26 junho, 2004

Como se faz um jornal em

Fazer jornalismo de imprensa exige, cada vez mais, uma rápida adaptação às novas ferramentas tecnológicas ao dispor dos jornalistas. Estivemos nas Redacções de três jornais diários do Porto, à procura do mito do fecho das edições. Descobrimos, na nossa passagem pelo "Jornal de Notícias", "Público" e "O Primeiro de Janeiro", que hoje o desafio é usar a tecnologia para trabalhar em rede.

Por: Carlos Duarte

A chegada de Jorge Sampaio ao Porto estava prevista para as oito horas da noite, mas o assessor de imprensa do Presidente da República acaba de comunicar que o chefe de Estado português não conseguirá aterrar no Aeroporto Francisco Sá Carneiro antes das 22 horas. Mudança de planos na redacção do "O Primeiro de Janeiro", não há tempo a perder quando o jornal não pode entrar na gráfica depois das 22 horas. A página reservada à visita de Jorge Sampaio dá lugar a ‘matéria congelada’, uma das expressões escutadas em todas as redacções. Ou seja, notícias mais resistentes à actualidade que são guardadas para socorrer a situações de falta de informação.

À medida que a noite avança, muitas das notícias do jornal do dia seguinte que pareciam definitivas deixam de o ser. Os planos das redacções alteram-se quando, à última hora, acontecimentos imprevistos impõem novos ajustamentos ao jornal. Dezenas de televisões distribuídas pela redacção do "Jornal de Notícias" (JN) começam a dar as primeiras imagens do ataque terrorista ao consulado inglês em Istambul, Turquia.

Os jornalistas, ocupados que estão com a conclusão dos seus textos, prestam pouca atenção às imagens de destruição. Começam, no entanto, os primeiros contactos do director adjunto do "JN", Alfredo Leite, para aumentar o número de páginas da edição do dia seguinte. Explica-nos que não consideram relevante enviar alguém para a Turquia uma vez que têm lá «bons contactos» e porque o repórter não chegaria em tempo útil.

Alfredo Leite é um dos quatro ‘reporters’ e dois fotojornalistas que podem cobrir cenários de guerra pelo "JN". O trabalho já o levou algumas vezes até à Turquia e, por isso, entre os seus contactos constam alguns dos portugueses mais importantes daquele país muçulmano. Sobre as imagens do atentado terrorista ao consolado inglês, Alfredo Leite alerta: «Temos que esperar um bocadinho… as primeiras informações são sempre contraditórias, pode ser um carro bomba ou outra coisa qualquer».

Uma Redacção deve estar preparada para dar resposta a estas situações imprevisíveis. Só as notícias mais recentes interessam aos leitores. São 19 horas e estamos em plena ‘hora de ponta’ no "JN", que é comum prolongar-se até à uma hora da madrugada.

Leitura crítica

Os conteúdos do jornal começam a ser planeados um dia antes. O "Público" faz a sua primeira reunião do dia por volta da 13 horas. Amílcar Correia, subdirector, e os editores sentam-se à mesa para fazer uma «leitura crítica» do jornal que está nesse dia nas bancas e pensar a edição do dia seguinte. Como nos diz José Augusto, editor da secção Minho, muitas das matérias dos jornais são previsíveis porque já estão agendadas.

O "Primeiro de Janeiro" tem métodos de trabalho muito semelhantes. É ao início da tarde que os editores e a directora indicam quem faz a cobertura de determinado evento em agenda. «Nesta altura já sabemos quais serão as linhas mestras da edição», afirma o editor Paulo Maia. Uma das três chefias, pelo menos, deve estar na Redacção durante a manhã para dar resposta a algum imprevisto.

Por esta altura já é possível decidir que textos preenchem cada página da edição que vai estar à venda no dia seguinte. «Se tivermos uma história da nossa região, é a história que prevalece. Um tema regional prevalece sempre sobre um tema nacional, salvo raras excepções», conclui Paulo Maia, editor do "Primeiro de Janeiro", jornal decano da imprensa regional.

