28 janeiro, 2005

A cura pela música

Em Portugal, esta forma de psicoterapia complementar começa a dar os primeiros passos. Se for devidamente adoptada e desenvolvida,a musicoterapia pode constituir uma opção complementar válida para a reeducação de crianças ou adultos com deficiências motoras, sensoriais ou afectivas, atrasos na linguagem, ou com dificuldades mentais.

Por: Maria Manuel Freitas

O João (nome fictício) é um menino de oito anos e é autista. O autismo é uma perturbação típica do desenvolvimento, a qual se manifesta, normalmente, antes dos três anos.

A doença traduz-se em dificuldades ao nível das interacções sociais na comunicação (atraso ou ausência total no desenvolvimento da linguagem verbal) e no comportamento (incapacidade de se adaptarem a mudanças no seu ambiente frequente; fisicamente, são comportamentos estereotipados, como o balanceamento da cabeça, movimentos com os dedos, saltos e rodopios).

Há três anos que o João frequenta um Gabinete de Psicologia, o Psicorumo, uma associação onde meninos como ele ou com outro tipo de perturbações podem encontrar um apoio terapêutico, nomeadamente, ao nível da Musicoterapia.

Margarida Rocha, musicoterapeuta, acompanha o João há três anos e considera que, apesar de toda a problemática clínica inerente a esta patologia, são visiveis o desenvolvimento e os progressos a vários níveis que o menino tem feito. A mãe partilha a mesma opinião e assegurou-nos que a musicoterapia «tem sido, sem dúvida, a terapia que mais e melhor tem ajudado o João».

Margarida Rocha salienta que, em primeiro lugar, deve ser feita uma avaliação da criança «em contacto directo, valorizando a interacção e analisando as suas respostas». O objectivo é conhecer as reacções da criança perante determinados estímulos musicais: «Se não reage, pressiona-se, mesmo que a reacção seja de rejeição», explica aquela técnica.

Posteriormente, avalia-se a resposta aos instrumentos ou do material circunstancial. «Isso serve para ver como a criança usa e manipula esses objectos, como reage aos sons ambiente», diz Margarida Rocha. Em suma, a musicoterapia procura avaliar as competências da criança ao nível da comunicação verbal, vocal e gestual (comunicação não verbal). No fim de cada sessão, esta terapeuta reúne com a mãe do João para comentar a sessão.

Em mais uma sessão, que a sua mãe autorizou a PESSOAS a assistir, o João mostrou-se afável, sorridente, meigo e muito receptivo ao toque. No aquecimento que deve presidir a cada sessão, foi colocada uma música a tocar. «O objectivo é observar a sua vivência corporal num tempo e num espaço. A reacção ao ritmo é muito importante. Mas, principalmente, é preciso mostrar que essa música tem um fim. Por isso é que ele pára quando a música termina», explica a musicoterapeuta. Em seguida, Margarida proporciona o contacto com os instrumentos.

Há uma interacção musical através de diálogos e improvisações. O João foi respondendo positivamente, com um ou outro olhar desviado durante a actividade o que, embora seja considerado normal, implica o recomeço da terapeuta na captação da sua atenção.

A sessão chega ao fim. O João recebe a mãe na sala, que se senta e o afaga, juntamente com Margarida e um outro menino que aguarda pela sua vez. A mãe do João e a sua terapeuta partilham a alegria do menino com o aproveitamento positivo da sessão. Mãe e filho vão embora, agora para casa, até ao próximo encontro.

Um passado presente

A musicoterapia tem as suas raízes na sabedoria cujas origens se perderam no tempo. O homem antigo desconhecia métodos organizados de "terapia de sons". Mas, na verdade, nem precisava deles, pois conhecia espontaneamente a sua influência. O terror provocado pelos trovões, a tranquilidade do ruído da chuva fina, as melodias produzidas pelos pássaros, o som de uma flauta, são exemplos de sentimentos e efeitos inexplicáveis que sempre atraíram e exerceram forte influência sobre o ser humano.

Segundo a definição aprovada pela Federação Mundial de Musicoterapia, "a musicoterapia tem por objectivo desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo, a fim de melhorar a sua integração intrapessoal e/ou interpessoal e, em consequência, adquirir uma melhor qualidade de prevenção, reabilitação ou tratamento".

Além disso, numa altura em que somos tão prejudicados pelo barulho, por sons agressivos, pela música dissonante ouvida em volume demasiado alto, a musicoterapia torna-se cada vez mais necessária, dada a incontestável e enorme influência da música e dos sons no equilíbrio do ser humano e em aspectos como: o ritmo cardíaco, a pressão arterial, o equilíbrio térmico, o metabolismo geral, o volume de sangue, a secreção do suco gástrico, entre outros.

A Associação Portuguesa de Musicoterapia (APMT) é uma organização sem fins lucrativos que congrega profissionais de musicoterapia. Segundo Gabriela Gil, vice-presidente da APMT, ainda há muito por fazer: "É preciso lutar pelo reconhecimento oficial da musicoterapia em Portugal, investir na seriedade do exercício da profissão, colaborar com instituições públicas e privadas na definição e concretização de políticas no âmbito da musicoterapia, fomentar o intercâmbio e a difusão de experiências entre os indivíduos e as instituições interessadas em musicoterapia, no país e no estrangeiro".

Para isso, esta organização vai desenvolvendo diversas actividades como seminários, congressos,’ workshops’, sem esquecer a tentativa de dar resposta aos inúmeros pedidos de informação sobre musicoterapia, por e-mail ou por telefone. Permanente será a luta pelo exercício da musicoterapia com seriedade e por profissionais com habilitações adequadas e o empenho em colaborar em iniciativas de divulgação, informação e encaminhamento de serviços na área de Musicoterapia.

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