26 junho, 2004

Gondomar: em busca da arte perdida

Na capital portuguesa da ourivesaria, há artesãos que se dedicam de corpo e alma a uma prática que parece ter os dias contados. A tradição da filigrana tem cada vez menos seguidores. Mas não perdeu a alma.

Por: Nair Silva

Fernando Silva, de 67 anos, é um dos últimos artesãos na vila de Valbom, no concelho de Gondomar. Sapateiro de profissão, Fernando Silva pretende preservar por muitos mais anos o seu ofício. Mas, não descura o uso dos seus tempos livres, dedicando-se com afinco à escultura de madeiras, raízes e pedra.

Conhecido na vila pelo seu talento inato com as habilidosas mãos, Fernando Silva cedo descobriu as maravilhas da arte: «Isto é um trabalho que não dá lucro, nem dá para sobreviver: para mim, é mais como um desporto», conta o artesão.

Para este artista, a arte representa um refúgio das horas de trabalho: «Estou sempre há espera de um tempo certo para voltar às minhas peças. Isto não é nenhum negócio. E sabe porquê? Não há peças definidas, não há peças iguais. O tempo que passo com cada uma delas é sempre diferente, e é isso que as torna minhas, que as torna verdadeiras. Isto é a minha definição de Arte!».

Gondomar foi, outrora, uma cidade conhecida por ser símbolo de artes como a marcenaria e a filigrana. Mas, com o passar dos anos, Gondomar foi perdendo esta herança genética. Apesar de ainda ser conhecida como a capital da filigrana, a verdade é que vai diminuindo o número de artesãos nestas áreas

A primeira obra

Mas, haverá uma forma de aprender uma arte? Uma arte original? Uma arte preservada? «O meu dia começa com uma busca por pedras, granitos, pedaços de madeira ou raízes» relata Fernando Silva. «A primeira vez, estava eu a ver um programa na televisão sobre escultura e, por brincadeira, decidi imitar o que via. Fui ao rio e agarrei num pedaço de granito. Sobre a água vi os seus brilhos, as formas, as imagens e os feitios. Comecei. Quando acabei tinha um homem sentado num trono, como um faraó. Tinha ali, nas minhas mãos, a minha primeira obra...»

Estava dado o primeiro passo para uma longa caminhada de exposições, feiras e trabalhos em escolas. Fernando Silva continuava maravilhado com as emoções que a escultura lhe fazia sentir. Esculpia cada vez mais, e as pessoas, intrigadas com o seu talento, começaram a visitá-lo em sua casa e a comprar as suas peças em raíz e madeira.

Foi em 1973 que ganhou o 1º lugar do Prémio do Jovem Artista da Câmara Municipal do Porto e sentia-se motivado para alcançar muito mais. Queria levar as suas peças ao mundo, dar a conhecer o seu talento e partilhar com outros as imagens que ele via sempre que apanhava um pedaço de madeira ou de granito.

Foi então que Fernando Silva percebeu o verdadeiro valor das suas peças: um simples papel ou taça não relata o valor do artista, nem o valor da peça. O artista é quem cria o seu próprio estilo.
A filigrana continua a ser um pequeno tesouro do concelho dourado de Gondomar. Trabalhada com perícia e exactidão, deixa, aos olhos de quem vê, uma beleza inigualável. Os pormenores, os feitios, os pequenos (grandes) pormenores. Tudo reunido dá lugar a uma arte que, se não for devidamente protegida, pode entrar em fase de extinção.

José Fernando, artesão de Gondomar, retomou o negócio do seu pai na arte da filigrana. Um pouco descontente com o rumo que esta profissão está a tomar, contou-nos, com matizes de desilusão, o trabalho que faz na sua oficina: «Aqui trabalhamos só com filigranas. Mas isto está mau. É uma actividade que parece, aos poucos, estar a extinguir-se porque as senhoras que fazem este trabalho já são bastante idosas e as filhas não parecem querer continuar. Não é uma arte certa».

Uma arte muito original e, como diz José Fernando, «uma das artes mais antigas ...do tempo dos árabes.» Mas os tempos são de crise, especialmente para uma arte que exige tanto empenho, trabalho, dedicação e apoio: «Todas as coisas têm um princípio e um fim. Esta arte está a chegar ao fim. O mercado não tem ciclos para esta actividade. Não há mercado.»

Futuro incerto

Os apoios continuam a ser escassos e há muito pouca formação profissional. Os amantes da filigrana sabem que não se podem dedicar a ela a tempo inteiro, porque não há encomendas nem trabalho que cubra todas as despesas: «Fazem propaganda para segurar a filigrana. Veja-se o caso de cursos profissionais. Muitos tiram o curso, mas depois não continuam na profissão».

Existe, agora, uma associação que suporta os trabalhos e exposições destes artistas, dando a hipótese de participar em eventos para divulgação dos seus trabalhos e, com isso, retirar algum proveito financeiro e cultural.

A Associação Artística de Gondomar (ARGO) existe desde 1989 e efectua um trabalho notável no ramo do artesanato. Em colaboração estreita com a Câmara Municipal de Gondomar, que desde cedo acarinhou este projecto cedendo o espaço para a formação desta associação, a ARGO tornou-se um espaço de colaboração entre artesãos e também uma forma de trazer um pouco de segurança a uma profissão que se sente pouco valorizada.

Nuno Moutinho, tesoureiro e actual responsável pela associação, realça a originalidade da ARGO: «Esta associação tem um formato muito específico, porque abraça todas as artes. Estamos a falar de quase 50 artistas, do Porto e de outras partes do país. Temos desde artesãos, ‘designers’, escultores, pintores, músicos, poetas e fotógrafos. De qualquer maneira, a ideia foi criar sinergias para dar vida ao individualismo; ou seja, através do associativismo conseguir divulgar a obra de cada um».

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