28 janeiro, 2005

Diário infantil de esperanças renovadas

Nove horas e trinta minutos, sexto piso. Saio do elevador e deparo logo com espaços coloridos. Acabo de entrar na ala de Pediatria do Instituto Português de Oncologia do Porto.

Por: Cláudia Ferreira da Silva

Ao longe, olhares curiosos observam tudo ao pormenor. Vejo ansiedade, curiosidade, medo, vergonha e esperança entre tantos outros sentimentos contraditórios.

Depois de se passar, ouve-se um «olá!» tímido e nervoso. É o Ruben. Passados cinco minutos, já está na conversa como se fosse amigo de há muito. O pai, José Silva, explica que hoje, mais uma vez, o Ruben vai ter alta. «Acabou mais uma sessão de quimioterapia. Não sei quando teremos que voltar, mas o importante é que, para já, vamos para casa», diz.

Uns olhos ansiosos pela partida revelam que a alta é o momento mais esperado. Abraçar a mãe e a pequena irmã é o próximo passo. «Sim, porque aqui – explica o pai – temos de viver um dia de cada vez. Este é, aliás, um sentimento partilhado por todos aqueles que diariamente vivem neste piso».

O Ruben é um menino de nove anos com uma vida pela frente. Isso está patente em cada movimento que faz, em cada palavra que profere. Brincalhão, inteligente e com um cálculo mental invulgar, revela que quer continuar a estudar «para um dia ser doutor». Para tal, frequenta todos os dias a sala de aulas do Instituto Português de Oncologia, aí continua com os seus estudos e aprende coisas novas todos os dias, sempre com esperança. Para um futuro próximo, avizinha-se um transplante à medula, cujo doador será a irmã. O Ruben tem leucemia de alto risco.

No quarto em frente encontro a Ana, de seis anos, sentada, a brincar com a mãe. Olha para mim com um sorriso maroto e travesso, e um olhar encantador. Pergunta o que queremos. Acha-me chata e não me quer deixar falar com a mãe. Mostra o brinquedo e explica que é com aquilo que está a aprender as letras e os números, com muitos sons à mistura, para ajudar. Pergunto há quanto tempo ali está: não sabe. «Aqui o tempo passa rápido e como, de cinco em cinco dias, os tratamentos acabam, vou para casa», explica.

Foi-lhe diagnosticado um tumor maligno de órbita, aos quatro anos. Enquanto que o transplante do doador alemão não chega, os seus dias são passados ali, entre o colo da mãe, a dor dos tratamentos e a alegria de aprender, todas as tardes, algo de novo na sala pedagógica. «Ali aprendo, pinto, brinco e porto-me mal como os outros meninos». Para a mãe, Paula, a esperança é o que ainda a traz ali para dar forças à Ana.

Para o Sérgio, as brincadeiras e travessuras normais a um menino de dez anos são limitadas, uma vez que uma doença genética no cérebro o impossibilita quer de andar, quer de brincar. Em Maio deste ano, a mãe Fátima descobriu que o Sérgio também tem um tumor no pescoço. Com um sorriso estampado no rosto, o menino continua a ver os desenhos animados, alheio a tudo o resto que se passa à sua volta. Quando lhe pergunto se sabe o que tem, abana com a cabeça e responde, apenas, que acredita em Jesus.

Nesta ala há muito mais do que médicos, enfermeiros ou auxiliares. Aqui há voluntários da Liga Portuguesa Contra o Cancro, há membros da Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro (ACREDITAR), há uma professora e várias educadoras.

Aqui, o importante é tratar a criança com cancro e não só o cancro da criança. Para tal, Filomena Cardoso, professora do primeiro ciclo, ajuda todos os dias a que um menino saia da sua sala com um bocadinho de conhecimento a mais. Confessa que o tempo foi o seu grande mestre e a experiência de duas décadas de ensino especial, também.

O carinho pelas crianças levou-a a concorrer ao ensino especial e a ser colocada no IPO, há já três anos. Neste tempo, muitas alegrias e tristezas ocorreram, mas a vontade de ensinar permanece. Revela que, aqui, o ensino se diferencia-se do ensino normal, pela ausência de livros e pela permanência em aulas individualizadas, de acordo com a personalidade e disposição de cada criança. «Aqui não há regras, nem horários. A sala está aberta toda a tarde a cada aluno que quiser e estiver com disposição para aprender», diz Filomena Cardoso.

São 15 horas e a sala de apoio pedagógico está cheia. «A maior dificuldade é mesmo criar uma boa disposição ao aluno quando este sabe que terá que fazer um exame complicado, a qualquer momento», explica a professora. Dos pais, obtém a maior receptividade possível. Todos acham que, com as aulas, os meninos terão uma continuidade no ensino, não quebrando a sua rotina.

A Liga e a Associação ACREDITAR, trabalham em parceria com a constante preocupação em animar e mimar a criança, sem que esta o perceba. São inúmeras as actividades que preparam, desde saídas aos arredores do Porto, até ateliers de pintura ou de teatro.

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