O dia começa mais cedo no "JN". Às onze horas da manhã, a direcção, os editores (fotografia, infografia e direcção de arte) e os coordenadores elaboram o primeiro plano de páginas do dia, que tem em conta as quatro edições regionais do "JN": Nacional, Minho, Centro e Sul. A reunião é partilhada pela redacção de Lisboa em sistema de vídeo-conferência.

O plano de páginas provisório para o dia seguinte é elaborado ao fim da tarde. Por volta das 19 horas, Alfredo Leite, director adjunto do "JN", convoca o editor de fotografia e o editor de arte para a «reunião da primeira», em que se decide o tema da primeira página do dia seguinte e «como as restantes páginas serão orientadas». «Às vezes tem que se alterar os planos às nove horas da noite, é raro e traz muitas dificuldades», afirma Alfredo Leite.

Piquetes de serviço

Grande parte dos jornalistas da redacção do "Primeiro de Janeiro" só aparece à tarde, a não ser que tenha trabalho de manhã. Até às 18 horas anda-se a «velocidade de cruzeiro», mas com o passar das horas, a correria aumenta no exíguo espaço deste diário regional criado em 1868. É a única redacção que, em parte, ainda está organizada por secções, como antigamente. O desporto está num andar e as secções principais noutro, à face da rua.

Pelo contrário, no "JN" é de manhã que os jornalistas tratam dos temas locais. Durante a madrugada, há sempre piquete de serviço: um editor, um redactor e um fotojornalista no Porto e outro em Lisboa.

Os jogos de futebol, normalmente ao domingo, aumentam o ritmo de trabalho do "Primeiro de Janeiro" e do "JN". Esse é, no entanto, o dia mais calmo no "Público", tão calmo que alguns jornalistas até levam os filhos para a redacção. A paginação do "Público" é partilhada pela redacção de Lisboa e Porto. Todos os dias, cada redacção distribui, entre si, determinadas páginas do caderno principal. Além disso, a redacção do Porto ainda faz a paginação dos cadernos das edições do Minho, Norte e Centro e do suplemento "Fugas". Quinta-feira é o dia mais movimentado porque é o dia de fecho do "Fugas", suplemento de viagens que sai ao sábado.

Desafios de paginação

Cada jornal utiliza um método de paginação diferente. O "JN" recorre a um complexo sistema editorial composto por 400 páginas modelo. Dependendo do texto, é escolhido um formato de página, os paginadores podem sugerir alterações aos modelos, mas as excepções são sempre da responsabilidade do director de Arte. Uma das vantagens do sistema editorial utilizado pelo "JN" é que permite alguma flexibilidade: durante o dia, o plano de páginas pensado de véspera já foi alterado inúmeras vezes.

São 19 horas e o telefone continua a tocar no gabinete do director adjunto do "JN", Alfredo Leite: o departamento comercial está a negociar um importante contracto de publicidade. Até porque ninguém desvaloriza a sua importância. Amílcar Correio, subdirector do "Público", diz seguir o «modelo industrial» em que as páginas são pagas pela publicidade. Alfredo Leite, director adjunto do "JN", explica que as páginas são decididas em função dela: «não se pode perder publicidade». Chama «páginas brancas» às dedicadas à publicidade. Enquanto Paulo Maia, do "Primeiro de Janeiro", entende que seja necessário fazer alterações «dependendo dos contratos».

Paulo Maia dá muita importância ao aspecto gráfico do "Primeiro de Janeiro". Desde há um ano que este jornal regional adoptou um sistema de pré-maquetas, com algumas semelhanças ao "JN". O editor de serviço escolhe o modelo que os paginadores vão utilizar, todas as ordens são dadas através de uma rede local. «Muitas vezes temos que ser fiéis ao modelo que temos e não o podemos descaracterizar o grafismo», afirma o editor do "Primeiro de Janeiro".

No "Público" não se utiliza tanta tecnologia na paginação. O manual de desenho do "Público" e do "Fugas" estão sempre à mão dos paginadores caso surjam dúvidas na concepção de determinada página. José Soares, paginador do "Público", diz que no início havia alguma dificuldade em seguir as normas gráficas do manual de desenho, mas que hoje quase só se utiliza em casos raros de dúvida. Tanto o aspecto gráfico do "Público" como do suplemento "Fugas" foram desenvolvidos pela Bega Comunición, uma empresa desenho gráfico da cidade catalã de Barcelona.

