28 janeiro, 2005

Integração Africana em Portugal

"Cruz Vermelha" é o nome de um bairro social em Cascais. Na área urbana onde ele está situado, é fácil ficar com a sensação de que todos são ricos.Quem se arriscaria a apostar que 95% dos habitantes são africanos? Uns são de Cabo Verde, outros de Angola ou Moçambique. Mas todos carregam consigo histórias de vida semelhantes.

Por: Amanda Alves

Na escola primária do bairro da Cruz Vermelha fica o centro do quotidiano da vida daqueles jovens imigrantes. Quase todos os alunos são africanos ou filhos de africanos. Cabe, então, à escola e aos professores dar formação às crianças que trazem consigo medos, receios e muita desconfiança. Esse é o fruto das discriminações que estão acostumados a sofrer.

Os professores tentam organizar, com frequência, actividades lúdicas e educativas que permitam às crianças ultrapassar os seus traumas, ensinando-os a valorizar e a ganhar orgulho nas suas origens e raízes. Exaltam-se, assim, de forma saudável e natural, os costumes e tradições africanos, tais como a gastronomia, as danças, a língua, as características naturais dos países de onde vieram, para tentar resgatar o amor à pátria e aos seus hábitos.

Aos poucos, as crianças começam a soltar-se e fica estampado no rosto de cada uma a alegria de poderem expressar livremente o que lhes está no sangue. E é essa alegria, aquele sorriso em cada uma daquelas crianças, o bastante para aqueles professores.

«Temos de tentar estabelecer uma relação saudável entre negros e brancos, entre africanos e portugueses, para que seja possível sanar os problemas de discriminação e de racismo que, por mais absurdo que nos possa parecer, ainda existem em grande número», explica Marisa Alves, uma brasileira de 47 anos, com nacionalidade portuguesa, e professora da escola deste bairro há um ano.

Mas esta situação não acontece só com as crianças. Hélder Borges, um jovem de 25 anos, de origem Cabo Verdiana, nasceu em Portugal e tem um nível socio-económico alto. E relata casos de discriminação social pelo facto de ser negro: «as pessoas não estão preocupadas em saber se somos portugueses ou não, pois julgam-nos pela cor e pela nossa origem. Muitas mentalidades já mudaram, mas ainda existem muitos pensamentos muito retrógrados, dos que não sabem respeitar o próximo. E eu já senti na pele várias situações de racismo e/ou discriminação».
Já o primo de Hélder, chegou à cerca de seis meses da sua terra natal, Cabo Verde.

Hélio tem 23 anos e viveu aí sua infância e juventude: «lá as pessoas são alegres e divertidas. Vivem bem com aquilo que têm, sendo muito ou pouco». Hélio veio para Portugal tirar uma licenciatura e diz não ter sentindo ainda sinais de discriminação. «Já vou a lugares onde não existe tanto racismo e também estou envolvido com um grupo de cabo verdianos. No entanto, já senti algum racismo indirectamente e sei que ele existe ao virar da esquina», conta.

O bairro da Cruz Vermelha, apesar de se situar nos arredores de Cascais, é o oposto do que se poderia esperar. Com casas de média qualidade, equipadas com saneamento e luz, a sua deterioração é equivalente às dificuldades de alfabetização e de cultura dos que lá habitam.

Assim, a tristeza geracional passa quotidianamente pelos olhos, mãos e emoções de Marisa Alves. Esta professora, para além de ter que lutar contra uma cultura onde o papel do homem e da mulher se confundem em estados de força psicológica e violência física, precisa de lutar também contra o desapego da Assistência Social que «diz sempre que estou a exagerar. Mas eu sei – e já avisei – que, um dia, ainda vai acontecer uma desgraça…!»

Marisa exemplifica: «um dia destes encontrei um dos meus alunos fechado dentro do contentor do lixo, posto lá por alguém…! Isto já para não falar das brigas violentíssimas que os casais têm, por exemplo, sobre quem leva e se é preciso realmente levar uma criança com 39º de febre ao hospital! Isto seja em frente de quem for!»

Marisa Alves recorda ainda, casos de violação de menores por familiares: «São casos sem resolução porque, enfim, eu é que exagero…»

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