26 janeiro, 2005

Tribos Musicais e Cultura Social

O que os une é a música. Ela é o elemento fundamental da sua existência. Alguns jovens de hoje agrupam-se em tribos modernas que são baseadas num género de música. Esse tipo musical dá-lhes uma identidade e comanda o seu modo de ser e de agir.

Por: Tiago Alves

Noutros tempos, a criação do grupo costumava ser fácil: efectuava-se apenas por critérios geográficos ou de parentesco – os que estavam próximos e eram da mesma ascendência constituíam, naturalmente, um grupo - a que podemos chamar clã ou tribo e que era o único grupo a que o indivíduo pertencia durante toda a sua vida. Hoje, a moderna família ainda se constitui como um grupo de grande importância para os indivíduos, mas tornou-se insuficiente só por si. Existe a necessidade de algo mais, de outro grupo que partilhe os mesmos interesses e personalidades, mas que se destaque da família. Um dos factores comum e diferenciador de todos os grupos é a música.

Jorge Matos estuda design industrial, tem 21 anos e longas ‘rastas’ (tranças) que quase cobrem o verde, amarelo e preto da bandeira da Jamaica, a pátria de Bob Marley e do Reggae, estampada nas costas do seu casaco.

O Reggae entrou na sua vida, a sério, há dois anos: «Jorge sempre foi fascinado pela cultura rasta. Esta cultura traduz-se, muito resumidamente, na luta contra a opressão, a pobreza e a desigualdade social, utilizando métodos pacifistas e tendo a música como a sua principal arma. «Quando era pequeno, aqueles vídeos do Bob Marley tocavam-me qualquer coisa cá dentro. Comecei a comprar uns discos e a mostrar aos meus amigos. Depois, fui descobrindo outras pessoas que já percebiam mais do assunto. Acabámos por nos fazer todos amigos e posso dizer que, hoje, somos um grupo. E um grupo muito unido», assume Jorge Matos.

«Ajuda-me a combater o stress». E Jorge explica: «O Reggae dá-me uma paz de alma que no mundo em que vivemos é cada vez mais necessária. Sempre que o ouço fico alegre e sem tensão. Tem muito a ver comigo já que sou contra todo o tipo de violência. O Reggae tem uma mensagem de paz e de amor».

Este Reggear destaca as noites na praia, onde o grupo canta e convive à volta de uma fogueira, como os momentos que mais aprecia. Os charros de erva são igualmente uma presença assídua nestes encontros, mas o essencial é uma viola, alguns ‘djambe’ (tambor africano), boa disposição e a companhia dos amigos para se sentir feliz.

Mas para outros, a praia é apenas para frequentar de dia. As noites são para ser passadas em bares e discotecas onde a fogueira é substituída pelos focos de luz; a viola e o ‘djambe’ são trocados pelas batidas e sons electrónicos.

Ricardo Peres, um estudante de 19 anos, é um dos que elegem a música electrónica e as pistas de dança como elementos indispensáveis para passar um bom momento com o seu grupo. «Adoro dançar e, por isso, desde que haja dinheiro, vou a todas as festas e ‘raves’ que posso. São locais onde a música electrónica tem a sua expressão máxima, adoro. Lá, anda tudo com um sorriso, as pessoas divertem-se e convivem». Apesar de a maior parte destas músicas não ter letras, Ricardo considera que elas estão carregadas de sentimento e as batidas e melodias que ecoam pelas colunas transmitem mais emoções do que as letras das músicas que ouve na rádio.

Ricardo lembra-se de, com 14 anos, sair esporadicamente à noite com os amigos para ouvir quais eram as músicas do momento e depois as pôr a tocar em pequenas festas de garagem à tarde.

«Eram tempos óptimos, mas hoje, ainda nos divertimos bastante. Vamos a discotecas ver os melhores dj’s a tocar. Destaco o Jesus del Campo e o Jiggy: os melhores e os que mais prazer me dão». Para Ricardo, «a música electrónica é a música do momento e do futuro. Nascemos na era da tecnologia, por isso, faz todo o sentido evoluir para um novo género de música e de sons. Não quero ficar preso na música da geração passada. Guitarras e baterias são muito bonitas, mas pertencem a museus», afirma.

Esta última ideia deixaria, com certeza, Eduardo Teixeira à beira de um ataque de nervos. A sua roupa negra e o cabelo liso bem comprido não deixam muitas dúvidas quanto ao seu gosto musical. Mas se, porventura, elas ainda restassem, o nome da banda, ‘Pantera’, escrito na sua camisola, imediatamente as afastaria. Estamos perante um verdadeiro metálico. O Heavy Metal tem a sua origem no início dos anos 70, com bandas como Black Sabath, Deep Purple e Led Zeppelin. As suas principais características são as guitarras carregadas de distorção e uma bateria potente, rápida e agressiva. Desde então, o Heavy Metal evoluiu bastante. Bandas como Metallica e Korn ultrapassaram a marginalidade e a tornaram-se nomes conhecidos por todos.

Eduardo, engenheiro mecânico de 25 anos, acompanha este movimento há mais de 10 anos: «É uma religião, um modo de vida. Uma vez que começas a ouvir este género de música, não o abandonas. Não me consigo imaginar a ouvir outro género de música. Todos os outros tipos de melodia me soam falsos e comerciais, virados para o lucro». A música metálica é violenta, Eduardo não o nega, mas é assim porque o mundo também o é. «Aqui, não há hipocrisia, não se fala do mundo bonito e das flores. Fala-se das coisas que vemos todos os dias nas notícias e que, se calhar, a maioria das pessoas prefere ignorar».

Os concertos são a finalidade última deste género de música. As músicas metálicas são claramente feitas para serem tocadas ao vivo. Nestes espectáculos, há uma enorme descarga de som, energia e emoções, tanto da parte dos músicos como do público.

Os concertos até podem parecer violentos, mas apenas para quem não sabe o que está a ver. «Há encontrões e contacto físico, mas ninguém está ali para andar à pancada. Raramente alguém se magoa a sério», diz Eduardo, que acrescenta: «Já fui a muitos concertos e a única vez que me senti mesmo aflito e pensei que ia ‘marar’ foi num concerto de Prince, no estádio de Alvalade. Ali as pessoas eram selvagens e brutas. Nos concertos de metal há civismo: se cais, ajudam-te a levantar, não passam por ti como se nada fosse», explica.

Para ele, é isto que torna a comunidade metálica especial: «Mesmo não nos conhecendo, somos todos parte do mesmo grupo e todos nos ajudamos. Quer seja a levantarmo-nos uns aos outros ou a pagar uma cerveja a quem não tem dinheiro. Somos um todo, uma comunidade que procura o mesmo: curtir».

No fundo, todos os grupos procuram o mesmo: a diversão, o convívio e a companhia. A música facilita a escolha do grupo a que se quer pertencer. Não há necessidade de perder tempo a "experimentar" vários grupos para descobrir quais os que partilham os seus interesses e convicções.

Com a música, os jovens já sabem à partida o que esperar de um ou de outro determinado grupo. Seja isso a paz interior, as festas ou o descarregar das tensões.

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