos mais frequentes, insuficiências orgânicas e ósseas a vários níveis, demências, doença de Parkinson, diabetes, a síndrome de imobilidade (com as suas consequências) e os problemas de alimentação, levando muitas vezes a problemas graves de malnutrição.

Os Lares e as residências

A falta de formação dos auxiliadores para a saúde nos lares de terceira idade é uma das grandes deficiências no apoio aos idosos em Portugal.

De acordo com o Psicogeriatra António Leushner, «na grande maioria dos casos a preparação é muito próxima de nada e há muito poucas exigências de formação». Tem de haver, na visão deste Psicogeriatra, «uma formação prévia e também uma formação continuada do pessoal».

Directora de uma empresa pioneira no cuidado domiciliário a idosos, a “Avós e Netos”, Beatriz Pires repreende o fenómeno das residências assistidas, os denominado ‘lares de luxo’: «Parece que toda gente encontrou um problema: a velhice, a falta de natalidade... descobriram a pólvora. Decorrente disso, alguns grupos económicos resolveram tomar o seu filão de ouro. Criam-se, assim, exemplos mirabolantes de ‘residências assistidas’, que cobram preços exorbitantes e que são uma solução apenas para uma parcela ínfima da população», explica.

Sara Melo considera muito mais proveitoso a presença de um médico geriatra permamente ao invés de apenas duas vezes por semana. «Dessa forma, o médico poderia com muito mais eficácia ir ao encontro de muitas das doenças que os nossos idosos apresentam, dado que para serem ouvidos ou terem atenção os idosos, muitas vezes, começam a sentir dores que não existem e que nenhum medicamento consegue amenizá-las», salienta.

Abandono e Solidão

A falta de apoio dos familiares para com os mais velhos envolve questões económicas, mas também questões éticas. É impressionante constatar que nos hospitais portugueses existam de camas ocupadas por idosos sem qualquer tipo de doença, mas que não recebem alta simplesmente porque não têm para onde ir.

De acordo com o Psicogeriatra António Leushner, é essa negligência e abandono que leva muitas vezes a que os mais velhos desenvolvam problemas de saúde do foro psiquiátrico: «A solidão pode ser um sentimento que se sobrepõe ao isolamento, ou seja, as pessoas podem não querer ter muitos contactos sociais... Mas podem viver isso com angústia e a solidão é, de alguma maneira, o lado negativo do isolamento», explica.

Também Beatriz Pires aborda a problemática da solidão. «Uma pessoa que trabalhe sente que os dias passam a correr, mas para o idoso, que está em casa o dia todo, isso não é assim o que pode desencadar num sentimento profundo de tristeza», salienta a gestora.

Uma melhor forma de actuar

Dolores Fernandez defende que um profissional que trabalhe com idosos não pode abordar a Geriatria como uma ciência em si, «mas deve sim adaptar-se às características do subgrupo populacional no qual actua».

Na percepção da especialista devem ser quatro as preocupações primordiais de um Geriatra: (1) a promoção da saúde e prevenção das incapacidades da pessoa idosa; (2) a diminuição da mobilidade e o retardamento da dependência e institucionalização, (ajudando, assim, à permanência do idoso no seu domicílio com maior qualidade de vida possível); (3) a identificação das pessoas com maior risco de perda de autonomia e (4) a atenção à dependência nas actividades da vida diária.

A permanência do idoso no seu domicílio é um conceito novo e ainda pouco valorizado pelos poderes governamentais. Beatriz Pires alerta para a falta de apoios do Estado para soluções alternativas aos lares de terceira idade: «Se calhar é mais fácil legislar no sentido do apoio domiciliário ser comparticipado e que se criem condições para as famílias ficarem com os idosos em casa, do que estar a investir em lares, que demoram muito tempo a concretizar e que têm custos muito elevados», afirma.

Beatriz Pires aponta ainda para o bem-estar psicológico do idoso como mais um aspecto a considerar na solução do apoio residencial. Segundo a gestora, para os mais velhos, sair do local onde sempre viveram, «onde têm as suas memórias de vida, para residirem em lares é uma mudança muito drástica e traumática».

A educadora social Sara Melo, que já teve experiências de trabalho em lares de terceira idade, deixa uma possível solução para a problemática que envolve os idosos na sociedade em que vivemos: «Se fossem disponibilizados profissionais na área da Geriatria em diversos serviços da sociedade seria uma revolução em prol do bem-estar do idoso e da mentalidade do povo Português. Tenho a certeza que o idoso ganhava um espaço muito mais digno no seio da nossa sociedade e não aquela ideia de um ‘coitadinho’ sozinho, velhinho com frio e triste, que quase toda a gente tem em mente».

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