26 janeiro, 2005

Capoeira: uma arte de entrar na roda

Por: Inês Braga

Descalços, calças largas, t-shirts, cabelos despenteados, alguns "rastas": eis um possível retrato dos alunos da Capoeira.

Os corpos ondeiam-se em movimentos circulantes, rápidos e ágeis. O som das vozes, do berimbau, do pandeiro, é contagiante. Tal como o sorriso que se alarga no rosto de cada um.

É um dia de roda no ‘Grupo Porto da Barra’, onde todos se reúnem em círculo e no meio dá-se o confronto entre os capoeiristas. A roda é fechada por corpos humanos unidos e, ao mesmo tempo, o centro é aberto, pois os capoeiristas em confronto são constantemente interrompidos por novos desafiadores, que passam da roda para o centro. É aqui que se põem à prova os exercícios da semana; é aqui que se joga, que se sente verdadeiramente a sua arte.

A capoeira é uma luta. Mas vai muito além dela. Como refere Karamuru, contra-mestre do grupo, é também «dança, arte, filosofia de vida, você quando entra para a capoeira é que escolhe o que é que você quer fazer com ela. ...Capoeira, para mim é cada vez menos uma luta, é uma cultura», acrescenta Mário Brandão, instrutor.

Uma cultura que nos é passada pelos brasileiros, que faz com que os vários alunos se apaixonem em brasileiro e entoem: "Capoeira, meu amor"... numa das várias músicas.

Curiosamente, os vários membros da Capoeira tratam-se por nomes diferentes dos de baptismo. Ganham as designações que lhes são atribuídas pela prática, pelas características físicas, temperamentais, tornando-as numa espécie de clã, com uma identidade de grupo particular. Por isso se fala em "Brutus", "Flor", "Iemanjá"... e não em João, Maria, Patrícia.

Na Capoeira, não há nenhum manual. As tradições passam de boca em boca, há mais de cem anos e através da Casa Mãe, em Salvador da Baía, onde se vão buscar os princípios, os guias, a inspiração. É também de ginga em ginga que a Capoeira passa. "Gingar" significa andar na Capoeira, tal como está escrito na Casa Mãe, a letras bem salientes: «Procure sempre gingar», recorda Mário Brandão.

As tradições e a passagem do testemunho são, assim, essenciais para a manutenção da filosofia e ensinamentos de vida da Capoeira.

O ‘Grupo Porto da Barra’ nasceu em Maio de 1994, na Baía, Brasil, e é presidido ainda hoje pelo Mestre Cabeludo, mais uma vez a denominação característica. O Mestre é encarado como um líder respeitado e admirado, um guia espiritual e humano. Foi ele que levou Tiago Rouxinol, um jovem português que viveu no Brasil, a decidir trazer a Capoeira de Porto da Barra para o Porto, em 2000. Hoje, a academia tem a média de 40 alunos, que vêem a Capoeira como um modo de vida.

O contra-mestre de Porto da Barra refere que a integração em Portugal foi fácil: «Primeiro pela língua e, segundo, porque há também uma certa mistura; a alegria, a vibração e a energia positiva é a mesma». Como conta Karamuru, a Capoeira é uma importante alavanca formadora dos muitos jovens que por aí passam e a sua influência é notória: «Havia uma menina que era muito nervosa, muito agitada, que depois que entrou para a Capoeira está muito mais calma, muito mais relaxada». Por isso, Karamuru defende que «a filosofia da capoeira é o contacto com a natureza, fazendo amigos, trabalhando o corpo e a mente».

Ouvindo as músicas da Capoeira, facilmente se percebe a sua história, tal como quando se ouve, por exemplo, o toque de Cavalaria, onde se contam as vicissitudes das lutas humanas. Esta música retrata a difícil independência dos negros, simbolizada na mudança de ritmo da melodia, de forma a destacar o aviso da aproximação da polícia, ou seja, para os capoeiristas dispersarem.
Passados muitos anos e noutros países, essa e outras tantas histórias são convicta e entusiasticamente entoadas pelos muitos jovens que, apesar de longe dessa realidade, a sentem muito viva.

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