26 junho, 2004

Casa da Música - Porto2001 S.A

Para já, o som é o da polémica. Mas a Casa da Música, o projecto da Sociedade Porto-2001, tem muitas outras notas na partitura que quer revelar ao público. Com a data de inauguração marcada para o final deste ano, depois de muitos adiamentos e falsas previsões, os seus responsáveis admitem que os custos da obra já aumentaram para o triplo do que estava inicialmente estipulado. Mas, agora, todas as atenções se viram para a sua programação.

Por: Ana Cristina Pinheiro

A Sociedade Porto-2001 promoveu um concurso entre arquitectos para um edifício num terreno da Rotunda da Boavista, considerado um dos locais mais ruidosos da cidade. Das sete equipas convidadas, ou admitidas, somente três se apresentaram, e foi então seleccionado o projecto do holandês Rem Koolhaas.

O edifício projectado não seria um cristal, como o classificou o ex-ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, mas um intrigante meteorito de betão, com 40 metros de altura e situado mesmo em frente ao monumento da Guerra Peninsular, do arquitecto Marques da Silva, em plena Rotunda da Boavista.

O grande objectivo da Casa da Música é ser uma casa para todos os tipos de música e para todos os tipos de público. O propósito é que o veio condutor de todas as suas manifestações seja a qualidade. De facto, o que quer que se faça na Casa da Música tem de obedecer a ‘standards’ de qualidade, que se entendam adequados, mesmo de qualidade geral, e que estejam em linha com os princípios editoriais da Casa da Música.

As certezas do presidente

Manuel Alves Monteiro, ex-presidente da Bolsa de Valores do Porto, foi nomeado presidente do Conselho de Administração da Casa da Música, em Julho de 2003. Sempre acompanhou os trabalhos da Casa da Música, embora «não com o detalhe ou a proximidade que gostaria de ter acompanhado», confessa. E prefere não falar em polémicas: «Chame-lhe polémicas... eu diria que são as contingências próprias de projectos com estas características», remata Alves Monteiro. E é dessas contingências que a PESSOAS foi falar com o Presidente da Casa da Música.

Tendo em conta que a zona da Boavista é considerada como um pólo central da cidade, a Casa da Música surge imbuída dessa centralidade. Alves Monteiro está de acordo em que a Casa da Música se impõe à Rotunda. Mas: «Há quem diga que a Casa da Música estaria melhor num local como o Parque da Cidade. O que é certo é que as polémicas valem e são apaixonantes quando nos fazem sentir que podemos intervir nelas...».

Num tom ameno e confiante Alves Monteiro começa pelas certezas: «A Casa da Música está neste local assumidamente. Não vai sair dali, não vamos mudá-la para qualquer outro sítio, como é de imaginar. Portanto, vamos assumir os desafios que a inserção naquele local nos trazem».

Prazos adiados

Quanto à escolha do projecto arquitectónico vencedor, Manuel Alves Monteiro, que na altura do concurso ainda não estava ligado à Casa da Música, tem uma opinião: «Este tipo de iniciativas realiza-se numa constante luta contra o tempo, com uma pressão muito grande, por parte dos gestores, para que se avance com a máxima rapidez», diz, tentando uma explicação para a polémica que envolveu a exposição dos projectos concorrentes.

Apesar de toda aquela pressa, os prazos de conclusão da empreitada ainda estão por definir. Abril de 2002 deu lugar a Agosto. Mais recentemente passou a Maio de 2004. Mas, o presidente do Conselho de Administração da Casa da Música logo manifestou reservas quanto ao cumprimento desse prazo. Agora fala-se em final deste ano: «Uma obra com estas características tem um ‘timing’ de desenvolvimento. Eu diria que não pode ser manipulado facilmente. E essa situação está à vista – há, de facto, várias razões que justificam o deslize temporal: os Invernos rigorosos, mas também a própria construção de mais um piso de cave, para garagens, e de todas as vicissitudes que a obra teve».

As contas (quase) finais

Vamos a contas. Em 1999, esperava-se que a Casa da Música fosse custar 33 milhões de euros; um ano depois, a previsão subiu para os 42 milhões; em 2001, o valor foi fixado nos 55 milhões; em 2002, ascendeu aos 77 milhões. Actualmente, os custos já se estimam em 100 milhões de euros, o triplo do inicialmente previsto. Sobre este deslize financeiro, Alves Monteiro diz que não se pode pronunciar, já que as razões básicas estão situadas fora do seu mandato.

Ainda assim, afirma que não se trata verdadeiramente de um deslize: «Há factores incrementais que justificam o aumento dos custos. Não é impunemente que se constrói um edifício com características como estas: ao nível da engenharia civil, ao nível da arquitectura, das exigências de estruturas, nos planos inclinados que têm as várias das faces daquele poliedro. Tudo isto ajuda a justificar como é que chegamos aos 100 milhões de euros».

Um buraco com vista para o mar...

Nas traseiras da Casa da Música, um edifício projectado por Ginestal Machado impõe-se defronte da janela do grande auditório. Para desimpedir as vistas para o mar, foi-lhe introduzido um enorme buraco arquitectónico. Manuel Alves Monteiro, também aqui, não quer alimentar grandes polémicas. Deixa apenas uma questão: «Será que a sua volumetria é a adequada para enquadrar bem a Casa da Música?».

A venda do terreno que alberga o edifício de Ginestal Machado foi realizada já depois da Casa da Música estar lá implantada. Mas não é aí que reside a polémica, no entender de Alves Monteiro, porque a Casa da Música «necessita, naquele enquadramento, de uma construção que lhe faça melhor a delimitação, que esconda o edifício de zonas urbanas que a delimitam e que são zonas incaracterísticas».

Mas esta é uma questão secundária, comparada com a pergunta essencial: para que servirá a Casa da Música? Com dinheiros públicos, a obra nasceu para dar música a todos. Mas o que pensam os portuenses deste objectivo? A PESSOAS andou pela cidade, tentando auscultar diferentes opiniões.

Chove na cidade do Porto e o trânsito na rotunda da Boavista complica-se. Mesmo em frente à Casa da Música existe uma padaria, onde várias pessoas se abrigam da chuva. Maria Aida, doméstica, entra na conversa: «Gosto imenso de música. Mas confesso que não sei para que servirá a Casa da Música. Só lhe posso falar do que está à vista: é enorme e não tem nada a ver com os restantes edifícios da Rotunda».

Jaime, empresário, olha atentamente para as máquinas a trabalhar na Casa da Música, pede um café, e comenta: «Isto é uma obra de arte, já tive a oportunidade de visitar a Casa da Música, e outros edifícios de igual envergadura, e o que lhe posso dizer é que este é lindo. É uma obra de arte».

Para quem trabalha na Casa da Música, os dias não têm sido fáceis. António não trabalha na obra desde o seu início: «Tenho consciência de que estou a ajudar para que uma obra de arte nasça. A Casa da Música é uma obra de arte. Já viu alguma casa ou edifício como este?».

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