Analógico ou digital?

O "JN" e o "Público" estão em lados opostos na utilização da tecnologia. Enquanto o "JN" só utiliza equipamentos digitais, o "Público" ainda utiliza os tradicionais analógicos. Amílcar Correia, subdirector do "Público", explica que «quando o jornal surgiu era totalmente inovador, hoje não é tanto assim». Há dois anos ainda adquiriam um complexo programa informático de base de dados que funciona em conjunto com os programas tradicionais de paginação, mas tem sido consecutivamente adiada a sua entrada em funcionamento.

No "Primeiro de Janeiro", quase toda a fotografia é feita em máquinas digitais, à excepção da revista de domingo, mas por opção. Manuel Roberto, fotógrafo do "Público", justifica a falta de equipamento digital: «Isto é muito democrático!».

Alfredo Leite, do "JN", considera que em jornalismo nunca se deve abrandar porque «todos os dias» surgem novas tecnologias. Num esforço de actualização permanente, é visitante regular das maiores feiras internacionais do sector tecnológico. Explica-nos que «em três anos tudo mudou» nas ferramentas de trabalho ao dispor dos jornalistas do "JN", diário portuense do Grupo Lusomundo. Hoje todos os jornalistas do "JN" podem andar pelo país com máquinas fotográficas digitais ou computadores portáteis.

Toda a Redacção do "JN" está ligada em rede. Os jornalistas podem escrever directamente na página do jornal e o editor acompanhar essa escrita. Mesmo quando estão num cenário de guerra, é possível às chefias acompanharem os trabalhos na redacção como se lá se encontrassem presencialmente.

No "Público", «ninguém dos gráficos reenquadra uma fotografia sem falar com a secção de fotografia», garante Manuel Roberto, acrescentando que os editores entendem que os editores de fotografia têm as suas competências próprias.

A pressão sob a secção de fotografia vai aumentando à medida que os paginadores vão pedindo as fotos para paginar os textos. Todos os jornais possuem um arquivo digital próprio, mas ainda estabelecem contractos com as agências de notícias que lhe fornecem fotografias.

Escolher as fotografias é uma tarefa de enorme responsabilidade, entende Manuel Roberto: «Temos que ter cuidado com as coisas que fazemos porque um erro pode pôr em causa as instituições». Paulo Maia, editor do "Primeiro de Janeiro", corrobora esta ideia e afirma que é importante «saber qual a imagem para inserir no texto que temos», entendendo que deve ser essa a função da Semiótica nos cursos de comunicação.

À última hora, é necessário encontrar a fotografia certa, o tempo é sempre escasso. É normal ouvir a pergunta: «É ao alto ou ao baixo?».

A etapa final

O trabalho dos jornalistas acaba a partir do momento em que a paginação é enviada para a gráfica. O "JN" é o jornal com o processo de impressão mais sofisticado. A primeira versão a entrar na máquina é destinada a ofertas, assinaturas ou aviões, mas é possível actualizar as notícias nas edições seguintes. Da mesma forma que são obrigados a mudar os planos de página inúmeras vezes ao dia, também as máquinas da gráfica chegam a parar para alterar determinada notícia.

A impressão do jornal não pode, contudo, atrasar-se senão a distribuição sai prejudicada. As únicas excepções são as edições especiais, mas, mesmo essas, nunca acontecem mais de duas ou três vezes ao ano.

