28 janeiro, 2005

A Comunidade Chinesa em Portugal

A inconfundível lanterna vermelha na porta é tão eficiente como um logótipo. Estamos, sem sombra de dúvida, diante de uma loja de comércio chinês. Guarda-chuvas, telefones, blusas, brinquedos, acumulam-se nas prateleiras numa profusão de cores e estilos que chegam a confundir o mais atento cliente. É neste cenário que se concentra grande parte da população chinesa. Este é também o nosso ponto de partida para conhecer um pouco mais da realidade dos imigrantes chineses em terras lusitanas.

Por: Leonora Gonçalves

Falar com um imigrante chinês revelou-se uma missão quase impossível. «Nô falar bem português!», é frase ouvida vezes sem conta ao abordar comerciantes chineses no Porto. Com grande desconfiança e um sorriso nervoso, os sóbrios imigrantes fecham-se em copas só pela menção da palavra ‘reportagem’, recusando a satisfazer a curiosidade jornalística e, gentilmente, indicando a saída do estabelecimento comercial.

É a muito custo, portanto, que Li Bin vai respondendo às perguntas. Sempre com o olhar por cima dos ombros do entrevistador, para assegurar que nenhum cliente fique mal atendido na loja de comércio chinês, lá vai contando a sua história. Com 34 anos de idade, há três em Portugal, mais especificamente no Porto, Li Bin diz-se satisfeito com a vida. «Estou muito contente, vivo melhor do que na China», conta. Todavia, no início contou com algumas dificuldades na adaptação a uma cultura e costumes tão diferentes dos seus.

Li Bin aponta a traiçoeira língua portuguesa como a sua maior dificuldade: «Tive que decorar algumas frases para falar com os clientes. Hoje, já estou bem melhor, só não entendo quando falam muito rápido», explica.

Quando perguntamos se já se sentiu discriminado, Li Bin desvaloriza a questão: «Os portugueses às vezes não têm muita paciência para entender o que quero dizer, é só isso. Não são mal educados e tratam-me bem».

Li Bin diz não sentir saudades da China, mas dos seus familiares. «Tenho dois irmãos lá [na China] que quero que venham, mas eles têm família e é mais difícil», lamenta. Quanto à possibilidade de voltar, Li Bin olha-nos com um ar sério e sem hesitar responde: «Não! Fico cá. À China não volto».

Retrato Oriental

De acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de 2002, os chineses já são estimados em 11 mil em território nacional, dos quais apenas cerca de 4500 se encontram em situação legal.

«A procura das melhores condições de vida é o principal motivo da emigração. Hoje, os imigrantes chineses já vêm ao encontro de outros familiares instalados em Portugal e, por isso, sentem-se mais estimulados para emigrar», diz Y Ping Chow, representante da Comunidade Chinesa no Porto. E acrescenta: «Posso dizer que 90% dos chineses que emigram para Portugal vêm para ficar. Primeiro, chegam sozinhos. Depois, quando já estão numa situação estável, trazem os familiares».

Segundo Y Ping Chow, a língua constitui um dos maiores obstáculos para os imigrantes chineses em Portugal. «É muito difícil fazermo-nos entender e trocar ideias em português», afirma. Quando questionado sobre o receio da comunidade chinesa em falar, o representante explica que «muitos chineses ainda não estão legalizados no país e esta pode ser uma das causas do silêncio. Mas também há o facto de serem muito reservados».

Y Ping Chow pensa não haver preconceito dos portugueses em relação à comunidade chinesa: «Os chineses imigrantes em Portugal são bem tratados e aceites». Considera ainda, que a mentalidade dos cidadãos dos dois países em questão é realmente diferente, mas desvaloriza a presença de dificuldades intransponíveis por parte dos imigrantes chineses em Portugal.

O representante da Comunidade Chinesa no Porto justifica o escasso convívio dos imigrantes desse país em Portugal, dizendo que os chineses reúnem-se somente em situações especiais. E dá como exemplo um evento de grande dimensão a ocorrer: o novo ano chinês, uma das poucas oportunidades de congregação dos imigrantes chineses.

No entanto, Chow admite o surgimento de alguns atritos entre nacionais e chineses na área do comércio. «O que existe é uma incompreensão por parte dos comerciantes portugueses em relação às chamadas ‘lojas dos chineses’, por estas apresentarem artigos com um preço muito baixo. Mas esse é um problema que vai desaparecer com o tempo».

Invisibilização’ Chinesa

Chen Xiaohong, investigadora do Centro de Estudos Chineses (CEC) da Universidade Técnica de Lisboa, afirma que os chineses têm o que chama de uma "estratégia de ‘invisibilização’". «Fora do espaço dedicado ao negócio étnico em que é possível haver relações inter-pessoais, a visibilidade dos membros da comunidade é quase inexistente. Estes, curiosamente, não apresentam a necessidade, nem ao nível individual, nem ao nível colectivo, de reconhecimento e aceitação por parte do grupo acolhedor», explica.

«Em Portugal, e mais especificamente no Porto, nota-se a ausência de uma região de concentração de comércio e habitação, do género ‘Chinatown’. E refiro o Porto por ser aqui que a imigração chinesa é mais expressiva», diz Xiaohong.

Aquela investigadora considera que a procura de reconhecimento pela comunidade chinesa passa, quase exclusivamente, pela rentabilidade económica dos seus negócios. De acordo com estudos do CEC, o espaço de venda de produtos, seja em restaurante ou em pronto-a-vestir, é a forma que os chineses encontram para projectar a sua etnicidade e reunir-se como um grupo.

Apesar deste contacto ser considerado impessoal e rápido, é um contacto inter-étnico.
Outro estudo de grande relevância neste âmbito foi realizado por Teresa Teófilo, no âmbito de um curso de Pós-graduação em Multiculturalismo e Relações Interculturais, intitulado "Identidade e Reconhecimento: O Outro Chinês".

Para a investigadora, é fundamental questionar a recepção dos chineses junto da população portuguesa e problematizar a interferência de estereótipos e preconceitos na integração da comunidade imigrante na sociedade acolhedora.

Uma das conclusões da investigação foi a não constatação de qualquer expressão de racismo flagrante, mas sim a presença de alguns estereótipos. Sobre a evolução do relacionamento entre portugueses e chineses, afirma: «através da produção, divulgação e partilha de conhecimento será mais fácil transformar comportamentos discriminatórios, para que o multiculturalismo seja um conceito vivenciável e verificável e não uma mera leitura sociológica das actuais sociedades».

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