26 junho, 2004

O que pensam os pescadores da Póvoa sobre o Acordo Ibérico de Pesca

A nossa costa e os nossos pescadores já viveram melhores dias. O futuro deixa adivinhar ‘marés’ ainda mais negras.

Por: Susana Fonseca

A crise que afecta o sector das pescas em Portugal já não é de hoje. Póvoa de Varzim e Vila do Conde são duas cidades costeiras com uma grande comunidade piscatória que vive dias bastantes difíceis. Se alguns pensavam que esta fase iria ser passageira, mudaram de opinião após o Acordo de Pescas estabelecido entre Portugal e Espanha.

O acordo entre os dois países foi alcançado no passado mês de Outubro depois de vários meses de negociações. O seu articulado prevê a entrada de mais 32 barcos espanhóis na nossa costa, que se juntarão às actuais 101 embarcações. Contudo, Portugal também poderá pescar na costa espanhola com mais 33 embarcações. Ou seja, passará de 100 embarcações para 133. Deste modo, ambos os países igualarão o número total de embarcações a operar nas respectivas costas.

Um acordo inevitável

Isabel Costa Leite, docente de Estudos Europeus na Universidade Fernando Pessoa, afirma que «este acordo foi necessário por se tratar de um sector muito sensível para Portugal. Como sector primário e país membro com maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) da União Europeia era fundamental encontrar um acordo entre os Estados envolvidos».

Contra as críticas que se ouviram de diversos factores, para aquela docente, Portugal é quem mais beneficia com este acordo, se compararmos com o anterior protocolo, datado de 1986.
Nesse anterior acordo, a Espanha pescava em Portugal com mais uma embarcação do que o inverso. Isabel Costa Leite acrescenta ainda que «este acordo resultou da determinação do Governo português, apoiado pelos organismos representantes do sector das pescas, em não permitir a aplicação dos princípios de liberalização pretendidos pela Comissão Europeia. A solução teria, necessariamente, que passar por um acordo bilateral entre Espanha e Portugal».

Pescadores revoltados

Os principais afectados com este acordo são os próprios pescadores que transmitem revolta e desespero. Manuel Moça, um dos muitos pescadores poveiros, considera este acordo «muito mau», acrescentando que «muitos pescadores terão que abater os seus barcos, porque se a crise já é grande, com a entrada de mais 32 barcos espanhóis os problemas vão realmente aumentar».

Falta fiscalização

Todos sabemos que muitas espécies piscícolas estão em extinção, mas o que não sabíamos era que brevemente poderiam desaparecer para sempre das nossas águas. E dos nossos pratos.

Os pescadores portugueses acusam os espanhóis de não respeitarem as leis comunitárias. Dizem que se não houver uma fiscalização eficiente os pescadores do nosso país vizinho «começarão a pescar na nossa costa indiscriminadamente». Os portugueses também acusam os espanhóis de não respeitarem a altura de reprodução de alguns peixes, especialmente a sardinha, e acrescentam que, na sua captura, os colegas espanhóis utilizam meios ilegais.

Mas as acusações não ficam por aqui. Um pescador desabafou, em tom revoltado: «Andamos nós anos e anos a tentar proteger os nossos recursos para virem eles, agora, tirar proveito».

Pescadores sem Sindicato

Como em todos sectores, os trabalhadores da pesca também têm um Sindicato que os representa, no entanto, os pescadores poveiros estão em vias de ficar sem o seu. Uma situação que ninguém sabe explicar. Nem mesmo um responsável do sindicato que, igualmente, se recusou a comentar o Acordo Ibérico de Pesca.

Apesar da vizinha Póvoa estar mal representada sindicalmente, Vila do Conde tem um sindicato bastante organizado. Um dos seus representantes mostrou-se bastante desiludido com o acordo obtido pelo Governo de Lisboa: «Nunca poderia ser a favor deste acordo, pois ele prejudicará todos aqueles que tiram os seus rendimentos através das pescas».

Procuramos saber ainda qual a opinião do Sindicato dos Trabalhadores de Pesca do Norte, em Matosinhos. Augusto Teixeira, presidente adjunto dessa organização sindical, teme os efeitos do acordo: «As consequências serão muitas, porque as pescas já não estão grande coisa. Há pouco peixe e com a entrada dos pescadores espanhóis nas nossas águas, a situação vai piorar. Assim como o nível de captura dos nossos barcos irá diminuir drasticamente».

Para Augusto Teixeira, os nossos vizinhos estão interessados, essencialmente, na nossa sardinha, «que é a melhor do mundo». Na sua opinião, quando brevemente entrarem na nossa costa, com barcos mais modernos e mais bem equipados, os pescadores espanhóis actuarão indiscriminadamente, não respeitando sequer a paragem biológica. Esta paragem é feita na pesca do cerco (sardinha) e tem como objectivo proteger a espécie na altura da sua reprodução. O desrespeito por esta regra básica tem sido motivo de conflito entre portugueses e espanhóis.

O responsável do Sindicato dos Trabalhadores de Pesca do Norte refere, ainda, o contraste da nossa frota em relação à espanhola: «A frota espanhola é das mais poderosas do mundo, estão muito mais bem equipados do que nós..., vai ser muito difícil fazer frente às suas traineiras». Por isso, critica o facto de o desenvolvimento económico e tecnológico não ter sido considerado neste acordo. E quando lhe perguntamos por soluções para esta «maré negra», a resposta foi curta e directa: «Não tenho soluções».

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