Instrumentos dos jornalistas em cenário de guerra

Computador portátil - É um dos objectos mais preciosos para o repórter e nunca o deve abandonar. Por isso, quanto mais pequeno melhor. Os novos e pequenos "Tablet PC" são os mais cómodos. Para libertar espaço em disco, devem estar munidos de gravador de CD para arquivo das fotografias.
Telefone satélite - O mais pequeno de todos, o Thuraya, é o mais usado pelos jornalistas. Idêntico a um telemóvel, funciona com o vulgar cartão SIM em rooming e acciona de imediato um satélite assim que o sinal de uma operadora móvel falha. Não pode ser usado no sul de África nem no continente americano. Permite ligar o PC à internet e pode ser carregado através de um painel solar portátil. Mais recentemente, é usado o Bgan, modem da rede Inmarsat que permite aceder à internet via satélite a velocidades idênticas à netcabo ou adsl.
Bússola - Além de auxiliar a navegação pessoal, serve também para a orientação correcta do telefone satélite.
Lanterna - Pequena, para poder ser carregada a toda a hora. Deve ainda usar-se uma lanterna para fixar à cabeça, de forma a libertar totalmente as mãos em caso de necessidade. Uma luz para o PC, alimentada através de uma porta USB, é bastante útil para o caso de ser necessário escrever às escuras.
Cabos diversos - Para alimentação dos aparelhos e ligação a um computador remoto, caso seja necessário transferir ficheiros.
Cabo de segurança - Amarra o PC a um objecto pesado. Ideal para zonas de pouca segurança.
Kit de canivete suíço - Preso ao cinto para ser usado a qualquer momento, o canivete multifunções deve dispor de bússola de recurso, mini lanterna, pilhas, espelho reflector, relógio, pastilhas purificadoras de água e pensos rápidos.
Colete e capacete à prova de balas - É dos objectos mais detestados pelos repórteres. São incómodos, pesados e quentes. Mas podem salvar vidas. Os mais eficazes são fabricados em "Kevlar" com pratos frontais e traseiros para um índice de protecção IIIA, equivalente aos usados pelos militares.
Carregador multiusos - Liga-se ao isqueiro do carro e permite carregar praticamente todo o equipamento, desde o PC às baterias da máquina fotográfica, ou mesmo os telefones móvel e satélite.
CDs com software - Todos os programas usados no PC devem ser carregados para o caso de ser necessária a sua reinstalação.
CDs virgens - Para gravação de fotos e consequente libertação de espaço no disco do PC.
Fita gomada - Deve usar-se várias cores, sobretudo para identificar as viaturas da imprensa.
GPS - Aparelho de navegação que permite saber sempre as coordenadas de posição até nas regiões mais remotas.
Gravador digital - Funciona com um gravador convencional de repórter, mas permite baixar ficheiros (uma entrevista, por exemplo) e enviá-los para a Redacção através de correio electrónico.
Talheres - Para usar se não se for absolutamente obrigado a cumprir os costumes locais (em muitas regiões do Médio Oriente come-se com as mãos).
Luvas de alta resistência - Servem para trocar um pneu de um veículo, mas também podem ser usadas para remover arame farpado ou outros objectos que por vezes os militares deixam espalhados nas estradas.
Mapas - Sempre que possível, acompanhar-se de mapas o mais detalhados possível.
Saco de dormir - Para situações de improviso um saco de dormir ultra ligeiro.
Monóculo e altímetro - Do tamanho de meio maço de tabaco, o monóculo Minox é também altímetro, termómetro e relógio. Serve para observar movimentos distantes sem chamar a atenção.
PDA e teclado portátil - Serve de "back up" para uma eventual avaria do PC. Extremamente portátil, permite escrever textos ou mesmo visualizar fotos em "compact flash card".
Kit de primeiros socorros - Além de um conjunto de medicamentos básicos, deve ainda conter um termómetro e vários conjuntos de seringas e agulhas, instrumentos geralmente em falta nas zonas em conflito.
Venda - Útil para tapar os olhos para um sono diurno. Muitas vezes, com a diferença horária, o jornalista é obrigado a trabalhar de noite e a dormir durante o dia.
Telemóvel - Inútil nas zonas remotas até há uns anos, o telemóvel é cada vez mais usado em zonas desertas. No Iraque, por exemplo, há antenas GSM de curto alcance junto às unidades das forças da coligação.
Tomadas de corrente - Conjunto universal de tomadas de corrente eléctrica.
Tomadas de telefone - Conjunto de tomadas para ligação do telefone fixo ao modem do PC. Alguns cabos, incluindo um com ligação por crocodilos, são muito úteis.
Ventosa de gravação - Liga ao gravador portátil para a gravação de uma declaração em circunstâncias em que se torna difícil tomar notas num bloco (por exemplo, a circular numa estrada).
Fonte: Alfredo Leite, JN

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