26 janeiro, 2005

silêncio humano

Fernanda Rodrigues é uma mãe surda–muda que nunca abdicou da sua vida nem da sua felicidade devido ao obstáculo que a sua deficiência lhe provoca

Por: Pedro Oliveira

Entre gestos e comunicação espaço-visual, e o seu filho João a servir de intérprete, Fernanda relembra as dificuldades da sua infância. «Hoje as pessoas não têm tanta repulsa à deficiência auditiva destas pessoas», refoça.

Os seus olhos azuis e cintilantes expressam o sentido da sua consciência. E Fernanda ainda recorda: «não há nada mais bonito que o nascimento de um filho. O nascimento dos meus colmatou a minha deficiência».

A questão das oposições binárias na educação dos surdos (normalidade/anormalidade, maioria/minoria, oralidade/gestualidade, etc.) aparece, hoje, como um dos factores de risco mais nocivos na análise da realidade educacional relativa aos surdos e cujo enraizamento ideológico parece tão inevitável como insuperável.

Para algumas pessoas os surdos comunicam em silêncio, mas «ser surda é um problema para os outros, para mim não. Nasci assim…e morrerei assim…criei 2 filhos, como qualquer mãe», diz.
O João frequanta o curso de Gestão na Universidade do Minho. Quando lhe perguntámos se teve algum tipo de dificuldade de integração devido à deficiência dos seus pais (porque, nesta família, o pai também é surdo-mudo), ele reponde: «se há coisa de que me orgulho, é dos meus pais. Com eles nunca sinto necessidade de me fazer ouvir, mas, de me fazer ver. E a diferença é que a nossa troca de olhares corresponde ao estado mais cristalino que os seres humanos podem alcançar entre si».

O surdo está privado do sentido que serve como ‘antena’, pois proporciona automaticamente informações referentes às flutuações do ambiente. Essa privação provoca o que se chama de "isolamento", um factor importante para a integração e a estabilidade emocional.
Enquanto nos preparava um café para tomarmos na mesa de sala de jantar, de súbito entra o pai pela porta da frente num espaço contíguo à sala onde nos encontrávamos.

Fernanda sentiu que Carlos tinha chegado a casa. Houve alguma coisa que a fez entrar em sintonia com o marido, uma qualidade química qualquer, dessas que por vezes ouvimos falar. Será que a falta de um dos sentidos poderá compensar os outros até ao ponto de se tornarem pessoas extremamente sensíveis, de um género de ligações químicas entre eles?

Sabe-se que os surdos constituem um desses grupos minoritários que sofrem as restrições dos demais, pelo facto de serem diferentes. Fernanda Rodrigues sabe que não detém todas as faculdades sensitivas pertencentes dos seres humanos, mas se às vezes isso parece um obstáculo, outras até pode ser um benefício. Como assim? Num tom irónico, entremeado com um leve sorriso, expresso pela finura dos seus lábios, responde-me: «discussões sobressaltadas não há. Não digo que não tenhamos as nossas discussões, mas são sempre feitas em silêncio».

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